Manifestações Espirituais de
Crianças ~
Nas correntes do
Sincretismo Religioso Afro-Brasileiro existem, divididas em formas idealizadas
de grupos espirituais, as correntes infantis, médicas, orientais, africanas,
indígenas e outras, que se manifestam mediunicamente, com as características do
condicionamento etário da vida terrena, das condições profissionais e raciais e
assim por diante. Nas práticas africanas do Candomblé e nas práticas indígenas
da Poracê manifestam-se os elementares,
espíritos em transição para o plano humano. A intensa divulgação dessas
práticas sincréticas – misturas de religiões primitivas dos negros africanos e
dos indígenas americanos – leva muita gente a perguntar por que motivo essas
manifestações não ocorrem também nas sessões espíritas, onde as manifestações
são geralmente de criaturas humanas adultas. Um ilustre médico psiquiatra,
dedicado a esses assuntos, chegou a declarar numa conferência em São Paulo que
o Espiritismo ignorava a existência de espíritos não-humanos. Um espírita
presente não se conteve e explicou-lhe em público que o Espiritismo conhece e
proclama a existência de inúmeras formas de espíritos não-humanos mas não se
apega ao assunto, por ser uma doutrina. As fases anteriores da evolução
pertencem ao domínio das leis naturais. Todos esses espíritos em ascensão para
o plano hominal não dispõem ainda de inteligência e consciência suficientemente
desenvolvidas para participar do plano humano. No mundo espiritual esses
espíritos são amparados e orientados por espíritos que se dedicam aos chamados espíritos da natureza.
Vale essa lição para os espíritas que hoje pregam a
supressão das sessões mediúnicas, alegando que as doutrinações de espíritos
humanos ignorantes e sofredores pertence ao mundo espiritual. Esse raciocínio
ilógico e antinatural estabelece a dicotomia no processo de intercâmbio
mediúnico, sem nenhuma prova da razão alegada. Por outro lado, nega o princípio
de solidariedade humana entre os dois planos estreitamente conjugados, o carnal
e o espiritual. A doutrinação mediúnica é função básica do Espiritismo, a mais
bela e consoladora herança do Cristianismo do Cristo (e não dos seus vigários)
como declarou o Padre Alta no seu famoso livro. Cancelar as sessões mediúnicas
seria voltarmos ao marco-zero. Restabeleceríamos assim o princípio católico da
inviolabilidade do mistério da morte, isolando-nos artificialmente dos
espíritos amigos, nossos companheiros de evolução humana, que continuam a
conviver connosco na interpenetração dos mundos material e espiritual, hoje
comprovada pelas próprias Ciências materiais. Fecharíamos as portas da nossa
ignorância na cara dos amigos e parentes que nos amam e nos ajudam no campo das
relações mediúnicas. É isso o que desejam os inquietos e desavisados inovadores
do nosso tempo?
As manifestações de espíritos de crianças são naturais, pois
todos os espíritos podem manifestar-se. Mas as manifestações desses espíritos
em cadeia, formando correntes para
trabalhos espirituais não têm sentido. As crianças transformam os médiuns em
bebês chorões, pedem chupetas e mamadeiras, querem brincar com bonecas e assim
por diante. Acontece que os espíritos de crianças não são crianças, mas
adultos. Deixando o corpo infantil são confiados a espíritos superiores que os
orientam para que se descondicionem da situação infantil, de que somente
necessitavam em função de sua rápida passagem cármica pela Terra. Quando o
espírito já dispõe de conhecimentos espirituais, retorna por si mesmo e
naturalmente à condição de adulto. A condição infantil corresponde às
necessidades evolutivas do corpo material. Cumpridas essas exigências
psicobiológicas, retornam à condição de adultos. Isso se torna evidente nas
manifestações de espíritos de crianças mortas que se manifestam aos pais para
identificar-se, mas em manifestações posteriores já se declaram adultas. Um
menino de oito anos, no nosso grupo de trabalho, respondeu aos mimos e
preocupações dos pais dizendo: “Não sou mais criança. A morte nos faz crescer
depressa. Fiquei rapaz em poucos dias. Mas sou o mesmo espírito que vocês só
conheceram como criança. Cumpri a minha missão e agora tenho de prosseguir na
minha evolução. Estarei sempre com vocês, porque vos amo, mas não pensem em mim
como morto ou como criança, pois não sou mais nenhuma dessas duas coisas”. Os
espíritos de crianças, de adultos, de velhos, manifestam-se como eram na carne
para se identificarem, mas não permanecem no estado em que morreram. As
manifestações do sincretismo religioso são em geral condicionadas pelas crenças
e tradições das religiões primitivas dos vários tipos de manifestações
religiosas de que provêm. Trata-se em geral de manifestações anímicas
submetidas ao processo de condicionamento à crença, pesquisado por Richet no
século passado e pelos parapsicólogos actuais. Boirac deu a essas manifestações
a designação de espiritóides, o que vale dizer pseudo-espíritas. O devoto de
Nossa Senhora que vê um espírito radiante de mulher tende sempre a considerá-la
como a santa de sua devoção. Esse é um dos capítulos mais difíceis do campo
científico da mediunidade, que a maioria dos espíritas desconhece. Cada ciência
tem os seus problemas melindrosos, que exigem estudo sério dos seus
praticantes.
