– A Paciência não se perde ~
"Pela paciência possuireis as vossas almas."
É muito comum ouvirmos esta exclamação: perdi a paciência!
Como sabem, porém, que perderam a paciência? Porque quando precisaram daquela
virtude para se manterem calmos e serenos não a encontraram consigo, e, por
isso, se exasperaram, praticaram desatinos, proferiram impropérios e
blasfémias?
Só pelo facto de não encontrarem no seu património moral
aquela virtude, alegam logo que a perderam. Como poderiam, porém, perder o que
não possuíam?
Será melhor que os homens se convençam de que eles não têm
paciência, que ainda não alcançaram essa preciosa qualidade que, no dizer do
Mestre insigne, é a que
nos assegura a posse de nós mesmos: Pela paciência possuireis
as vossas almas. E não pode haver maior conquista que a conquista própria. Já
alguém disse, com justeza, que o homem que se conquistou a si mesmo vale
mais que aquele que conquistou um reino. Os reinos são usurpados mediante o
esforço e o sangue alheio, enquanto que a posse de si mesmo só pode advir do
esforço pessoal, da porfia enérgica e perseverante da individualidade própria,
agindo sobre si mesma.
Todos esses, pois, que vivem constantemente alegando que
perderam a paciência, confessam involuntariamente que jamais a tiveram.
Paciência não se perde como qualquer objecto de uso ou como uma soma de
dinheiro. Os que ainda não lograram alcançá-la, revelam essa falha precisamente
no momento em que se exasperam, em que perdem a compostura e cometem
despautérios. Quando, depois, o ânimo serena, o homem diz: perdi a paciência.
Não perdeu coisa nenhuma; não tenho paciência
é o que lhe compete reconhecer e confessar.
Ás virtudes, esta ou aquela, fazem parte de uma certa
riqueza cujo valor imperecível Jesus encarece
sobremaneira no seu Evangelho, sob estas sugestivas palavras: Granjeai
aquela riqueza que o ladrão não rouba, a traça não rói, o tempo não consome e a
morte não arrebata. Tais bens são, por sua natureza, inacessíveis às
contingências da temporalidade, e não podem, portanto, desaparecer em hipótese
alguma. Constituem propriedade inalienável e legitimamente adquirida pelo
Espírito, que jamais a perderá.
Não é fácil adquirirmos certas virtudes, entre as quais se
encontra a paciência. A aquisição da paciência depende
da aquisição de outras virtudes que lhe são correlatas, que se encontram
entrelaçadas com ela numa trama perfeita. A paciência — podemos dizer — é filha
da humildade e irmã da fortaleza, do valor moral. O orgulho é o seu grande
inimigo. A fraqueza de Espírito é outro obstáculo à conquista daquele precioso
tesouro. Todos os movimentos intempestivos, todo o acto violento, toda a
atitude colérica são oriundos da susceptibilidade do nosso amor próprio
exagerado. A seu turno, os desesperos, as aflições incontidas, os estados de
alucinação, os impropérios e as blasfémias são consequências da fraqueza de
ânimo ou debilidade moral. A calma e a serenidade de ânimo, em todas as
emergências e conjunturas difíceis da vida, só podem ser conservadas
mediante a fortaleza e a humildade de Espírito. É essa
condição inalterável de ânimo que se denomina paciência. Ela é
incontestavelmente o atestado eloquente de alto padrão moral.
Naturalmente, em épocas de calmaria, quando tudo corre ao
sabor dos nossos desejos, parece que possuímos aquele preciosíssimo bem. Os
homens, quando dormem, são todos bons e inocentes. É exactamente nas horas
aflitivas, nos dias de amargura, quando suportamos o baptismo de fogo, que
verificamos, então, a inexistência da sublime virtude connosco.
No mundo, observou o Mestre, tereis tribulações, mas tende
bom ânimo: eu venci o mundo. Como ele venceu, cumpre-nos, como discípulos,
imitá-lo, vencendo também. O Cristo é o modelo sublime, é o grande paradigma.
Não basta conhecer os seus ensinamentos, é preciso praticá-los. Daqui
a necessidade de fortificarmos o nosso Espírito, retemperando-o nos embates
quotidianos como o ferreiro que, na forja, tempera o aço até que o torna
maleável e ou resistente.
A existência humana é urdida de vicissitudes e de
imprevistos. Tais são as condições que havemos de suportar como consequências
do nosso passado. A cada dia a sua aflição — reza o Evangelho na sua empolgante
sabedoria. Portanto, cumpre nos tornemos fortes para vencermos. Fomos dotados
dos predicados para isso. Tudo que eu faço, asseverou o Mestre, vós também
podeis fazer. Se nos é dado realizar os feitos maravilhosos do Cristo de Deus,
porque permanecemos neste estado de miserabilidade moral? Simplesmente porque
temos descurado a obra da nossa educação. A educação do Espírito é o
problema universal.
A obra da salvação é obra de educação, nunca será demais
afirmar esta tese.
A religião que o momento actual da Humanidade reclama é
aquela que apela para a educação sob
todos os aspectos: educação física, educação intelectual, educação cívica,
educação mental, educação moral.
A fé que há de salvar o mundo é aquela que resulta desta
sentença: Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito.
– A Felicidade
Existe a felicidade? Será ficção ou realidade? Se não
existe, porque tem sido essa a aspiração de todas as gerações através dos
séculos e dos milénios? Já não seria tempo de o homem se desiludir? Se existe,
porque não a encontram os que a buscam com tanto empenho?
Que nos responda o poeta:
"A felicidade está onde nós a pomos; e nunca a pomos
onde nós estamos".
