Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo VII Síntese dos druidas. As Tríades; objecções e comentários (II)

   Pode, desde há muito tempo, notar-se que o movimento do pensamento e da ciência, as descobertas astronómicas e tudo o que tem ligação com a física do globo terrestre vem confirmar a concepção céltica sobre o Universo e sobre Deus.

   Os cantos bárdicos de Taliésin sobre os mundos e a evolução da vida, que datam do século V, os testemunhos dos autores antigos sobre a ciência profunda dos druidas são dignos de fé. As Tríades, em tempos mais recuados, após terem anunciado e previsto as conquistas futuras da ciência, abriram-lhe outros horizontes, que a ciência apenas pressente e hesita em abordar.

   À medida que o conhecimento do Universo se estende, a ideia de Deus se engrandece e as concepções teológicas da Idade Média se sombreiam. Ao mesmo tempo, a noção da força e do pensamento soberano torna-se mais imponente e mais bela; ela aumenta ao infinito e ao absoluto.

   Aqui, aparece uma dificuldade contra a qual se chocaram todas as filosofias espiritualistas. Nós não podemos, dizem elas, conhecer o Ser em si, mas somente pelas relações que temos com ele. Ora, qual relação pode existir entre o homem finito e relativo e o Ser infinito e absoluto? Não há aí uma contradição?

   Este escolho, que nenhuma filosofia moderna pode evitar, os druidas tinham afastado desde o princípio e nós achamos, nesse facto, a manifestação de uma intervenção sobre-humana. Com efeito, a Tríade nº 46 assim se exprime:

   46 – Três necessidades de Deus, ser infinito em si mesmo, ser finito em relação aos seres finitos, estar em relação com cada estado de existências no círculo de “Gwynfyd”.

   Sobre este último ponto nós possuímos os meios de controlo suficientes.

   Todos os espíritos elevados, que se comunicaram nas nossas reuniões de estudo, afirmam que eles percebem as radiações do pensamento e da força divina.

   Os mais puros – em pequeno número – percebem a luz do foco divino e as poderosas harmonias que se formam. Eles recebem as ordens, as instruções, tendo ligações com as missões a cumprir, as tarefas a realizar. Pode mesmo ir-se mais longe e dizer que, sobre o plano terrestre, os homens mais evoluídos sentem as radiações divinas, não mais directamente, mas como um reflexo que vem esclarecer a sua consciência.

   Em resumo, Deus é a causa suprema, a fonte eterna da vida. É o seu pensamento e a sua vontade que movem o Universo; eles projectam sem cessar, através do espaço, as ondas de moléculas, os feixes de centelhas vitais que as grandes correntes de ondas transportam e distribuem sobre o mundo. Daí, essas centelhas de vida se elevam através do ciclo imenso do tempo em direcção da fonte suprema, revestindo as formas rudimentares da natureza.

   Ao chegar ao estado humano, elas deverão adquirir, pelos seus trabalhos e os seus esforços, todos os atributos divinos: consciência, sabedoria, amor, participando cada vez mais da vida, da obra eterna num crescimento gradual de irradiação, potência e felicidade.

   Para tornar a concepção druídica completa e perfeita bastaria acrescentar-lhe a noção de solidariedade dos seres pela paternidade de Deus, a comunhão universal na qual cada um trabalha pela evolução de todos na sucessão das vidas, desde o infinitamente pequeno até as alturas divinas, até a possessão dos atributos que constituem a perfeição.

   Mas é, por excelência, uma doutrina de evolução, de progresso e de liberdade. No lugar da visão de uma imobilidade beata e estéril, é uma vida de actividade, de desenvolvimento das faculdades e das qualidades morais. É a felicidade de se dar a todos e de educar os outros educando-se a si mesmo.

   O ser evoluído é mais feliz em dar do que em receber, e por aí nós podemos compreender a felicidade de Deus em espalhar a sua própria substância sobre a sua obra, em benefício das suas criaturas e na medida dos seus esforços e dos seus méritos.

   A ideia capital do Druidismo é, portanto, a ideia de Deus, único, eterno, infinito. A primeira Tríade é formal, e a noção de Deus se desenvolve nas Tríades seguintes:

   1 – Há três unidades primitivas, e de cada uma não deveria existir mais do que uma: um Deus; uma verdade e um ponto de liberdade, isto é, o ponto onde se acha o equilíbrio de toda a oposição;

   2 – Três coisas procedem de três unidades primitivas: toda a vida, todo o bem e todo o poder;

   3 – Deus é necessariamente três coisas, a saber: a maior parte da vida, a maior parte da ciência e a maior parte do poder, e não deveria ter mais de uma grande parte de cada coisa;

   4 – Três coisas que Deus não pode deixar de ser: o que deve constituir o bem perfeito, o que deve querer o bem perfeito e o que deve cumprir o bem perfeito;

   5 – Três garantias do que Deus faz e fará: o seu poder infinito, a sua sabedoria infinita e o seu amor infinito; porque não há nada que não possa ser feito, que não possa tornar-se verdade e que não possa ser querido por esses atributos;