Kardec registou nas suas pesquisas várias manifestações de
crianças na condição de agénere (manifestações de crianças em forma de
materializações, mas que não o são). Trata-se de casos raros, provocados por
excessivo apego de espíritos afins. O caso da menina Raquel, filha de Frederico Figner, foi uma materialização através de um médium. O agénere é o fenómeno
produzido por alterações do perispírito ou corpo espiritual do espírito
manifestante, que lhe dão a aparência de materializado. (Ver na Revista Espírita, de Kardec, a teoria
dos agéneres). Sem estudo metódico e aprofundado da Doutrina, os adeptos se
expõem ao perigo de erros e ilusões na apreciação dos fenómenos. E ficam
geralmente em dificuldades para refutarem teorias esdrúxulas dos opositores;
Ciência do imponderável e do invisível, que não raro se tornam ponderáveis e
visíveis. O Espiritismo requer dos seus adeptos maior afinco nos estudos, na
observação e na pesquisa. É de extrema leviandade a atitude de adeptos e
contraditores do Espiritismo que pretendem explicar os fenómenos que não
conhecem, julgando-se defensores únicos da verdade e detentores exclusivos do
discernimento e do bom senso, dotados de dons especiais para encontrar trapaças
em toda a parte. Um ilustrado e famoso professor de Medicina teve a coragem de
exibir em reuniões científicas fotografias de mesas grosseiramente amarradas
com tiras de pano e cordas como prova de fraudes em fenómenos de levitação.
Tristes restos, destroços humilhantes de batalhas perdidas na luta contra o
Espiritismo por trapaceiros, mágicos de palco e sacerdotes mais interessados na
mentira do que na verdade das revelações espirituais. É inacreditável que,
ainda hoje, em plena era atómica e em plena expansão mundial da Parapsicologia,
reconhecida como ciência universitária, esses vergonhosos resíduos da miséria
humana possam servir, embora como peças de museus arcaicos, como armas contra
os resultados de pesquisas científicas.
Ao problema das manifestações de espíritos de crianças
devemos juntar o das manifestações da mediunidade infantil. Campo ainda pouco
explorado pelos pesquisadores, pelas dificuldades naturais que oferece e o
temor de desencadear processos inesperados no psiquismo imaturo, foi pesquisado
no passado e continua em pesquisas nos nossos dias. Os casos como o de Pierino Gamba e Gianela de Marco, explorados em exibições públicas mundiais, ficaram
cientificamente inexplicados. Gianela, uma frágil menina italiana de seis anos,
apresentou-se no Teatro Municipal de São Paulo, regendo a Orquestra Sinfónica
com a perícia de um grande regente. Levada a uma exibição mais ampla no Ginásio
do Pacaembu, inteiramente lotado, regeu com a mesma segurança, em promoção do
Clube dos Jornalistas Espíritas, recebendo elogios crivados de espanto dos
nossos críticos profissionais. Nos próprios casos de exorcismo católico, hoje
amplamente divulgados, surgem crianças médiuns interpretadas como endemoniadas.
Aos Centros Espíritas comparecem mães aflitas levando crianças que necessitam
de tratamento para se livrarem de influências mediúnicas assustadoras. Na
Parapsicologia actual as pesquisas mais interessantes referem-se a casos
psiquiátricos e de manifestações telepáticas. Nessas manifestações,
pesquisadores norte-americanos e ingleses provaram, sem querer e sem o saber,
um dos mais surpreendentes princípios da Ciência Espírita – o de que os debilóides
mentais são espiritualmente normais, decorrendo as deficiências de imperfeições
e anormalidades do cérebro e não da mente. Experiências sucessivas e
rigorosamente científicas, confirmando a tese de Rhine de que a mente não é
física, revelaram a situação dramática dessas crianças, como decorrentes de
abusos criminosos no passado. Pesquisas em presídios mostraram a mesma situação
em casos de loucura. Robert Amadou, católico-tomista, relata essas pesquisas no
seu livro Parapsicologia; Herenwald,
Pardson-Crieg, Carington e outros fazem coro a esse testemunho.
