Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Diálogos de Kardec ~


§ A música espírita ~ 

~~~ Espírito Rossini 

(1)

Há pouco tempo, na sede da Sociedade Espírita de Paris, o seu presidente, me deu a honra de pedir, a minha opinião, sobre o estado actual da música e sobre as modificações que lhe poderiam advir como resultado da influência das crenças espíritas. Se de imediato não cedi a tal apelo benévolo e simpático, foi, acreditai, meus senhores, por uma razão de ordem superior. 

Os músicos são homens como os outros, mais homens, talvez, e nessas condições, falíveis e sujeitos a pecar. Nunca estive isento de fraquezas e, se Deus me fez longa a vida, a fim de que eu tivesse tempo de me arrepender, a embriaguez do êxito, a complacência dos amigos e a lisonja dos cortejadores, muitas vezes me tiraram o meio de efectivar esse arrependimento. Um compositor é uma potência nesse mundo, onde o prazer desempenha tão importante papel. Àquele cuja arte consiste em deleitar os ouvidos e enternecer os corações, muitas ciladas se lhe armam diante dos olhos, nas quais cai o infeliz. Ele se inebria da embriaguez dos outros; os aplausos tapam-lhe os ouvidos e ei-lo no caminho directo do abismo, sem procurar um ponto de apoio capaz de resistir ao arrastamento. 

Entretanto, não obstante os meus erros, eu tinha  em Deus; eu cria na alma que vibrava em mim e, libertando-se da gaiola sonora, ela logo se reconheceu no meio das harmonias da criação e confundiu a sua prece com as que se elevam da natureza ao infinito, da criação ao Ser incriado!... 

Estou feliz pelo sentimento que a minha vinda ao seio dos espíritas provocou, porque foi a simpatia que o determinou e, se a princípio só a curiosidade me atraiu, é ao meu reconhecimento que devereis a explanação do tema que me propuseram. 

Eu ali estava, pronto a falar, supondo tudo saber, quando, abatido o meu orgulho, a minha ignorância se me patenteou. Fiquei mudo e a escutar. Retrocedi, instruí-me e, quando as palavras de verdade, ditas pelos vossos instrutores, se juntaram à reflexão e à meditação, eu disse para mim mesmo: 

O grande compositor Rossini, o criador de tantas obras-primas segundo os homens, nada mais fez, ah! do que desfolhar algumas das pérolas menos perfeitas do livro musical criado pelo Mestre dos mestres. Rossini reuniu notas, compôs melodias, bebeu da taça que contém todas as harmonias, roubou algumas centelhas ao fogo sagrado, mas, esse fogo sagrado nem ele, nem os outros criaram! — Nada inventamos: copiamo-lo do grande livro da Natureza e a multidão aplaude, quando não apresentamos por demais deformada a partitura. 

Uma dissertação sobre a música celeste! Quem poderia de tal coisa encarregar-se? Que Espírito sobre-humano poderia fazer vibrar a matéria em uníssono com essa arte encantadora? Que cérebro humano, que Espírito encarnado poderia apanhar-lhe os matizes infinitamente variados? Quem possui a esse ponto o sentimento da harmonia?... Não, o homem não está feito em tais condições!... Mais tarde!... muito mais tarde!... 

Por agora, virei, talvez breve, satisfazer o vosso desejo e dar-vos a minha apreciação sobre o estado actual da música e dizer-vos das transformações, dos progressos que o Espiritismo poderá fazer que ela experimente. — Hoje, é ainda muitíssimo cedo. O assunto é vasto, já o estudei, mas ele ainda me excede. Quando dele me houver assenhoreado, se isso for possível, ou, melhor, quando eu haja entrevisto tanto quanto o estado do meu espírito mo permitir, eu vos satisfarei. Um pouco mais de tempo. Se somente um músico pode falar da música do futuro, deve fazê-lo como um mestre e Rossini não quer falar dela como aluno. 

Rossini 

(Médium: Desliens
(2) 

Foi explicado o silêncio que guardei sobre a questão que o Mestre da Doutrina Espírita me propôs. Era conveniente que, antes de entrar em tão difícil assunto, eu me concentrasse, reunisse as minhas lembranças e condensasse os elementos que me estavam ao alcance. Não me cabia estudar a música, tinha apenas de classificar com método os argumentos, a fim de apresentar um resumo capaz de dar ideia da minha concepção da harmonia. Esse trabalho, que não fiz sem dificuldade, se encontra concluído e estou pronto a submetê-lo à apreciação dos espíritas.

