Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 17 de março de 2024

Hippolyte Léon Denisard Rivail


Pneumatografia ou Escrita Directa ~

   A pneumatografia é a escrita produzida directamente pelo Espírito, sem nenhum intermediário; difere da psicografia, por ser esta a transmissão do pensamento do Espírito, mediante a escrita feita com a mão do médium. Demos estas duas palavras no Vocabulário Espírita, no início de nossa Instrução Prática, com a indicação da sua diferença etimológica. Psicografia, do grego psykê, borboleta, alma; e graphus, eu escrevo; Pneumatografia, de pneuma, ar, sopro, vento, Espírito. No médium escrevente a mão é um instrumento, mas é a sua alma, ou Espírito encarnado, o intermediário, o agente ou o intérprete do Espírito estranho que se comunica; na Pneumatografia, é o próprio Espírito estranho que escreve directamente, sem intermediário.

   O fenómeno da escrita directa é, inegavelmente, um dos mais extraordinários do Espiritismo. Por anormal que pareça à primeira vista, é hoje um facto verificado e incontestável. Se dele ainda não falámos, é porque esperávamos poder dar-lhe a explicação e já ter procedido às observações necessárias, a fim de tratar a questão com conhecimento de causa. A teoria, sempre necessária para nos inteirarmos da possibilidade dos fenómenos espíritas em geral, talvez ainda se torne mais necessária neste caso que, sem contestação, é um dos mais estranhos que se possam apresentar; deixa, porém, de parecer sobrenatural, desde que se lhe compreenda o princípio.

   Da primeira vez que este fenómeno se produziu, deixou um sentimento dominante de dúvida. Logo acudiu aos que o presenciaram a ideia de um embuste. Toda a gente, com efeito, conhece a acção das tintas chamadas simpáticas, cujos traços, a princípio completamente invisíveis, aparecem ao fim de algum tempo. Podia, pois, dar-se o caso que tivessem, por esse meio, abusado da credulidade dos assistentes, e longe nos acharmos de afirmar que nunca o tenham feito. Estamos até convencidos de que algumas pessoas, não com propósitos mercenários, mas tão-só por amor-próprio e para fazer acreditar nas suas faculdades, hão empregado subterfúgios.

   Na terceira das cartas escritas de MontaigneJ.-J. Rousseau refere o seguinte facto: “Em 1743 vi em Veneza uma nova espécie de sortilégio, mais estranho que os de Préneste; quem o quisesse consultar entrava numa câmara, ali permanecendo sozinho, caso o desejasse. De um livro de folhas brancas tirava uma de sua escolha; depois, segurando essa folha, pedia mentalmente, e não em voz alta, aquilo que desejava saber; em seguida, dobrava a folha branca, depositava-a num envelope, lacrava-o e o colocava, assim fechado, dentro de um livro. Finalmente e sem perder de vista o livro, depois de haver recitado algumas fórmulas muito extravagantes, verificava se o selo não tinha sido violado, abria o envelope, retirava a folha e encontrava nela escrita a resposta. O mágico que fazia estas sortes era o primeiro secretário da Embaixada da França e chamava-se J.-J. Rousseau.”

   Duvidamos que Rousseau tenha conhecido a escrita directa, pois, de contrário, teria sabido outras coisas relativas às manifestações espíritas e não teria tratado do assunto com tanta leviandade. Como ele próprio reconheceu quando o inquirimos (ii) sobre este facto, é provável que se utilizasse de um processo que aprendera de um charlatão italiano.

   Entretanto, pelo facto de se poder imitar uma coisa, fora absurdo concluir-se pela sua inexistência. Nestes últimos tempos, não se há encontrado meio de imitar a lucidez sonambúlica, ao ponto de causar ilusão? Mas, porque este processo de saltimbanco se tenha exibido em todas as feiras, dever-se-á concluir que não haja verdadeiros sonâmbulos? Só porque certos comerciantes vendem vinho falsificado, será razão para que não haja vinho puro? O mesmo sucede com a escrita directa. Muito simples e fáceis eram, aliás, as precauções a serem tomadas para garantir a veracidade deste facto e, graças a estas precauções, hoje ele já não pode ser objecto da mais pequena dúvida.

   Considerando-se que a possibilidade de escrever sem intermediário representa um dos atributos do Espírito; uma vez que os Espíritos sempre existiram desde todos os tempos e que desde todos os tempos se hão produzido os diversos fenómenos que conhecemos, o da escrita directa igualmente se há de ter operado na Antiguidade, tanto quanto nos dias actuais. É deste modo que se pode explicar o aparecimento das três palavras célebres, na sala do festim de Baltazar. A Idade Média, tão fecunda em prodígios ocultos, mas que eram abafados por meio das fogueiras, também deve ter conhecido a escrita directa; igualmente é possível que, na teoria das modificações por que podem os Espíritos fazer passar a matéria, teoria que desenvolvemos no nosso artigo anterior, se encontre o fundamento da crença na transmutação dos metais. É um ponto que abordaremos mais tarde.

   Um dos nossos assinantes dizia-nos ultimamente que um seu tio, cónego, que durante muitos anos havia sido missionário no Paraguai, obtinha, por volta do ano 1800, a escrita directa, juntamente com o seu amigo, o célebre Abade Faria. O seu processo, que o nosso assinante nunca chegou a conhecer bem, e que de alguma sorte surpreendera casualmente, consistia numa série de anéis pendurados, aos quais eram adaptados lápis, dispostos em posição vertical, cujas pontas se apoiavam em papel. Esse processo reflectia a infância da arte, progredimos depois.

   Todavia, quaisquer que tenham sido os resultados obtidos nas diversas épocas, só depois de vulgarizadas as manifestações espíritas é que se tomou a sério a questão da escrita directa. Ao que parece, o primeiro a torná-la conhecida, nestes últimos anos, foi o Barão de Guldenstubbé, em Paris, que publicou sobre o assunto uma obra muito interessante, com grande número de fac-símiles das escritas que obteve (iii). O fenómeno já era conhecido na América, havia algum tempo. A posição social do Sr. Guldenstubbé, a sua independência, a consideração de que goza nas mais elevadas rodas afastam incontestavelmente toda a suspeita de fraude intencional, porquanto não havia nenhum motivo de interesse a que ele obedecesse. Quanto muito, o que se poderia supor, é que fora vítima de uma ilusão; a isto, porém, um facto responde peremptoriamente: o de haverem outras pessoas obtido o mesmo fenómeno, cercadas de todas as precauções necessárias para evitar qualquer embuste e qualquer causa de erro.

   A escrita directa é obtida, como em geral a maior parte das manifestações espíritas não espontâneas, por meio da concentração, da prece e da evocação. Tem-se produzido em igrejas, sobre túmulos, no pedestal de estátuas, ou imagens de personagens evocadas. Evidentemente, o local não exerce nenhuma outra influência, além da de facultar maior recolhimento espiritual e maior concentração dos pensamentos, porquanto está provado que o fenómeno se obtém, igualmente, sem estes acessórios e nos lugares mais comuns, sobre um simples móvel caseiro, desde que os que o desejam obter se encontrem nas devidas condições morais e, entre estes, se encontre quem possua a necessária faculdade mediúnica.

   Julgou-se, a princípio, ser preciso colocar aqui ou ali um lápis com o papel. O facto então podia, até certo ponto, explicar-se. É sabido que os Espíritos produzem o movimento e a deslocação dos objectos; que, algumas vezes, os tomam e atiram longe. Bem podiam, pois, pegar também os lápis e servir-se deles para desenhar letras. Visto que o impulsionam, utilizando-se da mão do médium, de uma prancheta, etc., podiam, do mesmo modo, impulsioná-lo directamente. Porém, não tardou, que se reconhecesse que o lápis era dispensável, que bastava um pedaço de papel, dobrado ou não, para que, ao fim de alguns minutos, se encontrassem nele grafadas as letras. Aqui, o fenómeno já muda completamente de aspecto e transporta-nos a uma ordem inteiramente nova das coisas. As letras hão de ter sido traçadas com uma substância qualquer. Ora, sendo certo que ninguém forneceu ao Espírito essa substância, segue-se que a produziu ele próprio. De onde a tirou? Esse é o problema.

   O general russo, conde de B... mostrou-nos uma estrofe de dez versos alemães obtida desta maneira por intermédio da irmã do Barão de Guldenstubbé, simplesmente colocando uma folha de papel, arrancada de sua própria caderneta, debaixo do pedestal do relógio da chaminé. Tendo-a retirado, ao fim de alguns minutos, nela encontrou versos em caracteres tipográficos alemães muito finos e de perfeita pureza. Através de um médium psicógrafo o Espírito disse-lhe que queimasse esse papel; como hesitasse, lamentando sacrificar um espécimen tão precioso, o Espírito acrescentou: “Nada temais; dar-te-ei um outro”. Com essa garantia, assentiu queimar o papel, colocou depois uma segunda folha, igualmente tirada de sua carteira, sobre a qual os versos se reproduziram, exactamente da mesma maneira. E foi essa segunda edição que vimos e examinamos com o maior cuidado e, coisa bizarra, os caracteres apresentavam um relevo como se tivessem saído do prelo. Não é, pois, apenas o lápis que os Espíritos podem criar, mas também a tinta e os caracteres de imprensa.

