Natureza da Revelação Espírita (VIII)
"Anúncio do Consolador"
Sem a pré-existência da alma, a doutrina do pecado original não seria só irreconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pelo erro de um único: seria um contra-senso, tanto mais injustificável quanto, segundo esta doutrina, a alma não existiria na época a que se pretende remontar a sua responsabilidade. Com a pré-existência, o homem traz ao renascer o germe das suas imperfeições, dos defeitos que não corrigiu e que se traduzem nos seus instintos inatos, nas suas propensões para tal ou tal vício. Reside aí o verdadeiro pecado original de que sofre muito naturalmente as consequências, mas com a diferença capital de que sofre o castigo dos seus próprios pecados e não o de um pecado de outro. E há outra diferença, simultaneamente consoladora, encorajadora e soberanamente equitativa: a de que cada existência lhe oferece os meios para se redimir através da reparação e para evoluir, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer adquirindo novos conhecimentos, e isto até que, ao estar suficientemente purificado, deixe de necessitar da vida corporal e possa viver exclusivamente da vida espiritual, eterna e bem-aventurada.
Pelo mesmo motivo, o que evoluiu moralmente traz, ao
renascer, qualidades inatas, tal como o que evoluiu intelectualmente traz ideias
inatas; identifica-se com o bem, pratica-o sem esforço, sem cálculo e,
por assim dizer, sem pensar. O que é obrigado a combater as suas más tendências
está ainda a lutar: o primeiro já venceu, o segundo vai a caminho de vencer.
Existe, portanto, virtude original tal como há saber
original e pecado ou, melhor vício original.
O Espiritismo experimental
estudou as propriedades dos fluidos espirituais e a sua acção sobre a matéria. Demonstrou
a existência do perespírito,
presumido desde a antiguidade e designado por São Paulo sob o
nome de Corpo espiritual, isto é, corpo fluídico da alma após destruição
do corpo tangível. Sabemos hoje que esse invólucro é indissociável da alma; que
é um dos elementos constituintes do ser humano; que é o veículo de transmissão
do pensamento e que, durante a vida do corpo, serve de ligação entre o Espírito
e a matéria. O perespírito representa um papel tão importante no organismo e
numa quantidade de afecções, que se aproxima da fisiologia tão bem como da
psicologia.
O estudo das propriedades do perespírito, dos
fluidos espirituais e dos atributos psicológicos da alma, abre novos horizontes
à ciência e fornece a chave de um conjunto de fenómenos até então
incompreendidos por não se conhecer a lei que os rege; fenómenos negados
pelo materialismo porque se prendem à espiritualidade, qualificados por outros
como milagres ou sortilégios, consoante as crenças. São assim, entre outros, os
fenómenos da dupla visão, da visão à distância, do sonambulismo natural
ou artificial, dos efeitos psíquicos da catalepsia e da letargia, da presciência, dos pressentimentos,
das aparições, das transfigurações, da transmissão de pensamento,
do fascínio, das curas instantâneas, das obsessões e possessões,
etc. Ao demonstrar que estes fenómenos assentam sobre leis tão naturais
como os fenómenos eléctricos e as condições normais em que se podem
produzir, o Espiritismo destruiu o império do maravilhoso e do
sobrenatural e, por consequência, a fonte da maior parte das superstições.
Se faz com que se acredite em certas coisas consideradas por alguns como
quiméricas, impede que se acredite em muitas outras de que demonstra a
impossibilidade e a irracionalidade.
O Espiritismo, muito longe de negar ou de destruir o
Evangelho, vem antes pelo contrário confirmar, explicar e desenvolver, através
das novas leis da natureza que revelam tudo o que Cristo fez e disse; traz luz
aos pontos obscuros do seu ensino, de tal modo que alguns daqueles para quem
certas partes do Evangelho eram ininteligíveis, ou pareciam ser inadmissíveis,
as compreendem e as admitem sem dificuldade com a ajuda do Espiritismo;
entendem-lhe melhor o alcance e podem separar a realidade da alegoria; Cristo
parece-lhes maior: já não é simplesmente um filósofo, mas sim um Messias
divino.