A harmonia é difícil de se definir; muitas vezes, confundem-na com a música, com os sons, como resultante de um arranjo de notas e das vibrações dos instrumentos que reproduzem esse arranjo. Mas, não é isso a harmonia, do mesmo modo que a chama não é a luz. A chama resulta da combinação de dois gases: é tangível; a luz que ela projecta é um efeito dessa combinação e não a própria chama: não é tangível. Aqui, o efeito é superior à causa. O mesmo se dá com a harmonia; ela resulta de um arranjo musical, é um efeito igualmente superior à causa. Esta é brutal e tangível; o efeito é subtil e intangível. 

Pode conceber-se a luz sem a chama e compreender-se a harmonia sem a música. A alma está apta a perceber a harmonia, excluindo todo o concurso de instrumentação, como está apta a ver a luz sem o concurso de combinações materiais. A luz é um sentido íntimo que a alma possui: quanto mais desenvolvido este, tanto melhor percebe ela a luz. A harmonia é igualmente um sentido íntimo da alma, que a percebe em relação com o desenvolvimento desse sentido. Fora do mundo material, isto é, fora das causas tangíveis, a luz e a harmonia são de essência divina. A posse de uma e da outra estão na razão dos esforços empregados para adquiri-las. Se comparo a luz e a harmonia, é para me fazer melhor compreender e também porque esses dois sublimes gozos da alma são filhos de Deus e, portanto, irmãos. 

É tão complexa a harmonia do Espaço, tem tantos graus que eu conheço e muitos outros mais que se me estão ocultos no éter infinito, que aquele que se encontra colocado a uma  altura de percepção é como que tomado de espanto ao comtemplar essas diversas harmonias, que constituiriam, se reunidas, a mais insuportável cacofonia; enquanto que, ao contrário, percebidas separadamente, constituem a harmonia particular a cada grau. Nos graus inferiores, essas harmonias são elementares e grosseiras; levam ao êxtase, nos graus superiores. Tal harmonia, que choca um Espírito de percepções subtis, encanta um outro de percepções grosseiras e, quando é dado ao Espírito inferior deleitar-se com os encantos das harmonias superiores, o êxtase o arrebata e a prece lhe penetra o íntimo. O encantamento o transporta às elevadas esferas do mundo moral; ele entra a viver uma vida superior à sua e assim desejará continuar a viver para sempre. Mas, desde que a harmonia deixe de penetrá-lo, ele desperta, ou, se o preferirem, adormece. Em todo o caso, volta à realidade da sua situação e, dos lamentos que lhe escapam por haver descido, se exala uma prece ao Eterno, a pedir-lhe forças para de novo subir. Aí tem ele um grande motivo de emulação. 

Não tentarei explicar os efeitos musicais que o Espírito produz actuando sobre o éter; o que é certo é que o Espírito produz os sons que queira e, que não pode querer o que não sabe. Assim, pois, aquele que compreende muito, que tem em si a harmonia, que se encontra dela saturado, que goza do seu sentido íntimo, desse nada impalpável, dessa abstracção que é a concepção da harmonia, actua quando quer sobre o fluido universal que, instrumento fiel, reproduz o que ele concebe e deseja. O éter vibra sob a acção da vontade do Espírito; a harmonia, que este último traz em si, concretiza-se, por assim dizer; evola-se, doce e suave, como o perfume da violeta, ou ruge como a tempestade, ou estala como o raio, ou solta queixumes como a brisa. É rápida qual relâmpago, ou lenta como a neblina; tem os despedaçamentos de um soluço, ou é contínua como a relva; é precipitada qual catarata, ou calma como um lago; murmura como um regato, ou ronca como uma torrente. Ora apresenta a rudeza agreste das montanhas, ora a frescura de um oásis; é alternativamente triste e melancólica como a noite, leda e jovial como o dia; caprichosa como a criança, consoladora como uma mãe e protectora como um pai; desordenada como a paixão, límpida como o amor e grandiosa como a Natureza. Quando chega a este último terreno, confunde-se com a prece, glorifica a Deus e leva ao arroubamento aquele mesmo que a produz, ou a concebe. 