   6 – Três fins principais da obra de Deus, como criador de todas as coisas: diminuir o mal, reforçar o bem, esclarecer toda a diferença, de tal sorte que se possa saber o que deve ser, ou ao contrário, o que não deve ser;

   7 – Três coisas que Deus não pode deixar de cumprir: o que há de mais vantajoso, o que há de mais necessário e o que há de mais belo para cada coisa;

   8 – Três poderes da vida: não poder ser melhor pela concepção divina e é nisso que está a perfeição de toda a coisa;

   9 – Três coisas prevalecerão necessariamente: o supremo poder, a suprema inteligência e o supremo amor de Deus;

   10 – As três grandezas de Deus: vida perfeita, ciência perfeita e poder perfeito;

   11 – Três causas originais dos seres vivos: o amor divino de acordo com a suprema inteligência, a sabedoria suprema pelo conhecimento perfeito de todos os meios e o poder divino de acordo com a suprema vontade, o amor e a sabedoria de Deus.

   Quando se acrescenta que os judeus foram os primeiros do mundo a afirmar a unidade de Deus, esquece-se por demais que os druidas a ensinaram bem antes deles. Mas enquanto que a Bíblia nos apresenta Deus antropomórfico, isto é, semelhante ao homem por certas imperfeições, o Deus dos druidas está no ponto alto acima das misérias humanas.

   Eis como Jean Reynaud se exprime em sua obra magistral L’Esprit de la Gaule, página 45:

   “Relativamente ao conhecimento de Deus, a Gália se ergue, na realidade, por si mesma, não tendo jamais necessidade de recorrer a outrem quanto à essência e ao fundamento da vida. Em vez de ser obrigada a vir se enxertar sobre a cepa viva, como diz S. Paulo aos Gentios, ela era igualmente uma cepa viva.

   Em resumo, dizíamos, a doutrina dos druidas se baseia em três princípios fundamentais: a eternidade de Deus, a perpetuidade do Universo e a imortalidade das almas. A seus olhos, o Universo era o campo vasto onde se desenrolava o destino dos seres. A pluralidade dos mundos era o complemento necessário da sucessão das vidas, escala da ascensão que se elevava até Deus.

   Uma das coisas que mais abalavam os autores antigos era o saber dos druidas em matéria de Astronomia. O contraste era profundo, nesse ponto, com a maioria das doutrinas do oriente. Sobre esse conhecimento há muitas testemunhas. O próprio César nos informava em seus Comentários (das guerras Gálicas) que os druidas ensinavam muito sobre as coisas relativas à forma e à dimensão da Terra, à grandeza e às disposições das diversas partes do céu e ao movimento dos astros. Hecateu, Plutarco e outros dizem que, das Ilhas Britânicas, os druidas observavam cuidadosamente as montanhas e os vulcões da Lua e todo o relevo desse pequeno globo.

   Foi na Gália, diz Jean Reynaud, que se imaginou tornar os astros a sede da ressurreição. O paraíso, em vez de se reduzir a uma concepção mística, formava uma realidade sensível, oferecida de modo contínuo como espectáculo aos olhos dos homens. (i)

   Quanto à perpetuidade do Universo, ela se deduz desta passagem de Estrabão: “Os druidas ensinavam que a alma está livre da morte como também o mundo.” A imortalidade decorria da ideia de que a grandeza inerente ao indivíduo está acima de todas as forças materiais.

   “Tudo o que depende do mundo perece: as instituições, os monumentos, os impérios, mas no meio de todos esses objectos precários acha-se um ser que não é deste mundo a não ser passageiramente e que, sendo superior por sua imortalidade às realidades perecíveis no seio das quais ele se desenvolveu, se eleva até ao céu com uma sublimidade em que a Terra, apesar de seu fausto, não se aproxima.”

   Quando se compara a tradição céltica, tal como se exprime nos cantos bárdicos, com as teorias da Idade Média, antes de Galileu, fica-se surpreso com a ciência profunda dos nossos antepassados; lembremos somente o Canto do Mundo, de Taliésin, que data do século IV da nossa era. (ii)

   “Eu perguntarei aos bardos, e por que os bardos não me responderiam? Eu lhes perguntarei o que sustenta o mundo, visto que, sem suporte, o mundo não cai. Mas o que poderia servir-lhe de suporte? Grande viajante é o mundo! Enquanto desliza, sem repouso, ele permanece sempre na sua via, e quanto admirável é a forma dessa via para que o mundo dela não saia jamais!”

   “Ainda nos nossos dias – conclui Jean Reynaud – a Astronomia clássica limita-se a estudar o mecanismo material do Universo e acha-se bem afastada ainda da verdade moral, incapaz que ela é de vivificar o movimento dos astros pela circulação das existências; ela se perde na multiplicidade das estrelas como em uma vã poeira.” (iii)

/...
(i) Ver em L’Esprit de la Gaule, de Jean Reynaud, pp. 96 e 100.
(ii) Segundo Barddas, cad. Goddeu, em tradução do gaélico.
(iii) Ver em L’Esprit de la Gaule, p. 61.



LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Segunda Parte – O Druidismo Capítulo VII – Síntese dos druidas, As Tríades; objecções e comentários (2 de 2) 23º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

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