Se, além disso, considerarmos o poder do Espiritismo
pelo objectivo que confere a todas as acções da vida, pelas consequências do
bem e do mal que deixa bem claras, a força moral, a coragem, os consolos que
confere nas aflições através da ideia de termos perto de nós os entes que
amámos, a garantia de os revermos, a possibilidade de conversar com eles, enfim, pela
certeza de que de tudo o que fazemos, de que de tudo o que adquirimos em
inteligência, em ciência, em moralidade, até ao derradeiro momento da
vida, nada está perdido, que tudo aproveita à evolução, reconhecemos
que o Espiritismo realiza todas as promessas de Cristo relativamente
ao Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que
preside ao grande movimento da regeneração, a promessa do seu advento
encontra-se igualmente realizada, pois, de facto, é ele o verdadeiro Consolador (*).
(*) Muitos pais de família deploram a morte
prematura de crianças, pela educação das quais fizeram grandes sacrifícios, e
dizem para consigo que tudo isso foi uma pura perda. Com o Espiritismo não
lamentam estes sacrifícios e estariam prontos a fazê-los, mesmo tendo a certeza
de verem morrer os filhos, pois sabem que, se estes não beneficiam dessa
educação no presente, ela servirá primeiro para a sua evolução como Espíritos;
depois, que será um conhecimento adquirido para uma nova existência e que,
quando regressarem, possuirão uma bagagem intelectual que os tornará mais aptos
a adquirir novos conhecimentos. São as crianças que ao nascer trazem
ideias inatas, que sabem sem, por assim dizer, terem necessidade de aprender.
Se os pais não têm a satisfação imediata de verem os filhos usufruírem dessa
educação, certamente gozá-la-ão mais tarde, quer como Espíritos, quer como
homens. Talvez venham a ser novamente os pais dessas mesmas crianças que
consideramos afortunadamente dotadas pela natureza e que devem as suas aptidões
a uma anterior educação; assim como também, se as crianças se
desencaminham por negligência dos pais, estes podem vir a sofrer mais tarde com
isso, devido aos aborrecimentos e desgostos dos pais, estes podem vir a
sofrer mais tarde com isso, devido aos aborrecimentos e desgostos que
provocarão numa nova existência. (Evangelho Segundo o Espiritismo,
Capítulo V, n.º 21: Perdas de Pessoas Amadas e Mortes Prematuras.)
Se a estes resultados acrescentarmos a rapidez inerente à propagação do espiritismo, apesar de tudo o que foi feito para o abater, não poderemos sequer pensar que o seu advento não seja outra coisa que não providencial, na medida em que triunfa sobre todas as forças e sobre todas as más vontades humanas. A facilidade com que é aceite por um grande número de pessoas, e isso sem constrangimentos, sem outros meios de que o poder da ideia, prova que ele responde a uma necessidade: a de acreditar em qualquer coisa, após o vazio cavado pela incredulidade. Consequentemente, chegou no momento exacto.
Os aflitos são em grande número: não é então surpreendente que
tantas pessoas acolham uma doutrina consoladora, de preferência a doutrinas que
desesperam, na medida em que é mais aos deserdados da sorte do que aos felizes
que se dirige o Espiritismo. O doente vê chegar o médico com mais alegria
do que aquele que não costuma ter problemas de saúde; ora, os aflitos são os
doentes e o Consolador é o Médico.
Vós que combates o Espiritismo, se queres que o
deixem para vos seguirem, dá então mais e melhor que ele; cura mais
garantidamente as feridas da alma. Dá mais consolações, mais satisfações ao
coração, esperanças mais legítimas, certezas maiores; faz do futuro
um quadro mais racional, mais sedutor; mas não penses em vencê-lo com a
perspectiva do vazio; com a alternativa das chamas do Inferno ou da beata e
inútil contemplação perpétua.
/…
ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o
Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 37
a 44 (VIII), 10º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel
Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e
os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)