Todos esses factos recentes, comprovados nos grandes centros
universitários do mundo, abrem, segundo vários especialistas, uma nova
perspectiva no campo das possibilidades de cura dessas deficiências.
No tocante às manifestações mediúnicas de crianças engajadas
nas chamadas correntes das formas de
sincretismo religioso, em nada as favorecem essas pesquisas. A mediunidade
infantil é puramente passiva, receptiva. O espírito de criança, no seu condicionamento
infantil, está submetido ao processo de reencarnação, por isso mesmo desprovido
da liberdade de escolha e de acção para controle de um médium. O paralelismo
psicofísico do desenvolvimento infantil exige a ligação mais íntima e efectiva
do espírito com o corpo. A mente infantil, reduzida às condições primárias da
imaturidade, não dispõe de meios para o raciocínio claro e as decisões
voluntárias. A criança só pode dispor de recursos para manifestações
independentes depois dos oito anos de idade. Uma criança que se manifesta por
um médium adulto pedindo bonecas ou chupetas permanece ainda no plano da
subconsciência, não podendo violentar as leis naturais do crescimento humano. A
Psicologia Infantil já se encontra suficientemente desenvolvida para nos
oferecer uma visão geral do processo ontogenético nas fases primárias do
desenvolvimento infantil.
Por outro lado, essas manifestações, se fossem reais,
revelariam falta de ordem no mundo espiritual, onde as crianças ficariam à
mercê de entidades maduras e mal orientadas. As consequências morais de uma
situação como essa seriam desastrosas para todas as concepções espiritualistas.
A situação da criança nessa concepção primitivista superaria em desalento à do
limbo católico para onde as crianças não baptizadas seriam remetidas após a
morte. Na obra da Criação, que é sobretudo ordem, amor e justiça, não se pode
admitir logicamente esse abandono das crianças espirituais à própria sorte. Os
espíritos infantis que não retomam a sua maturidade mental logo após a morte
são entregues aos espíritos maternais que, segundo técnicas especiais, tratam
de protegê-los e levá-los à reintegração nas suas experiências de vidas
anteriores. O Espiritismo, como dizia Kardec, é uma questão de bom-senso.
A questão dos elementares,
espíritos ainda em transição para a humanidade, decorre da própria teoria
espírita da evolução, que é geral, universal e sequente. Doutrinas de elevado
teor cultural, como a Teosofia de Olcot e Blavatsky e religiões mágicas,
primitivas, como as do sincretismo religioso afro-brasileiro, dão grande ênfase
a esse campo de manifestações primárias, que só pode ser pesquisado através da
vidência. Como esse meio de pesquisa é sujeito a muitas imprecisões e
interpretações erróneas, o Espiritismo interessa-se mais pelas manifestações de
espíritos adultos, pois nestes encontra mais segurança e possibilidades de
confirmação dos factos, bem como maior proveito para a humanidade que
representa uma fase decisiva da evolução dos seres. Tudo nos mostra, no mundo actual,
que não podemos perder tempo com especulações secundárias. A imensa maioria
humana, encarnada e desencarnada, do nosso planeta, não chegou ainda à
compreensão real do sentido da vida e necessita de apoio e ajuda daqueles que
se adiantaram no caminho. As doutrinas espirituais que se dizem avançadas
acabam fechando-se em pequenas elites desligadas da massa mais sofredora e
necessitada.
A mensagem espírita, desenvolvendo e aclarando os ensinos
cristãos, vai da choupana ao palácio e pode enfrentar com segurança os embates
do religiosismo dogmático e do materialismo científico em todos os seus
aspectos. Ela demonstra, inclusive, que a verdadeira Ciência não pode parar nos
limites da matéria, pois o ser não é matéria, mas espírito, e a finalidade da
Ciência é reconhecer e revelar a realidade total em sua interacção de causa e
efeito, espírito e matéria. Negar o espírito ou considerá-lo como subordinado à
matéria é negar as possibilidades cognoscitivas da inteligência. O cientista
que assim procede comete um suicídio cultural. Toda a cultura se nadifica nesse
gesto anti-humano de se esconder na cova de uma toupeira. O Espiritismo revela-nos
o homem como o conhecedor insaciável de toda a realidade. Por isso, a primazia
espírita concedida ao homem é uma exigência da evolução global das coisas e dos
seres. As exigências metodológicas do conhecimento ôntico são necessárias, não
podem ser transformadas em hipóteses que atravanquem as rotas do saber, como
reconheceu Charles Richet, tratando precisamente dos problemas espirituais na
Metapsíquica.
/…
José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, Manifestações Espirituais de Crianças, 18º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: O peregrino sobre o mar
de névoa, pintura de Caspar David
Friedrich)