Oh! comparação! comparação! Por que havemos de ser obrigados a servir-nos de ti! Por que havemos de dobrar-nos à necessidade degradante de buscar, de tomar de empréstimo à natureza tangível imagens grosseiras, para fazermos compreensível a sublime harmonia em que o Espírito se deleita! E, a despeito das comparações, não se consegue dar ideia dessa abstracção, sentimento quase causa, sensação quando se torna efeito,

O Espírito que tem o sentimento da harmonia é como o Espírito que tem a riqueza intelectual: um e o outro gozam constantemente da propriedade inalienável que granjearam. O Espírito inteligente, que ensina a sua ciência aos que a ignoram, experimenta a ventura de ensinar, porque sabe que torna felizes aqueles a quem instrui; o Espírito que faz ressoar no éter os acordes da harmonia que traz em si, experimenta a felicidade de ver satisfeitos os que o escutam. 

A harmonia, a ciência e a virtude são as três grandes concepções do Espírito: a primeira o arrebata, a segunda o esclarece, a terceira o eleva. Possuídas em toda a plenitude, elas se confundem e constituem a pureza. Oh! Espíritos puros que as possuís! descei às nossas trevas e iluminai a nossa caminhada. Mostrai-nos a estrada que seguiste, a fim de que sigamos as vossas pegadas! 

Quando penso que esses Espíritos, cuja existência mal posso compreender, são seres finitos, átomos, em face do eterno Senhor do Universo, a minha razão se confunde ao cogitar da grandeza de Deus e da bem-aventurança infinita, de que ele goza em si mesmo, pelo facto só de ser infinita a sua pureza, pois que tudo o que a criatura adquire não é mais que uma parcela do que emana do Criador. Ora, se a parcela chega a fascinar pela vontade, a cativar e a deslumbrar pela suavidade, a resplandecer pela virtude, o que não produzirá a fonte eterna e infinita donde provém a criatura? Se o Espírito, ser criado, chega a extrair da sua pureza tanta felicidade, que ideia se há de ter da que o Criador tira da sua pureza absoluta? Problema eterno! 

O compositor que concebe a harmonia a traduz na grosseira linguagem chamada música; concretiza a sua ideia e a escreve. O artista aprende a forma e escolhe o instrumento que lhe permita exprimir a ideia. Accionado pelo instrumento, o ar a transporta ao ouvido do ouvinte e o ouvido a transmite à alma. Mas, o compositor foi impotente para expressar inteiramente a harmonia que concebera, por falta de uma linguagem apropriada. O executante, a seu turno, não compreendeu toda a ideia escrita e o instrumento indócil de que ele se serve não lhe permite traduzir tudo o que haja compreendido. O ouvido é afectado pelo ar grosseiro que o cerca e a alma, enfim, recebe, por um órgão rebelde, a horrível tradução da ideia desabrochada na alma do compositor. Essa ideia era o seu sentimento íntimo. Embora desvirtuada pelos agentes da instrumentação e da percepção, ela causa sempre sensações nos que a ouvem traduzida; essas sensações são a harmonia. 

música as produziu; elas são efeito da música. Esta é posta ao serviço do sentimento para ocasionar a sensação. O sentimento, na composição, é a harmonia; a sensação, no ouvinte, é também a harmonia, com a diferença de que é concebida por um e recebida pelo outro. A música é o médium da harmonia; ela a recebe e a dá, como o reflector é o médium da luz, como tu és o médium dos Espíritos. Transmite-a mais ou menos deformada, conforme seja bem ou mal executada, do mesmo modo que o reflector envia mais ou menos bem a luz, conforme seja mais ou menos brilhante e polido, do mesmo modo que o médium exprime mais ou menos bem os pensamentos dos Espíritos, conforme seja mais ou menos maleável. 

Agora, que a harmonia está bem compreendida na sua significação, que se sabe ser ela concebida pela alma e transmitida à alma, compreender-se-á a diferença que existe entre a harmonia da Terra e a do Espaço. 

Na Terra, tudo é grosseiro: o instrumento de tradução e o instrumento de percepção. Entre nós, tudo é subtil: vós tendes o ar, nós temos o éter; tendes um órgão que obstrui e vela; nós temos a percepção directa. Entre vós, o autor é traduzido; entre nós, ele opera sem intermediário e numa língua que exprime todas as concepções. Entretanto, essas harmonias têm a mesma fonte de origem, como a luz da Lua tem a mesma fonte de origem que a do Sol; a harmonia da Terra não é mais do que reflexo da harmonia do Espaço. 