   Um dos nossos honrados colegas da Sociedade, o Sr. Didier obteve há alguns dias os resultados seguintes, que tivemos oportunidade de constatar, e cuja autenticidade podemos garantir. Tendo ido à igreja de Nossa Senhora das Vitórias, com a Sra. Huet, que há pouco tempo teve sucesso em experiências deste género, pegou uma folha de papel de carta com o timbre de sua casa comercial, dobrou-a em quatro e a colocou sobre os degraus de um altar, rogando, em nome de Deus, que um Espírito bom se dignasse escrever alguma coisa. Ao fim de dez minutos de recolhimento encontrou no interior e numa das partes dobradas da folha a palavra fé e num dos outros campos a palavra Deus. A seguir, tendo pedido ao Espírito que dissesse quem havia escrito aquilo, recolocou o papel no mesmo lugar e, dez minutos depois, encontrou estas palavras: por Fénelon.

   Oito dias depois, a 12 de Julho, quis repetir a experiência e dirigiu-se ao Louvre, à sala Coyzevox, situada sob o pavilhão do relógio. Sobre a base do busto de Bossuet pôs uma folha de papel, dobrada como a primeira, mas nada obteve. Acompanhava-o um menino de cinco anos e o seu boné foi deixado no pedestal da estátua de Luís XIV, que se encontrava a alguns passos da primeira. Julgando que a experiência houvesse falhado, já se dispunha a sair quando, ao apanhar o boné, percebeu debaixo deste, como se fora escrito a lápis sobre o mármore, a expressão amai a Deus, seguida da letra B. O primeiro pensamento que veio à mente dos assistentes foi o de que tais palavras poderiam ter sido escritas anteriormente por mãos estranhas, que não foram percebidas. Entretanto, quiseram tentar a prova novamente, recolocando a folha dobrada em cima dessas palavras, cobrindo-as com o boné. Decorridos alguns minutos perceberam que a folha continha três letras: a i m. Repuseram o papel e pediram que fossem os escritos completados e obtiveram: Amai a Deus, isto é, aquilo que fora escrito no mármore, menos o B. Ficava assim evidente que as primeiras letras traçadas resultavam de escrita directa. Ressaltava, ainda, este facto curioso: as letras foram grafadas sucessivamente e não de uma vez; quando da primeira inspecção, não houvera tempo de concluir as palavras. Saindo do Louvre, o Sr. D... dirigiu-se à igreja de Saint-Germain l'Auxerrois onde obteve, pelo mesmo processo, as palavras: Sede humildesFénelon, escritas de maneira muito clara e muito legível. Estas palavras ainda podem ser vistas no mármore da estátua a que nos referimos.

   A substância de que são feitos estes caracteres tem toda a aparência da grafite do lápis e é facilmente apagada com a borracha. Examinámo-la ao microscópio e constatamos que não é incorporada no papel, mas simplesmente depositada na superfície, de maneira irregular, sobre as suas asperezas, formando arborescências muito semelhantes às de certas cristalizações. A parte apagada pela borracha deixa à mostra as camadas de matéria negra introduzida nas pequenas cavidades das rugosidades do papel. Destacadas e retiradas com cuidado, essas camadas são a própria matéria que se produz durante a operação. Lamentamos que a pequena quantidade recolhida não nos tenha permitido fazer a sua análise química; mas não perdemos a esperança de o conseguir mais tarde.

   Quem quiser reportar-se às explicações que foram dadas no nosso artigo anterior encontrará completa a teoria do fenómeno. Para escrever desta maneira, o Espírito não se serve das nossas substâncias, nem dos nossos instrumentos. Ele próprio fabrica a matéria e os instrumentos de que há mister, tirando, para isso, os materiais preciosos, do elemento primitivo universal que, pela acção de sua vontade, sofre as modificações necessárias à produção do efeito desejado. É-lhe possível, portanto, fabricar tanto o lápis vermelho, a tinta de imprimir, a tinta comum, como o lápis preto, ou, até, caracteres tipográficos bastante resistentes para darem relevo à escrita.

   Tal o resultado a que nos conduziu o fenómeno da tabaqueira, descrito no nosso número anterior, e sobre o qual nos estendemos longamente, porque nele percebermos oportunidade para perscrutarmos uma das importantes leis do Espiritismo, lei cujo conhecimento pode esclarecer mais de um mistério, mesmo do mundo visível. Assim é que, de um facto aparentemente vulgar, pode sair a luz. Tudo está em observar com cuidado e isso todos podem fazer como nós, desde que se não limitem a observar efeitos, sem lhes procurarem as causas. Se a nossa fé se fortalece dia a dia, é porque compreendemos. Tratai, pois, de compreender, se quiserdes fazer prosélitos sérios. Ainda outro resultado decorre da compreensão das causas: o de deixar traçada uma linha divisória entre a verdade e a superstição.

   Considerando a escrita directa do ponto de vista das vantagens que possa oferecer, diremos que, até ao presente, a sua principal utilidade há consistido na comprovação material de um facto sério: a intervenção de um poder oculto que, neste fenómeno, tem mais um meio de se manifestar. Todavia, raramente são extensas as comunicações que por essa forma se obtêm. Em geral espontâneas, elas se reduzem a algumas palavras ou proposições e, às vezes, a sinais ininteligíveis. Têm sido dadas em todas as línguas: em grego, em latim, em sírio, em caracteres hieroglíficos, etc., mas ainda se não prestaram às dissertações seguidas e rápidas, como permite a psicografia ou a escrita pela mão do médium (iv).


JEAN-JACQUES ROUSSEAU

(Médium: Sra. Costel / Agosto de 1861)

Nota – A médium encontrava-se ocupada com assuntos alheios ao Espiritismo; dispunha-se a escrever sobre assuntos pessoais, quando uma força invisível a compeliu a dissertar o que se segue, não obstante o seu desejo de continuar o trabalho começado. É o que explica o início da comunicação:

   “Eis-me aqui, embora não me tivesses chamado. Venho falar-te de coisas muito estranhas às tuas preocupações. Sou o Espírito de Jean-Jacques Rousseau. Há muito tempo que esperava a ocasião de me comunicar contigo. Escuta, pois.

   “Penso que o Espiritismo é um estudo puramente filosófico das causas secretas dos movimentos interiores da alma, pouco ou nada definidos até agora. Ele explica, mais ainda do que descobre, horizontes novos. A reencarnação e as provas sofridas antes de atingir o fim supremo não são revelações, mas uma confirmação importante. Estou comovido pelas verdades que este meio põe à luz. Digo meio com intenção, porque, a meu ver, o Espiritismo é uma alavanca que afasta as barreiras da cegueira. A preocupação com as questões morais está inteiramente por nascer. Discute-se a política que move os interesses morais; discutem-se os interesses privados; apaixona-se pelo ataque ou pela defesa das personalidades; os sistemas têm partidários e detractores, mas as verdades morais, que são o pão da alma, o alimento da vida, são deixadas na poeira acumulada pelos séculos. Todos os aperfeiçoamentos são úteis aos olhos da multidão, salvo os da alma. A sua educação, a sua elevação são quimeras, boas só para deleitarem os sacerdotes, os poetas, as mulheres, seja como modo, seja como ensinamento.

   “Se o Espiritismo ressuscitar o Espiritualismo, devolverá à Sociedade o impulso que a uns dá a dignidade interior, a outros resignação e a todos a necessidade de se elevarem para o Ser Supremo, esquecido e desprezado pelas suas ingratas criaturas.

                                                                                          Jean-Jacques Rousseau"

/…

(ii) Por mediunidade. Adenda desta publicação.
(iii) La realité des Esprits et de leurs manifestations, démontrée par le phenomène de l`écriture directe, pelo barão de Guldenstubbé, 1 vol. in-8o, com 15 estampas e 93 fac-símiles. Preço 8 fr. Casa Frank, rua Richelieu. Encontra-se também nas Casas Dentu e Ledoyen.
(iv) N. do T.: Vide O Livro dos Médiuns, Segunda Parte, capítulo XII.