Eis a questão. A felicidade é um facto desde que a procuremos
onde realmente ela está, isto é, em nós mesmos.
O desapontamento de muitos com relação à felicidade,
desapontamento que tem gerado incredulidade e pessimismo, origina-se de a terem
procurado no exterior, onde ela não está; origina-se ainda de a
suporem dependendo de condições e circunstâncias externas, quando todo o seu
segredo está no nosso foro íntimo, no labirinto dos refolhos do nosso ser.
O problema da felicidade é de natureza espiritual. Circunscrito
à esfera puramente material, jamais o homem o resolverá. O anseio de felicidade
que todos sentimos vem do Espírito, são protestos de uma voz
interior.
O erro está em querermos atender a esses apelos por meio das
sensações da carne e da gratificação dos
sentidos. Daí a insaciabilidade, daí a eterna ilusão! O fracasso vem da maneira
como pretendemos acudir ao clamor do Espírito. Ao rufiar das asas, respondemos
com o escarvar das patas.
A ideia de felicidade é tão real como a da imortalidade:
aquela, porém, como esta, diz respeito à alma, não ao corpo. Ao Espírito cumpre
alcançar a felicidade que está, como a imortalidade, em si mesmo, na
trama da própria vida, dessa vida que não começa no berço nem termina no
túmulo.
A felicidade, neste mundo onde tudo é relativo, não exclui o
sofrimento. Mesmo na dor, a felicidade legítima permanece actuante como lenitivo.
De outra sorte, sofrermos durante certo tempo e vermo-nos,
depois, livres do sofrimento, já não será felicidade? O doente que recupera a
saúde e o prisioneiro que alcança a liberdade já não se sentem, por isso,
felizes? A saudade que nos mortifica, não se transforma em gozo quando,
novamente, sentimos palpitar, bem junto ao nosso, o coração amado?
Não é bom sofrer para gozar? É assim que, muitas vezes, a
felicidade surge da própria dor como a aurora irrompe da noite tenebrosa.
O descanso é um prazer após o trabalho; sem este, que
significação tem aquele? Assim a felicidade. Ela representa o fruto de muitos
labores, de muitas porfias e de acuradas lutas. Vencer é alcançar a felicidade.
Podemos, por acaso, conceber a vitória sem as refregas? Quanto mais árdua é a
peleja, maior será a vitória, mais saborosos os seus frutos, mais viçosos os
seus louros.
Para a felicidade fomos todos criados. "Quero que o meu
gozo esteja em vós, e que o vosso gozo seja completo." As graças divinas
estão em nós, mas não as percebemos. A vida animalizada que levamos ofusca o
brilho da luz íntima que somos nós mesmos. Vivemos como que perdidos,
insulados, ignorando-nos a nós próprios. Encontrarmo-nos e nos
reconhecermos como realmente somos — eis a felicidade. Fugirmos da espiritualidade
é fugirmos de nós mesmos. Querendo fruir prazeres sensuais, adulteramos a nossa
natureza íntima, resvalando para o abismo da irracionalidade. Desse
desvirtuamento vem a dor, dor que nos chama à realidade da vida e nos conduz à
felicidade.
A alegria de viver é a consequência natural de um certo
estado de alma, e significa viver profundamente.
"Eu vim para terdes vida e vida em
abundância". A verdadeira vida é sempre cheia de alegria; é
um dia sem declínio, um sol sem ocaso. O céu é a região da luz perpétua. A ele
não iremos pela estrada ensombrada de tristezas, luto e melancolia. O caminho
que conduz à felicidade, resolvendo os problemas da vida, é estreito: não é escuro, nem
sombrio. Estreito, no caso, significa difícil, mas não lúgubre.
A alegria de viver nasce do optimismo, o optimismo
nasce da fé. Sem fé ninguém pode ser feliz. Sem fé e sem amor não há
felicidade.
As virtudes são as suas ajudas. Haverá felicidade maior que
nos sentirmos viver no coração de outrem? "Pai, quero que eles (os
discípulos) sejam um em mim, como eu sou um contigo." A fusão de nossa
vida em outra vida é a máxima expressão da ventura. O egoísmo é o seu grande
inimigo. Alijá-lo de nós é dar o primeiro passo na senda da felicidade.
Sendo a felicidade resultante de uma série de conquistas, é,
por isso mesmo, obra de educação. Através da
auto-educação de nosso Espírito, lograremos paulatinamente a felicidade
verdadeira. O reino de Deus — que é o do amor, da justiça e da
liberdade — está dentro de nós, disse Jesus com o peso de sua
autoridade. Descobri-lo, torná-lo efectivo, firmar em nós o império desse
reino, vencendo os obstáculos e os embaraços que se lhe opõem — tal é a
felicidade.
Para finalizar, concedamos a palavra a Léon Denis, o grande
apóstolo da Nova Revelação:
Como a educação da alma é o senso da vida, importa resumir os seus preceitos em palavras: Aumentar tudo quanto for intelectual e elevado. Lutar, combater, sofrer pelo bem dos homens e dos mundos. Iniciar os seus semelhantes nos esplendores do verdadeiro e do belo. Amar a verdade e a justiça praticar para com todos a caridade, a benevolência tal é o segredo da FELICIDADE, tal é o Dever, tal é a Religião que o Cristo legou à Humanidade.
/...
" Aos que comigo crêem e sentem as revelações do
Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra. "
Pedro de Camargo “Vinícius”
Pedro de Camargo “Vinícius” (i), Em
torno do Mestre, Primeira Parte / Seixos e Gravetos; Paciência
não se perde / Felicidade, 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Jesus em casa de
Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), de Johannes Vermeer)