Natureza da Revelação Espírita (VII)
Pelas relações que o homem pode agora
estabelecer com os que deixaram a Terra, tem não só a prova material da
existência e da individualidade da alma, como compreende a solidariedade que
liga os vivos e os mortos deste mundo e os deste mundo com os dos outros
mundos. Conhece a situação deles no mundo dos Espíritos; segue-os nas suas
migrações; é testemunha das suas alegrias e dos seus desgostos; sabe porque
estão felizes ou infelizes e a sorte que o espera a ele consoante o bem
ou o mal que faça. Estas ligações iniciam-no na vida futura que pode
observar em todas as fases, em todas as suas peripécias; o futuro já não é uma
esperança vaga: é um facto positivo, uma certeza matemática. Então,
a morte já nada tem de assustador, pois é para ele a libertação, a porta da
verdadeira vida.
Através do estudo da situação dos Espíritos, o
homem sabe que a felicidade e a infelicidade na vida espiritual são inerentes
ao grau de perfeição e de imperfeição; que cada qual sofre as
consequências directas e naturais dos seus erros: dito de outro modo, que é
castigado por aquilo em que pecou; que as suas consequências duram
tanto tempo como a causa que os produziu; que, assim, o culpado sofreria
eternamente se persistisse eternamente no mal, mas que o sofrimento termina com
o arrependimento e a reparação; ora, como depende de cada um melhorar, cada um
pode, graças ao seu livre-arbítrio, prolongar ou abreviar os seus sofrimentos,
tal como o doente sofre durante o tempo que levar até pôr um fim aos seus
excessos.
Se a razão afasta, como incompatível com a
bondade de Deus, a ideia dos castigos irremissíveis, perpétuos e
absolutos, muitas vezes infligidos devido a um só erro, suplícios do Inferno que
não podem suavizar o arrependimento mais ardente e mais sincero, ela
inclina-se perante esta justiça distributiva e imparcial, que toma tudo em
consideração, que nunca fecha a porta ao regresso e que estende constantemente
a mão ao náufrago, em vez de o empurrar para o abismo.
A pluralidade das existências, de que Cristo enunciou o princípio
no Evangelho mas sem o definir mais que muitos outros, é uma das leis
mais importantes reveladas pelo Espiritismo, no sentido em que
demonstra a realidade e a sua necessidade para a evolução. Por esta lei, o
homem explica todas as anomalias aparentes que a
vida humana apresenta; as diferenças de posição social, os mortos
prematuros que, sem a reencarnação, tornariam inúteis para as almas
as vidas abreviadas; a desigualdade das aptidões intelectuais e morais,
pela antiguidade do espírito que aprendeu mais ou menos e progrediu e que traz
ao renascer o saber adquirido nas suas existências anteriores. (Ver o ponto 5
deste capítulo).
Com a doutrina da criação da alma, a
cada nascimento, voltamos a cair na teoria das criações privilegiadas; os
homens são estranhos uns aos outros, nada os une, os laços de família são
puramente carnais: não são de maneira nenhuma solidários com um passado onde
não existiam; com a ideia do nada depois da morte, toda a relação cessa com a
vida; não são solidários com o futuro. Com a reencarnação, são solidários com o
passado e com o futuro; perpetuando-se as suas relações no mundo espiritual e
no mundo corporal, a fraternidade tem por base as próprias bases da
natureza; o bem tem uma finalidade e o mal as suas consequências inevitáveis.
Com a reencarnação caem todos os preconceitos de
raças e de castas, uma vez que o mesmo Espírito pode renascer rico ou pobre,
fidalgo ou proletário, patrão ou subordinado, livre ou escravo, homem ou
mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da
escravatura, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, não existe
nenhum que supere em lógica o facto material da reencarnação. Portanto, se
a reencarnação funda sobre uma lei da natureza o princípio da fraternidade
universal, funda sobre a mesma lei o da igualdade de direitos sociais e,
por consequência, o da liberdade.
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ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o
Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 31
a 36 (VII), 9º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel
Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e
os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)