Allan Kardec (i), aliás, Hippolyte Léon Denisard Rivail, Pneumatografia ou Escrita Directa, Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos / Agosto de 1859; – Jean-Jacques Rousseau, Dissertações e ensinos espíritas / Médium: Sra. Costel / Agosto de 1861, 19ºs fragmentos da Revista objecto do presente titulo desta publicação.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

metapsíquica | e depois


~~~ Prólogo ~~~

(A Crise da Morte)

Conforme já tive oportunidade de dizer muitas vezes, desde há alguns anos que me consagro ao exame dos principais apanhados de revelações transcendentais, aplicando-lhes os processos de análise comparada e obtendo resultados tão inesperados quão importantes. As pesquisas que empreendi fazem emergir a prova de que as numerosíssimas informações obtidas mediunicamente, a respeito do meio espiritual, concordam admiravelmente entre si, no que concerne às indicações de natureza geral, que, aliás, são as únicas necessárias para que se conclua a favor da origem das revelações de que se trata, origem que se manifesta estranha aos médiuns, pelos quais tais revelações se obtêm.

Com efeito, os desacordos aparentes, de natureza secundária, que se notam nessas revelações, provêm evidentemente de causas múltiplas, que são fáceis de ser apreendidas e são inteiramente justificáveis. Acrescentarei, a este propósito, que algumas categorias desses supostos desacordos contribuem eficazmente para nos dar uma visão nítida e sintética dos modos pelos quais se desenvolve a existência espiritual, pois que parecem determinados pelas condições psíquicas especiais de cada personalidade de defunto que se comunica.

Creio mesmo ser necessário insistir sobre o facto de que, se persisto em me ocupar com um tema condenado ao ostracismo pela Ciência, é que, graças às minhas laboriosas investigações, adquiri a certeza de que, em futuro não distante, a secção metapsíquica das revelações transcendentais alcançará grande valor científico e, por conseguinte, constituirá o ramo mais importante das disciplinas metapsíquicas. Que importa, pois, seja esse ramo actualmente repudiado pelos metapsiquistas de orientação rigorosamente científica e totalmente desprezado por grande parte dos próprios espíritas, entre os quais eu mesmo me encontrava, não há mais de três anos?

Reconheço que não podia ser de outra maneira, porque é conforme à evolução mental nas pesquisas metapsíquicas; que o investigador comece por se ocupar com as manifestações supranormais de natureza especialmente física, para depois cogitar das manifestações de natureza especialmente inteligente, contendo indicações verificáveis de identificação pessoal dos defuntos. Segue-se que, só quando se haja chegado à certeza científica, com relação à origem espírita da parte mais interessante dos fenómenos metapsíquicos, se compreenderá o grande valor científico, moral, social, das revelações transcendentais estudadas sistematicamente. Elas então se elevarão rapidamente ao lugar de honra, na classificação das manifestações metapsíquicas. A alvorada desse dia ainda não despontou. Mas, isso não impede que um pesquisador insulado possa adiantar-se à sua época, de maneira a formar para si uma opinião precisa a tal respeito, fundando-se nos factos coleccionados. Nestas circunstâncias, esse pesquisador está obrigado, em consciência e para o bem de toda a gente, a ter a coragem da sua opinião, embora os tempos ainda não amadurecidos o exponham a críticas mais ou menos severas. Ora, eu me sinta com essa coragem: mudei de parecer, relativamente ao valor teórico das colecções de revelações transcendentais e, não hesito um só instante em declará-lo.

A isso, aliás, me vejo animado pelo exemplo de alguns pesquisadores eminentes, que não vacilaram em publicar declarações análogas. Eis como a propósito se exprime o professor Oliver Lodge:

Estas revelações são ditas inverificáveis, por não ser possível fazerem-se pesquisas para se verificar o que elas afirmam, como se faz para a verificação das informações concernentes a negócios pessoais, ou acontecimentos mundanos... De todas as formas, sou levado a crer, da mesma maneira que outros pesquisadores cujo número é cada vez maior, que vem próximo o tempo em que se deverá recolher sistematicamente e discutir o material metapsíquico de natureza inverificável, material que se presta a ser examinado e analisado com fundamento na sua consistência intrínseca, que lhe confere um grau notável de probabilidade, da mesma forma que as narrações dos exploradores africanos se prestam a ser analisadas e verificadas, com fundamento nas suas concordâncias...

Lembrarei que, do ponto de vista filosófico, se tem notado que tudo contribui para dar a supor que, em última análise, a prova real da sobrevivência dependerá do estudo e da comparação dessas narrações de exploradores espirituais, mais do que das provas resultantes das informações pessoais fornecidas acerca de acontecimentos do passado, relativamente aos quais — enquanto não se chegar a penetrar fundo na natureza da memória — será sempre possível conjecturar que todo o passado é potencialmente acessível às faculdades supranormais da consciência humana... embora eu não considere racional a hipótese de uma memória impessoal... (Raymond, págs. 347-348)

O professor Hyslop, a propósito da publicação de duas colecções de revelações sobre o Além, ponderou, a seu turno:

Nada há de impossível nas informações que essas mensagens contêm... A maioria das pessoas ridiculariza o conceito de um meio espiritual tal como o que se desenha nas revelações; porém, esses senhores, que gastam o ridículo com tanta leviandade, não se lembram de que, assim fazendo, supõem conhecer toda a verdade a respeito do mundo espiritual... Não me pronuncio nem por um lado, nem pelo outro, mas declaro não ter objecção alguma a opor à existência de um meio espiritual, como o que se nos descreve, ainda que devesse parecer mais absurdo do que o nosso meio terrestre. Não chego a compreender por que se exige que o mundo espiritual seja mais ideal do que o nosso. Os dois mundos são obra do mesmo Autor, quer este se chame Matéria, ou Deus. Ninguém o pode afirmar ou negar a priori. O facto de negar ou de lançar no ridículo as revelações transcendentais equivale a pretender conhecer, de modo certo, o mundo espiritual, o que constitui presunção indigna de um céptico que raciocine...

Em suma, os livros desta espécie são importantes, pois que nos dão uma primeira ideia sobre o mundo espiritual, oferecendo-nos assim oportunidade de comparar os detalhes contidos nas diferentes revelações obtidas... Ora, no nosso caso, comprova-se que as informações, que nos são transmitidas nessas mensagens pelas personalidades que se comunicam, concordam com outras que nos vêm por intermédio de médiuns que não eram religiosos e não tinham a crença e a inteligência deste médium… (American Journal of the S. P. R., 1913, págs. 235-237)

Acrescentarei que há um meio de se verificarem as afirmações concernentes à existência espiritual, com exclusão da prova Indirecta fornecida pela identificação pessoal do Espírito que se comunica. Esse meio consiste em experimentar com um número suficiente de médiuns, para comparar em seguida os resultados, depois de se haverem recolhido as informações necessárias sobre a instrução especial de cada um deles a respeito. Se se chegasse a comprovar que um dos médiuns empregados ignorava absolutamente as teorias espíritas (o que excluiria a hipótese de uma colaboração subconsciente), seria conveniente experimentar com outros médiuns, para se obterem Informações sobre o mesmo assunto; e assim por diante, sem que se estabelecessem relações entre eles. É evidente que, nessas condições, uma concordância de informações fundamentais, repetindo-se com uma centena de indivíduos diferentes, teria valor bastante grande a favor da demonstração da existência real de um mundo espiritual análogo ao que fora revelado. (Ibid., 1914, págs. 462-463.)

Tal a opinião de dois sábios muito distintos, acerca do valor teórico das colecções de revelações transcendentais. Observarei que o método de pesquisa proposto pelo professor Hyslop é, em suma, o que adoptei. Ele, com efeito, propõe se experimente com grande número de médiuns, que não conheçam a doutrina espírita, a fim de se compararem em seguida os resultados. A coisa é teoricamente possível, mas de realização difícil, porque é raro que um só pesquisador chegue a encontrar numerosos médiuns, de maneira a poder levar a efeito uma empresa formidável como esta. O mais prático era, pois, aproveitar o material imenso que se acumulou nestes últimos anos, relativamente às revelações transcendentais, para empreender uma selecção severa de todas as peças, classificando-as, analisando-as, comparando-as, tendo o cuidado de colher informações sobre os conhecimentos especiais de cada médium, no tocante à doutrina espírita. Tal precisamente a tarefa a que me propus ao empreender as minhas pesquisas, às quais já consagrei dois anos de trabalho, chegando a descartar cerca de metade do material reunido. Porém, como notasse que o material classificado e comentado assumia proporções tais que impediriam a sua publicação em volume, julguei oportuno suspender temporariamente as pesquisas, para consagrar algumas monografias de ensaios aos resultados já obtidos. A que se segue é a primeira que me disponho a publicar.