É tão indefinível a harmonia, quanto a felicidade, o temor, a cólera. É um sentimento. Só a pode compreender quem a possui e só a possui quem a tenha adquirido. O homem jovial não pode explicar a sua jovialidade; aquele que é timorato não pode explicar a sua timidez; podem expor os factos que esses tudo provocam, defini-los, descrevê-los; mas, os sentimentos, esses se conservam inexplicáveis. O facto que a um causa alegria, nada ao outro causará; o objecto que ocasiona o temor em um determinará a coragem no outro. As mesmas causas geram efeitos contrários; em física não existe, em metafísica existe. Existe, porque o sentimento é propriedade da alma e as almas diferem de sensibilidade entre si, de impressionabilidade, de liberdade. 

A música, que é a segunda causa da harmonia percebida, penetra e transporta a um, deixando frio e indiferente a outro. É que o primeiro se encontra em estado de receber a impressão que a harmonia produz, ao passo que o segundo se encontra em estado oposto; ele ouve o ar que vibra, mas não compreende a ideia que ele lhe traz. Este chega a sentir tédio e a adormecer, enquanto que aquele outro se entusiasma e chora. Evidentemente, o homem que goza as delícias da harmonia é muito mais elevado, mais depurado, do que aquele em quem ela não logra penetrar; a sua alma, mais apta a sentir, desprende-se mais facilmente e a harmonia lhe auxilia o desprendimento; transporta-a e lhe permite ver melhor o mundo moral. Deve concluir-se daí que a música é essencialmente moralizadora, uma vez que traz a harmonia às almas e que a harmonia as eleva e engrandece. 

Toda a gente reconhece a influência da música sobre a alma e sobre o seu progresso. Mas, a razão dessa influência é em geral ignorada. A sua explicação está toda neste facto: é que a harmonia coloca a alma sob o poder de um sentimento que a desmaterializa. Este sentimento existe em certo grau, mas desenvolve-se sob a acção de um sentimento similar mais elevado. Aquele que esteja desprovido de tal sentimento é conduzido gradativamente a adquiri-lo: acaba deixando-se penetrar por ele e arrastar ao mundo ideal, onde esquece, por instantes, os prazeres inferiores que prefere à divina harmonia. 

Agora, se considerarmos que a harmonia sai do concerto do Espírito, deduziremos que a música exerce salutar influência sobre a alma e a alma que a concebe também exerce influência sobre a música. A alma virtuosa, que nutre a paixão do bem, do belo, do grandioso e que adquiriu harmonia, produzirá obras-primas capazes de penetrar as mais endurecidas almas, de comovê-las. Se o compositor é terra-a-terra, como poderá exprimir a virtude de que desdenha, o belo que ignora e o grandioso que não compreende? As suas composições reflectirão os seus gostos sensuais, a sua leviandade, a sua negligência. Serão ora devassas, ora obscenas, ora cómicas, ora burlescas; comunicarão aos ouvintes os sentimentos que exprimirem e os perverterão, em vez de melhorá-los. 

Espiritismo, com o moralizar dos homens, exercerá, pois, grande influência sobre a música. Produzirá mais compositores virtuosos, que difundirão as suas virtudes ao fazerem ouvidas as suas composições. 

Rir-se-á menos; chorar-se-á mais; a hilaridade cederá lugar à emoção, a fealdade à beleza e o cómico à grandiosidade

Por outro lado, os ouvintes que o Espiritismo dispuser a receber facilmente a harmonia, gozarão, ouvindo a música séria, de verdadeiro encanto; desprezarão a música frívola e devassa, que seduz as massas. Quando o grotesco e o obsceno forem varridos pelo belo e pelo bem, desaparecerão os compositores daquela ordem, porquanto, sem ouvintes, nada ganharão e, é para ganhar que eles se enxovalham. 

Oh! sim, o Espiritismo terá influência sobre a música! Como poderia não ser assim? O seu advento transformará a arte, depurando-a. A sua origem é divina, a sua força o levará a toda a parte onde haja homens para amar, para elevar e para compreender. Ele se tornará o ideal e o objectivo dos artistas. Pintores, escultores, compositores, os poetas virão nutrir nele as suas inspirações e ele lhas fornecerá, porque é rico e, inesgotável. 

O Espírito do maestro Rossini voltará, numa nova existência, para continuar a arte que ele considera a primeira de todas. O Espiritismo será o seu símbolo e o inspirador de suas composições. 

Rossini 

(Médium: Nivart
/... 


