Natureza
da Revelação Espírita (VI)
Se Cristo não
conseguiu desenvolver os seus ensinamentos de forma completa, foi porque
faltavam aos homens conhecimentos que estes não podiam adquirir antes de tempo
e sem os quais não o podiam compreender; havia coisas que teriam parecido um contra-senso na fase de conhecimentos de então. Completar os seus ensinamentos
deve-se portanto entender no sentido de explicar e de desenvolver,
muito mais que no de lhes acrescentar verdades novas, pois neles tudo se
encontra em germe; simplesmente, faltava a chave para captar o
sentido das palavras.
Mas quem se atreve a interpretar as escrituras sagradas?
Quem tem esse direito? Quem possui a sabedoria, a não ser os teólogos?
Quem se atreve? Primeiro a ciência, que não pede licença a
ninguém para dar a conhecer as leis da natureza e salta a pés juntos para cima
dos erros e dos preconceitos. Quem tem esse direito? Neste século de
emancipação intelectual e de liberdade de consciência, o direito de exame
pertence a toda a gente e as Escrituras já não são a arca sagrada na qual
ninguém ousava tocar nem com um dedo, por correr o risco de ficar fulminado.
Quanto à sabedoria especial necessária, sem contestar a dos teólogos e, por
muito esclarecidos que fossem os da Idade Média, em particular os padres da
igreja, não o eram no entanto o suficiente para não condenarem como heresia o
movimento da Terra e a crença nos antípodas; e, sem ir tão longe,
os dos nossos dias não lançaram um anátema sobre os períodos de
formação da Terra?
Os homens só conseguiram explicar as Escrituras com a ajuda
do que sabiam, das noções falsas ou incompletas que tinham sobre as
leis da natureza mais tarde reveladas pela ciência; eis porque razão os
próprios teólogos puderam, de muito boa-fé, equivocar-se quanto ao sentido de
certas palavras e de certos factos dos Evangelhos. Querendo a qualquer custo
encontrar neles a confirmação de uma ideia preconcebida, giravam sempre no
mesmo círculo, sem abandonarem o seu ponto de vista, de tal maneira que só viam
ali o que queriam ver. Por muito sábios que fossem, não podiam perceber
as causas dependentes de leis que não conheciam.
Mas quem será juiz das interpretações diversas e por vezes
contraditórias feitas fora da teologia? O futuro, a lógica e o bom
senso. Os homens, cada vez mais esclarecidos à medida que novos factos e novas
leis se vão revelando, saberão separar as teorias utópicas da realidade; ora, a
ciência dá a conhecer certas leis; o Espiritismo dá a conhecer outras; umas
e outras são indispensáveis à inteligência dos textos sagrados de
todas as religiões, desde Confúcio e Buda até ao cristianismo.
Quanto à teologia, não poderia judiciosamente alegar que as contradições da
ciência constituem excepções, quando nem sempre está de acordo consigo mesma.
O ESPIRITISMO, tomando como ponto de partida as próprias
palavras de Cristo, assim como Cristo foi buscar bases a Moisés, é consequência
directa da doutrina.
À ideia vaga da vida futura, acrescenta a revelação da
existência do mundo invisível que nos rodeia e povoa o espaço e, com isso, dá
precisão à crença; dá-lhe um corpo, uma consistência, uma realidade no
pensamento.
Define os elos que unem a alma e o corpo e
levanta o véu que escondia aos homens os mistérios do
nascimento e da morte.
Pelo Espiritismo o homem sabe de onde vem, para onde vai,
por que está na Terra e por que nela sofre temporariamente, vendo em tudo a
justiça de Deus.
Sabe que a alma evolui constantemente através de uma série
de existências sucessivas, até ter atingido o grau de perfeição que a pode aproximar de
Deus.
Sabe que todas as almas, tendo um mesmo ponto de partida,
são criadas iguais, com uma mesma aptidão para evoluir por virtude do seu
livre-arbítrio; que todas são da mesma essência e que entre elas só há a
diferença da evolução conseguida; que todas têm o mesmo destino e atingirão
o mesmo fim, mais ou menos prontamente consoante o seu trabalho e a sua
boa-vontade.
Sabe que não existem criaturas deserdadas, nem umas que
sejam mais favorecidas do que outras; que Deus não criou privilegiados, estando
dispensados do trabalho imposto a outros para poderem evoluir; que não existem
seres perpetuamente votados ao mal e ao sofrimento; que os designados com o
nome de demónios são Espíritos ainda atrasados
e imperfeitos, que praticam o mal na qualidade de Espíritos como o faziam na
situação de homens, mas que evoluirão e melhorarão; que os anjos ou
Espíritos puros não são entes à parte na criação, mas Espíritos que
atingiram o seu objectivo depois de terem seguido as etapas do progresso;
que assim não existem criações múltiplas, nem diferentes categorias entre seres
inteligentes, mas que toda a Criação resulta da grande unidade que
rege o Universo e que todos os seres gravitam na direcção de um objectivo comum
que é a perfeição, sem que uns sejam favorecidos à custa dos outros, sendo
todos filhos das suas obras.
/…
ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o
Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 28
a 30, 8º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco,
Editores Livros de Vida.
(imagem de ilustração: Diógenes e
os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)