Começo por inserir um número suficiente de revelações transcendentais, referentes às impressões experimentadas, no momento da entrada, no mundo espiritual, pelas personalidades dos mortos que se comunicam. Declaro desde logo que esse grupo de narrações, embora teoricamente interessante e significativo, não é o mais eficaz para a demonstração da tese que sustento.

Ele, com efeito, refere-se aos episódios iniciais da existência extraterrestre, sobre os quais se exercem plenamente as consequências da lei de afinidade, pela qual cada Espírito desencarnado é levado necessariamente a gravitar para o estado espiritual que corresponde ao grau de sua evolução psíquica, alcançado em consequência da passagem pela existência na carne, o que não pode deixar de determinar diferenças sensíveis nas descrições que nos chegam dos mortos, acerca da entrada deles no mundo espiritual. De qualquer maneira, ver-se-á que esses desacordos se dão unicamente nos detalhes secundários, quer sejam pessoais, quer dependam do meio, nunca no que concerne às condições correspondentes, de ordem geral.

Antes de entrar no assunto de que vou tratar, cumpre-me fazer uma declaração, destinada a prevenir uma pergunta que os meus leitores poderiam formular. Refere-se a esta circunstância: todos os factos, que citarei, de defuntos que narram a sua entrada no meio espiritual, são tirados de colecções de revelações transcendentais publicadas na Inglaterra e nos Estados Unidos. Porquê? — perguntar-me-ão os leitores — esse exclusivismo puramente anglo-saxónio?

Responderei que por uma só razão, absolutamente peremptória: não há na França, na Alemanha, na Itália, em Espanha, em Portugal, colecções de revelações transcendentais sob a forma de tratados, ou de narrativas continuadas, orgânicas, divididas em capítulos, ditadas por uma só personalidade mediúnica e confirmadas por provas excelentes de identidade dos defuntos que se comunicaram. Nas poucas colecções que hão aparecido nas nações acima citadas — colecções constituídas de curtas mensagens — obtidas pelo sistema dos interrogatórios dirigidos a uma multidão de Espíritos, não se encontram episódios concernentes à crise da morte, se exceptuarmos o conhecido livro de Allan Kardec: O Céu e o Inferno, em que no qual se podem ler três ou quatro episódios desta espécie. Mas, se bem se encontrem neles algumas concordâncias fundamentais com as narrações dos outros Espíritos que se comunicam, esses episódios são de natureza muito vaga e geral, para poderem ser tomados em consideração, numa obra de análise comparada.

Em tais condições, é claro que, se os povos anglo-saxónicos são os únicos que, até hoje, hão mostrado saber apreciar o grande valor teórico e prático das revelações transcendentais, como são os únicos que a isso se consagraram, empregando métodos racionais, não me restava outra coisa senão tomar o material necessário onde o encontrava. E tanto mais razão havia para assim proceder, propondo-me a escrever toda uma série de monografias relativamente às concordâncias e aos desacordos que os processos de análise comparada fazem ressaltar das colecções de revelações transcendentais, quanto é certo que não podia deixar de começar pelo princípio, isto é, pelo que os mortos têm a dizer acerca da crise da morte.

Passemos agora à exposição dos casos. Citarei, antes de tudo, alguns episódios extraídos de obras dos primeiros pesquisadores, a fim de fazer ressaltar que, desde o começo do movimento espírita, se obtiveram mensagens mediúnicas em que a existência e o meio espirituais são descritos em termos idênticos aos das que se obtêm presentemente, se bem que a mentalidade dos médiuns fosse então dominada pelas concepções tradicionais referentes ao paraíso e ao inferno e, por conseguinte, pouco preparada para receber mensagens de defuntos, afirmando que o meio espiritual é o meio terrestre espiritualizado.

Primeiro Caso

Extraio este facto de uma obra intitulada: Letters and Tracts on Spiritualism, obra que contém os artigos e as monografias publicadas pelo juiz Edmonds, de 1854 a 1874. Sabe-se que Edmonds era um notável médium psicógrafo, falante e vidente. Alguns meses depois da morte acidental do seu confrade, o juiz Peckam a quem ele muito estimava, deu-se o caso de Edmonds escrever uma longa mensagem, em que o seu amigo morto referia as circunstâncias de sua morte. As passagens seguintes são tiradas da mensagem em questão:

Se houvera podido escolher a maneira de desencarnar, certamente não teria preferido a que o destino me impôs. Todavia, presentemente não me queixo do que me aconteceu, dada a natureza maravilhosa da nova existência que se abriu subitamente diante de mim.

No momento da morte, revi, como em panorama, os acontecimentos de toda a minha existência. Todas as cenas, todas as acções que eu praticara passaram perante o meu olhar, como se se houvessem gravado na minha mentalidade, em fórmulas luminosas. Nem um só dos meus amigos, desde a minha infância até à morte, faltou à chamada. Na ocasião em que mergulhei no mar, tendo nos braços a minha mulher, me apareceram o meu pai e a minha mãe e foi esta quem me tirou da água, mostrando uma energia cuja natureza só agora compreendo. Não me lembro de ter sofrido. Quando imergi nas águas, não experimentei sensação alguma de medo, nem mesmo de frio, ou de asfixia. Não me recordo de ter ouvido o barulho das ondas a quebrarem-se sobre as nossas cabeças. Desprendi-me do corpo quase sem me aperceber disso e, abraçado sempre à minha mulher, segui a minha mãe, que viera para nos acolher e guiar.

O primeiro sentimento penoso só me assaltou quando dirigi o pensamento para o meu caro irmão; porém, a minha mãe, percebendo-me a inquietação, logo ponderou: O teu irmão também não tardará a estar connosco: A partir desse momento, todo o sentimento penoso desapareceu do meu espírito. Pensava na cena dramática que acabara de viver, unicamente com o fito de levar socorro aos meus companheiros de desgraça. Logo, entretanto, vi que estavam salvos das águas, do mesmo modo por que eu fora. Todos os objectos me pareciam tão reais à volta de mim que, se não fosse a presença de tantas pessoas que sabia mortas, teria corrido para junto dos náufragos.

Quis informar-te de tudo isso, a fim de que possas mandar uma palavra de consolação aos que imaginam que os que lhes são caros e que desapareceram comigo sofreram agonias terríveis, ao se verem presas da morte. Não há palavras que te possam descrever a felicidade que experimentei, quando vi que vinham ao meu encontro ora uma, ora outra das pessoas a quem mais amei na Terra e que todas acudiam a me dar as boas-vindas nas esferas dos imortais.

Não tendo estado doente e não tendo sofrido, fácil me foi adaptar-me imediatamente às novas condições de existência...

Com esta última observação, o Espírito alude a uma circunstância que concorda com as informações cumulativas, obtidas sobre o mesmo assunto, por grande número de outras personalidades mediúnicas, isto é, que só nos casos excepcionais de mortes imprevistas, sem sofrimentos e combinadas com estados serenos da alma, é possível ao Espírito atravessar a crise da desencarnação, sem haver necessidade de ficar submetido a um período mais ou menos longo de sono reparador. Ao contrário, nos casos de morte consecutiva a longa enfermidade, em idade avançada, ou com a inteligência absorvida por preocupações mundanas, ou oprimida pelo medo da morte, ou, ainda, apenas, mas firmemente, convencida da aniquilação final, os Espíritos estariam sujeitos a um período mais ou menos prolongado de inconsciência.

Ponderarei que estas observações já se referem a um desses detalhes secundários a que aludi no início e nos quais se notam desacordos aparentes, que, na realidade, se resumem em concordâncias reguladas por uma lei geral, que necessariamente se manifesta de maneiras muito diferentes, segundo a personalidade dos defuntos e as condições espirituais tão diversas em que se encontram no momento da desencarnação.

Cumpre-se atente, além disso, no detalhe interessante de dizer o morto ter tido, no momento da morte, a visão panorâmica de todos os acontecimentos de sua existência. Sabe-se que este fenómeno é familiar aos psicólogos; foi referido muitas vezes por pessoas salvas de naufrágios. (Publiquei a respeito uma longa monografia nesta mesma Revista, no decorrer dos anos de 1922-1923.) Ora, no caso relatado pelo juiz Edmonds, como em muitos outros casos do mesmo género, assistimos ao facto importante de um morto afirmar haver passado, a seu turno, pela experiência da visão panorâmica, de que falam os náufragos salvos da morte. Isto se torna teoricamente importante, desde que se tenha em mente que o juiz Edmonds não conhecia a existência dos fenómenos desta espécie, ignorados pelos psicólogos de sua época. Ele, pois, não podia auto-sugestionar-se nesse sentido, o que constitui boa prova a favor da origem, estranha ao médium, da mensagem de que se trata.

Notarei, finalmente, que neste episódio, ocorrido nos primeiros tempos das manifestações mediúnicas, já se observam muitos detalhes fundamentais, concernentes aos processos da desencarnação do Espírito, os quais serão depois constantemente confirmados, em todas as revelações do mesmo género. Assim, por exemplo, o detalhe de o Espírita não perceber, ou quase não perceber, que se separara do corpo e, ainda menos, que se encontra num meio espiritual. Também o outro detalhe de o Espírito se encontrar com uma forma humana e se ver cercado de um meio terrestre, ou quase terrestre, de pensar que se exprime de viva-voz como dantes e perceber, como antes, as palavras dos demais. Assinalemos ainda outro detalhe: o de encontrar o Espírito desencarnado, ao chegar ao limiar da nova existência, para o acolherem e guiarem, outros Espíritos de mortos, que são geralmente os seus parentes mais próximos, mas que também podem ser os seus mais caros amigos, ou os Espíritos-guias.

Detalhe fundamental também este que, com os outros, será confirmado por todas as revelações transcendentais sucessivas, até aos nossos dias, salvo sempre circunstâncias mais ou menos especiais de mortos moralmente inferiores e degradados, aos quais a inexorável lei de afinidade (lei físico-psíquica, irresistível no seu poder fatal de atracção dos semelhantes) prepararia condições de acolhimento espiritual muito diferentes das com que se depararam os Espíritos evolvidos.

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Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A Crise da Morte, Publicação original (1930), "La Crisi Della Morte"; Prólogo, Primeiro Caso. 1º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

as vidas sucessivas | os elementos ~


Experiências magnéticas 
– O sono magnético e o corpo fluídico ~

2) O corpo fluídico pode modelar-se sob a influência da vontade, assim como a argila se modifica sob as mãos do escultor

  Eis aí um facto habitual entre os ocultistas, ouvi dizer que, numa sessão, há quarenta anos, com um médium de Paris, célebre por suas materializações, se havia evocado Molière e, que se viu aparecer, entre as cortinas da cabina, primeiro um fantasma parecido com o médium e, a seguir, esse fantasma tomou pouco a pouco a aparência e as vestes da personagem evocada.

  Tendo eu lido que em muitas manifestações psíquicas se viam aparecer globos luminosos, perguntei-me se não seriam corpos fluídicos e, então realizei com a Sra. Lambert a seguinte experiência:

  Exteriorizei o seu corpo fluídico; em seguida ordenei-lhe que se curvasse como uma bola; apesar de sua resistência, determinei o fenómeno; ela se viu sob essa forma, o que constatei eu próprio por beliscadas no espaço. Recoloquei-a em seguida, por sugestão, na sua forma primitiva e pedi-lhe que voltasse dali a dois dias para nova sessão. No dia marcado, não a vendo, dirigi-me a sua casa e encontrei-a deitada, o corpo em arco; disse-me ela que não podia esticar-se e que isso muito a incomodava. Exteriorizei-lhe então novamente o seu corpo fluídico, endireitando-o por sugestão e, o fiz voltar ao estado normal; ela estava curada.

  Alguns meses mais tarde, fiz voltar ao meu gabinete a Sra. Lambert para mostrar as suas faculdades à Sra. d’Espérance, de passagem por Paris. Quando ao seu corpo fluídico foi exteriorizado, ordenei à Sra. Lambert que lhe desse a minha forma, o que ela fez, não sem resistência. Ela viu a transformação operar-se sobre o seu corpo fluídico e sobre a sua imagem reflectida num espelho. A Sra. d’Espérance, que é vidente, confirmou as palavras da Sra. Lambert, apesar de ignorar o francês, não compreender a nossa conversa. Aksakof assistiu à sessão.

  Repeti essa experiência, em 23 de novembro de 1903, em Voiron, com o Sr. Col..., patrão de Joséphine Louise. Eis a passagem do meu diário que se refere ao facto.

  “Louise diz que pode, mesmo acordada, exteriorizar à vontade o seu corpo astral e dar-lhe a forma que deseje. Pede-se-lhe que, sem que Joséphine o saiba, dê a minha forma ao seu corpo astral; em seguida ela é levada de volta ao quarto de Joséphine, a qual é colocada no estado em que consegue perceber os fluidos. Joséphine vê primeiro o corpo astral de Louise normal, depois nele vê, com espanto, crescerem bigode e barbicha; enfim diz rindo: “Mas é o coronel!”

  “Alguns momentos mais tarde, diz-se a Louise, sempre sem que Joséphine o saiba, para dar ao seu corpo astral a forma do filho do dono da casa, que ela conhece e que é alfaiate em Java, há dois anos. Joséphine, que nunca o viu, vê, no lugar onde Louise diz haver projectado o seu duplo, a imagem de um homem com bigode; diz já ter visto esse rosto em alguma parte, mas não sabe onde. Desperto-a depois de lhe ter dado a sugestão de se lembrar do rosto que viu e, são-lhe apresentadas diante de seus olhos vinte fotografias que ela não conhece. Quando avista a do filho de Col..., diz: “Este parece-se com quem eu vi, no entanto, a imagem que vi era bastante vaga.” É necessário ressaltar que Louise havia modelado o seu corpo astral de acordo com lembranças bastante longínquas.”

  Numa sessão realizada na Escola de Medicina de Grenoble, em 28 de março de 1904, na presença do Dr. Bordier, director da Escola, com Louise e Eugénie como médiuns, procurei reproduzir essa experiência.

  O Dr. Bordier indica apenas a Louise a personagem a apresentar. Era o Dr. Lépine, ausente da sessão e que Louise conhecia. Esta exteriorizou-se e, quando disse que havia dado ao seu corpo a forma desejada, interroguei Eugénie adormecida; respondeu-me que via um homem; procurou reconhecê-lo, depois disse: “É o homem que me fotografou.” Ora, isto havia se passado dois dias antes.

  Poder-se-ia encontrar nestes fenómenos a explicação de certas aparições que se produzem diante das jovens no momento da puberdade. Constatou-se, com efeito, que nesse momento o seu corpo astral se exterioriza espontaneamente! Elas percebem-no então sob uma forma vagamente humana e luminosa. Imbuídas de ideias religiosas, imaginam ver a Virgem Santa ou alguma outra santa cuja imagem as impressionou na sua igreja e dão, pelo pensamento, essa forma ao seu corpo astral, que chega mesmo a poder ser percebido por outros sensitivos.

3) O corpo astral é normalmente a reprodução exacta do corpo físico

  Numa sessão realizada no dia 1 de abril de 1904, na Escola de Medicina de Grenoble, com Eugénie, na presença do Dr. Bordier, exteriorizei o corpo fluídico da sensitiva. Quando o fantasma azul se formou à sua esquerda, ela o via, mas nós não experimentávamos nenhuma sensação ao tocá-lo. Eugénie, ao contrário, sentia os contactos, não apenas sobre a sua pele, como também no interior de seu corpo, quando as nossas mãos penetravam o seu duplo. O Dr. Bordier, tendo colocado sucessivamente e com precaução o seu dedo indicador em diferentes pontos do interior do duplo, perguntou a Eugénie em que ponto ela se sentia tocada. Eugénie, que tinha os olhos fechados, designou exactamente e, sem hesitação, os órgãos que o Dr. Bordier tinha a intenção de tocar, baseando-se nas suas posições respectivas.

  Encontrar-se-á no primeiro capítulo da terceira parte uma certa quantidade de documentos que mostram que a existência do corpo astral foi admitida em todos os tempos pelos filósofos e iniciados.

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Albert de RochasAs Vidas Sucessivas, Segunda Parte Experiências magnéticas Capítulo I O sono magnético e o corpo fluídico; 2) O corpo fluídico pode modelar-se sob a influência da vontade, assim como a argila se modifica sob as mãos do escultor; 3) O corpo astral é normalmente a reprodução exacta do corpo físico, 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Albert de Rochas d'Aiglun (1837-1914), engenheiro militar francês, historiador da ciência, pesquisador de fenómenos espíritas, escritor, tradutor e administrador da Escola Politécnica de Paris)

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

literatura do além-túmulo ~


Prefácio ~
(por Deolindo Amorim)

  O título desta obra sugere, a princípio, que a mesma trata de trabalho, como tantos outros, recebido do além; entretanto o que se encontra em Literatura de Além-túmulo é um estudo, bem documentado, acerca da produção literária que, através de inúmeros médiuns, nos tem chegado do mundo espiritual.

  Formulado sob a autoridade de um nome mundial, Ernesto Bozzano, este livro não se destina exclusivamente aos espíritas, porque a forte e abundante argumentação, que nele se condensa, pode enfrentar objecções de qualquer natureza, pois é uma obra que não teme a dialéctica nem o sofisma académico.

  Sabe-se muito bem que, em matéria de comunicações do além, há muita coisa que deve ser rejeitada, mas também se sabe que na literatura mediúnica se registam factos suficientemente comprovados.

  Ernesto Bozzano, homem de ciência, pesquisador frio e severo, é o primeiro a reconhecer que muitos ditados psicográficos não suportam crítica, nem mesmo superficial. O acatado mestre europeu entra no assunto com espírito de análise. Faz confrontos, apresenta factos, tira conclusões seguras e, por fim, sustenta a tese espírita com absoluta convicção à luz de documentação convincente. Não é por uma comunicação duvidosa que se julga todo o volumoso património da literatura mediúnica. Bozzano demonstra, logo de início, que há comunicações que realmente não passam de elaboração onírico-subconsciente, com personalizações sonambúlicas, diz ele, evidentemente grosseiras, mas é preciso que se saiba distinguir tais comunicações das importantes mensagens ou páginas literárias em que o médium não tem a menor participação intelectual.

  Muitos adversários do Espiritismo, sempre que se fala em comunicações do “outro mundo”, apelam para a hipótese do subconsciente. Fizeram do subconsciente uma porta de saída para todas as situações. Ernesto Bozzano cita, no entanto, casos em que de maneira alguma se poderia invocar a possibilidade de haver um médium armazenado no subconsciente certos conhecimentos revelados inesperadamente.

  Entre vários exemplos, para provar que a literatura do além é verdadeira, autêntica, incontestável, o autor introduziu no livro um facto curiosíssimo: uma senhora, que era médium, recebeu, em transe mediúnico, uma obra intitulada Evangelho suplementar. Nesse Evangelho, ditado na presença de pessoas de responsabilidade, inclusive o rev. John Lamond, há conhecimentos de história religiosa, de línguas antigas, etc., e a médium não tinha cultura de tais assuntos, segundo apurou o próprio rev. Lamond.

  Outro facto de que se ocupa, munido de documentos, é o do célebre romance A Cabana do Pai Tomás. Muita gente sabe que esse romance, aliás de fundo social, chegou a ser filmado e esteve durante muito tempo em cartaz nos nossos cinemas. Admitiu-se, depois, a possibilidade de haver sido essa obra, de tão grande influência na vida norte-americana, transmitida mediunicamente à sra. Harriet Beecher-Stowe. Lê-se em Literatura de Além-túmulo o trecho em que a escritora Beecher-Stowe confessa francamente: “Não fui eu quem a escreveu”, isto é, A Cabana do Pai Tomás. E acrescenta: “Deus a escreveu. Foi ele quem ma ditou”. Diante dessa afirmativa, Ernesto Bozzano inclina-se para a hipótese mediúnica.

  É um livro, portanto, de observações, factos e crítica. Aqueles que tiverem ocasião de ler Literatura de Além-túmulo, ainda que não entendam de Espiritismo, ficarão seguramente orientados para entrar no campo da produção mediúnica.

  É, finalmente, um livro que deve figurar em toda estante de obras espíritas.

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Ernesto Bozzano, Literatura de Além-túmulo, Prefácio por Deolindo Amorim, 1º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Les Fleurs du Lac_1900, tempera no painel de Edgard Maxence)

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*)
O espaço e o tempo ~

| Galileu, Espírito
(Études Uranographiques) (X)

Os desertos do espaço 🌈

  Um deserto imenso, sem fronteiras, estende-se para lá do aglomerado de estrelas de que acabámos de falar e envolve-o. Ermos se sucedem a ermos e as planícies incomensuráveis do vazio estendem-se ao longe. Encontrando-se os amontoados de matéria cósmica isolados no espaço como ilhas flutuantes de um imenso arquipélago, se quisermos apreciar de qualquer maneira a ideia da enorme distância que separa a pilha de estrelas de que fazemos parte das aglomerações mais próximas, é preciso sabermos que estas ilhas estelares estão disseminadas e são raras no vasto oceano dos céus e que a extensão que as separa umas das outras é incomparavelmente maior do que aquela que lhes mede as dimensões respectivas.

  Ora, lembramo-nos que a nebulosa estelar mede, em números redondos, mil vezes a distância das estrelas mais próximas tomada como unidade, quer dizer uns cem mil triliões de léguas. A distância que se estende entre elas, sendo muito mais vasta, não poderia ser expressa em números acessíveis ao entendimento do nosso espírito; só a imaginação nas suas mais elevadas concepções é capaz de ultrapassar esta imensidão prodigiosa, os seus ermos mudos e privados de qualquer aparência de vida e considerar de qualquer maneira a ideia desta infinidade relativa.

  No entanto, este deserto celeste que envolve o nosso Universo sideral e que parece estender-se como os confins longínquos do nosso mundo astral, é abarcado pela vista e pelo poder infinito do Altíssimo que, para lá destes céus dos nossos céus, desenvolveu a trama da sua Criação ilimitada.

  Para lá destas vastas solidões, com efeito, os mundos resplandecem na sua magnificência assim como nas regiões acessíveis às investigações humanas; para além destes desertos, vogam no límpido éter esplêndidos oásis e renovam constantemente as cenas admiráveis da existência e da vida. Ali, desenvolvem-se os longínquos agregados de substância cósmica que o olho profundo do telescópio entrevê através das regiões transparentes do nosso céu, essas nebulosas a que chamais irresolúveis e que vos aparecem como leves nuvens de poeira branca perdidas num ponto desconhecido do espaço etéreo. Ali, revelam-se e desenvolvem-se mundos novos cujas condições variadas e estranhas às que são inerentes ao vosso globo lhes dão uma vida que as vossas concepções não conseguem imaginar nem os vossos estudos constatar. É aí que resplandece em toda a sua plenitude o poder criador; para quem venha das regiões ocupadas pelo vosso sistema, ali estão em acção outras leis cujas forças regem as manifestações da vida e os caminhos novos que trilhamos nesses países estranhos abrem-nos perspectivas desconhecidas (**).

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(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.)

(**) Dá-se em astronomia o nome de nebulosas irresolúveis àquelas a que não foi ainda possível distinguir as estrelas que as compõem. Tinham sido consideradas primeiro como montes de matéria cósmica em vias de condensação para formar mundos, mas hoje pensa-se geralmente que esta aparência se deve ao afastamento e que com instrumentos suficientemente fortes todas seriam resolúveis.

Uma comparação familiar pode dar uma ideia, apesar de muito imperfeita, das nebulosas resolúveis: são os grupos de faíscas projectadas pelo fogo-de-artifício no momento da sua explosão. Cada uma das suas faíscas representará uma estrela e o conjunto será a nebulosa ou o grupo de estrelas reunidas num ponto do espaço e submetidas a uma lei comum de atracção e movimento. Vistas a uma certa distância, estas faíscas mal se distinguem e o seu grupo tem o aspecto de uma pequena nuvem de fumo. Esta comparação não seria exacta caso se tratasse de matéria cósmica condensada.

A nossa Via Láctea é uma dessas nebulosas; conta com cerca de trinta milhões de estrelas ou sóis que ocupam nada menos de algumas centenas de triliões de léguas de extensão e no entanto não é a maior. Suponhamos somente uma média de vinte planetas habitados circulando à volta de cada sol, o que faria cerca de seiscentos milhões de mundos só para o nosso grupo.

Se nos pudéssemos transportar da nossa nebulosa para uma outra, estaríamos ali como no meio da nossa Via Láctea, mas com um céu estrelado com um aspecto totalmente diferente; e esta apesar das suas dimensões colossais em relação a nós, aparecer-nos-ia, ao longe, como um pequeno floco lenticular perdido no infinito. Mas antes de atingirmos a nova nebulosa, seríamos como o viajante que sai de uma cidade e percorre um vasto país desabitado antes de chegar a outra cidade; teríamos atravessado espaços incomensuráveis desprovidos de mundos e de estrelas, aquilo a que Galileu chama os desertos do espaço. À medida que fôssemos avançando, veríamos a nossa nebulosa a fugir atrás de nós, diminuindo de extensão à nossa vista ao mesmo tempo que à nossa frente, se apresentaria aquela para a qual nos dirigíamos, cada vez mais distinta, semelhante à massa de fagulhas do fogo-de-artifício. Transportando-nos em pensamento para as regiões do espaço, para além do arquipélago da nossa nebulosa, veremos à nossa volta milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas, contendo cada um milhões de sóis e centenas de mundos habitados.

Tudo o que nos pode identificar com a imensidão do infinito e com a estrutura do Universo é útil para o alargamento das ideias tão reduzidas pelas crenças vulgares. Deus engrandece aos nossos olhos à medida que vamos compreendendo melhor a grandeza das suas obras e a nossa pequenez. Nós estamos longe, como se vê, dessa crença implantada pela Génese de Moisés, que faz da nossa pequena Terra imperceptível a principal criação de Deus e dos seus habitantes o objecto único da sua solicitude. Compreendemos a vaidade dos homens que julgam que tudo no Universo foi feito para eles e dos que se atrevem a discutir a existência do Ente supremo. Dentro de alguns séculos, espantar-se-ão por uma religião, feita para glorificar Deus o ter rebaixado a tão mesquinhas proporções e que tenha rejeitado, por ser concepção do Espírito do mal, as descobertas que só podiam aumentar a nossa admiração pela sua omnipotência, iniciando-nos nos mistérios grandiosos da Criação; ainda se admirarão mais quando souberem que foram rejeitados porque deviam emancipar o espírito dos homens e retirar a preponderância aos que se diziam representantes de Deus na Terra. (N. do A.)


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – Os desertos do espaço (de 45 a 47), 32º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).

terça-feira, 28 de novembro de 2023

o problema do | ser


(Quem sou... o que faço aqui... de onde vim... para onde vou...)

Desprendimento e exteriorização (Projecções telepáticas)

(por Léon Denis)

Chegamos agora a uma ordem de manifestações que se produzem à distância sem o concurso dos órgãos, tanto em vigília quanto no sono. Esses fenómenos, conhecidos pelo termo um tanto genérico e vago de telepatia, não são, dissemos, actos doentios e mórbidos da personalidade, como certos observadores o têm acreditado, mas, pelo contrário, casos parciais, rebentos isolados da vida superior no seio da humanidade. Deve ver-se neles o primeiro aparecimento dos poderes futuros com que o homem terrestre será dotado. O exame desses factos levar-nos-á a reconhecer que o “eu” exteriorizado durante a vida e o “eu” que sobrevive após a morte são idênticos e representam dois aspectos sucessivos da existência de um único e mesmo ser.

A telepatia, ou projecção à distância do pensamento e mesmo da imagem do manifestante, faz-nos subir mais um degrau na escala da vida psíquica. Aqui, encontramo-nos na presença de um acto poderoso da vontade. A alma comunica-se a si própria, comunicando a sua vibração, o que demonstra à evidência que a alma não é um composto, uma resultante nem um agregado de forças, mas sim, pelo contrário, o centro da vida e da vontade, centro dinâmico que governa o organismo e lhe dirige as funções. As manifestações telepáticas não têm limites. O poder e a independência da alma nelas se revelam soberanamente, porque o corpo nenhum papel representa no fenómeno. É mais um obstáculo do que um auxílio. Produzem-se, por esse motivo, ainda com maior intensidade, depois da morte, como veremos a seu tempo.

“A auto-projecção, diz Myers(ii) é o único acto definido que o homem parece capaz de executar, tanto antes como depois da morte corporal.”

A comunicação telepática à distância foi estabelecida por experiências que se tornaram clássicas. Podemos citar as do Sr. Pierre Janet, hoje professor da Sorbonne e, do Dr. Gilbert, do Havre, no seu sujet Léonie que eles, de noite, a um quilómetro de distância, fazem vir ao seu encontro por meio de chamamentos sugestivos. (iii)

Desde então as experiências foram-se multiplicando com êxito constante. Apontemos apenas vários casos de transmissão de pensamento a grande distância.

Os Annales des Sciences Psychiques, Paris, 1891 (i), pág. 26, relatam uma experiência de transmissão mental de imagem, feita a 171 quilómetros de distância, de Paris a Ribemont (Aisne). Os operadores eram os Senhores Debaux e Léon Hennique.

Daily Express, de 17 de julho de 1903, refere notáveis ensaios de troca de pensamentos, que se efectuaram nos escritórios da Review of Reviews, em Norfolk Street, Strand, Londres. Essas experiências eram fiscalizadas por uma comissão de seis membros, da qual faziam parte o Dr. Wallace, de Harley Street, 39 e, o eminente escritor W. Stead. As mensagens telepáticas foram enviadas pelo Sr. Richardson, de Londres e, recebidas pelo Sr. Franck, de Nottingham, a uma distância de 110 milhas inglesas.

Finalmente, o Banner of Light, de Boston, no seu número de 12 de agosto de 1905, informa-nos que uma americana, a Sra. Burton Johnson, de Des Moines, conquistou recentemente o recorde nesse género de transmissão. Sentada no seu quarto do Hotel Vitória, recebeu quatro vezes mensagens telepáticas de Palo Alto (Califórnia), que fica à distância de três mil milhas. Trata-se, diz o jornal, de factos devidamente comprovados, rigorosamente fiscalizados e que não deixam subsistir quaisquer dúvidas.

A transmissão dos pensamentos e das imagens opera-se, dissemos, indistintamente, tanto durante o sono, como no estado de vigília. Já expusemos vários casos; serão encontrados outros, em grande número, nas obras especiais. Mencionemos, por exemplo, o de um médico chamado telepaticamente durante a noite e o de Agnés Paquet, citados por Myers(iv) Acrescentemos o caso da Sra. Elgee, que, estando no Cairo, teve a visão de um amigo que, naquele mesmo momento, em Inglaterra, pensava nela ardentemente. (v)

“Nos últimos dias de sua vida, a minha mãe via-me muitas vezes junto de si, em Tours, conquanto eu andasse então muito longe dali, em viagem pelo oriente da França.”

Todos estes fenómenos podem ser explicados pela projecção da vontade do manifestante, que evoca no percipiente a própria imagem do agente.

Nos casos a seguir, veremos a personalidade psíquica, a alma, destacar-se completamente do invólucro corpóreo e aparecer na sua forma de fantasma. A esse respeito são inúmeros os testemunhos.

Relatamos noutra obra (vi) os resultados dos inquéritos da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, de Londres. Permitiram eles que se recolhessem cerca de mil casos de aparições, à distância, de pessoas vivas, apoiados por atestados de alto valor. Os testemunhos foram consignados em muitos volumes, sob a forma de autos. Foram assinados por homens de ciência pertencentes a academias ou a diversos corpos científicos. Entre estes nomes figuram os de GladstoneBalfour, etc.

Atribui-se, geralmente, a estes fenómenos, carácter subjectivo; mas essa opinião não resiste a um exame atento. Certas aparições foram vistas sucessivamente, por várias pessoas, nos diferentes andares de uma casa; outras impressionaram animais, como cães, cavalos, etc. Em certos casos, os fantasmas actuam sobre a matéria, abrem portas, deslocam objectos, deixam indícios no pó que cobre os móveis; ouvem-se vozes, que dão informações a respeito de factos ignorados, sendo mais tarde essas informações reconhecidas como exactas.

No número destes casos devemos incluir o da Senhora Hawkins, cujo fantasma foi visto simultaneamente por quatro pessoas e do mesmo modo; (vii) as visões de Mac-Alpine, de Carrol, Stevenson; (viii) a de um marinheiro que, estando a velar junto de um camarada moribundo, viu aparecer uma família inteira de fantasmas, trajando luto; (ix) o caso de Clerk em que o irmão moribundo apareceu a uma negra que nunca o conhecera. (x)

Na França, foram recolhidos numerosos factos da mesma natureza e publicados pelos Annales des Sciences Psychiques, do Dr. Dariex e do Prof. Charles Richet e por Camille Flammarion, na sua obra O Desconhecido e os Problemas Psíquicos.

Vamos citar um caso recentíssimo. Os grandes jornais de Londres, o Daily Express, o Evening News, o Daily News, de 17 de maio de 1905, o Umpire, de 14 de maio, etc., narram a aparição, em plena sessão do Parlamento, na Câmara dos Comuns, do fantasma de um deputado, o Major Sir Carne Rasch, retido nesse momento em casa por causa de uma indisposição. Três outros deputados atestam a realidade da manifestação. Sir Gilbert Parker exprime-se da seguinte maneira: (xi)

“Eu queria tomar parte no debate, mas esqueceram-se de me chamar. Quando voltava para o meu lugar, dei com os olhos em Sir Carne Rasch sentado perto do seu lugar do costume. Como sabia que ele tinha estado doente, fiz-lhe um gesto amigável, dizendo-lhe: “Estimo que esteja melhor”; mas ele não deu nenhuma resposta, o que me causou admiração. A fisionomia do meu amigo estava muito pálida. Ele estava sentado, quieto, com a fronte encostada à mão; a expressão do seu rosto era impassível e dura. Pensei um instante no que havia de fazer. Quando me voltei para Sir Carne, ele havia desaparecido. Imediatamente fui à sua procura, esperando encontrá-lo no vestíbulo; mas Rasch não estava lá; ninguém aí o vira...

O próprio Sir Carne não duvidava de ter realmente aparecido na Câmara sob a forma do seu duplo, por causa da preocupação em que estava de dar ao Governo o apoio do seu voto.”

No “Daily News” de 17 de maio de 1905, Sir Arthur Hayter junta o seu testemunho ao de Sir Gilbert Parker. Diz que ele também não só viu Sir Carne Rasch, como chamou a atenção de Sir Henry Campbell Bannerman para a sua presença na Câmara.

A exteriorização, ou desdobramento, do ser humano pode ser provocada pela acção magnética. Fizeram-se experiências que tornam impossível a dúvida. O paciente, adormecido, desdobra-se e vai produzir, à distância, actos materiais.

Citamos o caso do magnetizador Lewis. (xii) Em outras circunstâncias semelhantes foi a aparição fotografada. Aksakof, na sua obra Animismo e Espiritismo, cita três desses casos; outros factos análogos foram observados pelo Capitão Volpi e por W. Stead, director do Borderland.

No caso Istrati e Hasdeu – este último senador da Romania – a forma desdobrada do professor Istrati impressionou placas fotográficas, à noite, à distância de 50 quilómetros do lugar onde estava o seu corpo adormecido. Assim, a objectividade da alma, com a sua forma fluídica manifestando-se em pontos afastados daquele onde o corpo se encontra em descanso, está demonstrada de maneira positiva e não pode ser contestada seriamente.

Ao demais, basta consultar a História para se reconhecer que o passado está cheio de factos deste género. Os fenómenos de bilocação dos vivos são frequentes nos anais religiosos. O passado não é menos rico em narrações e testemunhos a respeito dos Espíritos dos mortos e essa abundância de afirmações, essa persistência através dos séculos são bem próprias para indicar que, no meio das superstições e dos erros, alguma coisa de realidade deve existir.

Com efeito, a comunicação e manifestação à distância entre Espíritos encarnados (i) conduzem, lógica e necessariamente, à comunicação possível entre Espíritos encarnados e desencarnados. A esse respeito, assim se expressa Myers: (xiii)

“Nós podemos impressionar-nos reciprocamente à distância e, se os nossos Espíritos encarnados podem assim actuar, de maneira independente do organismo carnal, há nisto uma presunção favorável à existência de outros Espíritos independentes dos corpos e susceptíveis de nos impressionarem do mesmo modo.”

Os habitantes do espaço têm facultado muitas provas experimentais da lei da comunhão universal na fraca e estreita medida em que na Terra ela pode ser verificada com rigor.

Devemos apontar, entre outros factos, a experiência da Sociedade de Pesquisas de Londres, à qual o mundo sábio é devedor de tantas descobertas no domínio psíquico. Estabeleceu ela um sistema de permutas de pensamentos entre os Estados Unidos e a Inglaterra, simplesmente com a ajuda de dois médiuns em transe, que serviram para transmitir uma mensagem de um Espírito para o outro Espírito. A mensagem consistia em quatro palavras latinas e o latim era língua que os médiuns não conheciam.

Esta experiência foi feita sob a vigilância e fiscalização do Prof. Hyslop, da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque e, foram tomadas todas as precauções necessárias para serem evitadas as fraudes. (xiv)

Quando se estuda, nos seus diversos aspectos, o fenómeno da telepatia, as visões gerais que daí resultam aumentam pouco a pouco e somos levados a reconhecer nele um processo de comunicação de alcance incalculável. A princípio, esse fenómeno foi-nos apresentado como uma simples transmissão, quase mecânica, de pensamentos e imagens entre dois cérebros; mas o fenómeno vai revestir as formas mais variadas e impressionantes. Depois dos pensamentos vêm as projecções, à distância, dos fantasmas dos vivos, as dos moribundos e, finalmente, sem que nenhuma solução de continuidade interrompa o encadeamento dos factos, as aparições dos mortos, quando o vidente, na maior parte dos casos, nenhum conhecimento tem do falecimento das pessoas que aparecem. Há aí uma série contínua de manifestações, que se vão graduando nos seus efeitos e concorrem para demonstrar a indestrutibilidade da alma.

A acção telepática não conhece limites; vence todos os obstáculos e liga os vivos da Terra aos vivos do espaço, o mundo visível aos mundos invisíveis, o homem a Deus; une-os da maneira mais estreita, mais íntima.

Os meios de transmissão que ela nos revela constituem a base das relações sociais entre os Espíritos, o seu modo usual de permutarem as ideias e as sensações. O fenómeno que na Terra se chama telepatia não é outra coisa senão o processo de comunicação entre todos os seres pensantes na vida superior e a oração é uma das suas formas mais poderosas, uma das suas aplicações mais elevadas e mais puras. A telepatia é a manifestação de uma lei universal e eterna.

Todos os seres, todos os corpos trocam vibrações. Os astros exercem influência através das imensidades siderais; do mesmo modo, as almas, que são sistemas de forças e focos de pensamentos, impressionam-se reciprocamente e podem comunicar-se a todas as distâncias. (xv) A atracção estende-se às almas como aos astros; atrai-os para um Centro comum, eterno e divino. Uma dupla relação se estabelece. As suas aspirações sobem para ele na forma de apelos e orações. E, sob a forma de graças e inspirações, descem os socorros.

Os grandes poetas, escritores, artistas, os sábios e os puros conhecem esses impulsos, essas inspirações súbitas, esses clarões de génio que iluminam o cérebro como relâmpago e parecem provir de um mundo superior, cuja grandeza e inebriante beleza reflectem, ou então são visões da alma. Num arrojo extático ela vê entreabrir-se esse mundo inacessível, percebe-lhe as radiações, as essências, as luzes.

Tudo isso nos demonstra que a alma é susceptível de ser impressionada por meios diferentes dos órgãos, que ela pode recolher conhecimentos que excedem as faculdades humanas e provêm de uma causa espiritual. Graças a esses clarões, a esses relâmpagos, ela entrevê, na vibração universal, o passado e o futuro; percebe a génese das formas, formas de arte e pensamento, de beleza e santidade, da qual perenemente derivam formas novas, numa variedade inesgotável como o manancial de onde emanam.

Consideremos estas coisas sob um ponto de vista mais directo; vejamos as suas consequências no meio terrestre. Já pelos factos telepáticos se acentua a evolução humana. O homem conquista novos poderes psíquicos que lhe permitirão, um dia, manifestar o seu pensamento a todas as distâncias, sem intermediário material. Esse progresso constitui um dos mais magníficos estádios da humanidade para uma vida mais intensa e livre. Poderá ser o prelúdio da maior revolução moral que se tenha realizado no nosso Globo. Dessa forma seria realmente vencido, ou consideravelmente atenuado, o mal.

Quando o homem já não tiver segredos, quando se lhe puder ler no cérebro os pensamentos, ele já não se atreverá a pensar no mal e, por conseguinte, a fazer o mal. Assim, a alma humana elevar-se-á sempre, subindo pela escala dos desenvolvimentos infinitos. Tempos virão em que a inteligência há de predominar cada vez mais, desembaraçando-se da crisálida carnal, estendendo, afirmando o seu domínio sobre a matéria, criando com os seus esforços meios novos e mais amplos de percepção e manifestação. Apurando-se, por sua vez, os sentidos, verão eles ampliar-se-lhes o círculo de acção. O cérebro humano tornar-se-á um templo misterioso, de vastas e profundas naves, cheias de harmonias, vozes e perfumes, instrumento admirável ao serviço de um Espírito que se tornou mais subtil e poderoso.

Ao mesmo tempo em que a personalidade humana, alma e organismo, a pátria terrestre se transformará. Para que se opere a evolução do meio é preciso que primeiramente se efectue a evolução do indivíduo. É o homem que faz a humanidade e esta, por sua acção constante, transforma a morada daquele. Há equilíbrio absoluto e relação íntima entre o moral e o físico. O pensamento e a vontade são a ferramenta, por excelência, com a qual tudo podemos transformar em nós e à nossa volta.

Tenhamos apenas pensamentos elevados e puros; aspiremos a tudo o que é grande, nobre e belo. Pouco a pouco sentiremos regenerar-se o nosso próprio ser e, com ele, do mesmo modo, todas as camadas sociais, o globo e a humanidade! E, em nossa ascensão, chegaremos a compreender e praticar melhor a comunhão universal que une todos os seres. Inconsciente nos estados inferiores da existência, essa comunhão torna-se cada vez mais consciente, à medida que o ser se eleva e percorre os graus inumeráveis da evolução, para chegar, um dia, ao estado de espiritualidade em que cada alma, irradiando o brilho das potências adquiridas nos impulsos do seu amor, vive da vida de todos e a todos se sente unida na obra eterna e infinita.

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(ii) F. Myers (i) - La Personnalité Humaine, pág. 250.
(iii) Ver Bulletin de la Société de Psychologie Physiologique, I, pág. 24.
(iv) Phantasms of the living, I, 267. Proceedings, VII, págs. 32 e 35.
(v) Idem, II, 239.
(vi) Ver Depois da Morte, 3ª parte; e No Invisível, cap. XI.
(vii) Phantasms of the Living, II, 18.
(viii) Proceedings, X. 332, Phantasms of the Living, II, 96 e 100.
(ix) Phantasms of the Living, II, 144.
(x) Phantasms of the Living, II, 61.
(xi) The Umpire de 14 de maio de 1905, reprodução feita pelos Annales des Sciences Psychiques (i), julho de 1905.
(xii) Revue Scientifique du Spiritisme, fevereiro de 1905, pág. 457.
(xiii) F. Myers - La Personnalité Humaine, pág. 25.
(xiv) Pode ler-se a narração desse facto na Daily Tribune, de Chicago, 31 de outubro de 1904, e nos Proceedings da S.P.R.
(xv) Sir William Crookes (i), num discurso na British Association em 1898, sobre a lei das vibrações, declara que ela é a lei natural que rege “todas as comunicações psíquicas”. Parece que a telepatia até se estende aos animais. Existem factos que indicam uma comunicação telepática entre homens e animais. Ver, nos Annales des Sciences Psychiques, agosto de 1905, págs. 459 e seguintes, o estudo bem documentado de E. Bozzano (i)Perceptions Psychiques et les Animaux.


Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira Parte O Problema do Ser, VI – Desprendimento e exteriorização (Projecções telepáticas), 7º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe), de uma pintura atribuída a Josefina Robirosa)