ALLAN KARDEC, Obras Póstumas, Primeira Parte – Sobre as artes em geral; a sua regeneração por meio do Espiritismo – A música espírita, pelo Espírito Rossini; ((1) Paris – Grupo Desliens, 9 de dezembro de 1868 – Médium: Sr. Desliens); ((2) 17 de janeiro de 1869 – Médium: Sr. Nivard), 21º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra)

sábado, 17 de setembro de 2022

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XXV 

~~ A Experimentação Espírita: Provas de Identidade 

  Já afirmámos que as provas da existência e da manifestação dos espíritos são abundantes e formam um todo que se impõe de tal forma que todas as dúvidas e vacilações desaparecem após um estudo sério e profundo. É o caso dos sábios notáveis que se preocuparam com os problemas psíquicos. Eles iniciavam o seu exame com disposições hostis, possuídos pela ideia de que ali havia erro ou fraude, mas, depois de perseverantes investigações, chegaram a afirmar, de modo formal, a realidade dos fenómenos. 

  Não há dúvida de que souberam determinar a parte referente à fraude e à impostura, inevitáveis em qualquer meio humano, porém estabeleceram que grande quantidade de factos foge a qualquer possibilidade de falsificação. Por exemplo, as moldagens de mãos e pés materializados, feitas com parafina fervente e, que, depois de resfriada, deixava os experimentadores na posse de objectos que servem de testemunhos da presença e da passagem de seres invisíveis. 

  Foi por essa razão que Flammarion escreveu: 

  “Comummente se fala de fraudes, porém, o impossível existe do ponto de vista material, por exemplo, os moldes de mãos. Até hoje, ninguém conseguiu imitar nem explicar essas impressões ou moldagens em parafina, nas quais não aparece nenhum vestígio de solda. Outro exemplo é o de certas fotografias que são o desespero dos fotógrafos... além disso, de todos os fenómenos psíquicos, que confundem e embaraçam, existe um apenas que se tenha, seriamente, conseguido imitar?” 

  Os fenómenos de moldagens precisam de algumas explicações. Em todos esses casos a parafina é derretida em certa quantidade de água fervente. Os espíritos mergulham as mãos nessa parafina e, em seguida, as introduzem em um vaso de água fria, onde os moldes ficam a flutuar. 

  Sendo a abertura do pulso de menor diâmetro do que o resto da mão, foi preciso, portanto, que a mão se dissolvesse fluidicamente para deixar o molde intacto; não haveria mão humana que se pudesse desprender do molde sem parti-lo. Também foram obtidos moldes de pés e tais factos não podem ser compreensíveis sem a acção de seres invisíveis. 

  O professor Denton conseguiu obter, na América, fenómenos desse tipo dentro de uma gaiola fechada à chave. Destaca-se, entre outros casos, o de duas mãos, uma segura na outra e completas até aos punhos. Nenhuma intervenção humana poderia ter conseguido tal resultado. 

  No Congresso Espiritualista Internacional de Paris, em 1900, do qual fui presidente, foi organizado um museu espírita, onde se viam moldagens de mãos de todos os tamanhos, algumas enormes e outras pequenas como de crianças e que nenhumas semelhanças apresentavam, garantiam os expositores, com as mãos dos médiuns ou as dos assistentes das sessões onde os fenómenos foram obtidos. 

~*~ 

  Em todos os factos de natureza psíquica vale buscarmos, antes de tudo, as provas de identidade, isto é, as particularidades e pormenores verificáveis e pelos quais se revelam o carácter e a verdadeira natureza dos seres que tomam parte nas manifestações. 

A esse propósito, convém destacar-se a vidência e a incorporação no transe ou sono magnético. Neste último caso o médium pronuncia palavras e até discursos de que não tem consciência e que, ao despertar, não lhe deixam nenhuma lembrança na memória. À medida que o transe se torna mais profundo, verifica-se que uma estranha personalidade substitui a do médium, produzindo-se uma espécie de transfiguração. 

  Por sua atitude, gestos e linguagem, o médium representa a maneira de pensar e agir de uma individualidade cuja existência geralmente ignora, mas que os assistentes reconhecem como um dos seus parentes ou amigos mortos. 

  Então se travam as conversas; as respostas do espírito às perguntas feitas, as referências, as recordações, os traços comuns de sua existência anterior, que viveu junto com as pessoas presentes, constituem por si só outros tantos elementos de certeza quanto à identidade do morto. 

  Nessa série de factos, o mais notável nos parece ser o do professor Hyslop, da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque. 

  Por intermédio da célebre médium Sra. Piper, fez 200 perguntas ao espírito de seu pai sobre pequenos detalhes de sua vida de família, antes do seu nascimento. Para verificar a exactidão das respostas foi necessário fazer uma viagem de muitas semanas através de vários Estados por onde se encontravam espalhados os membros da família Hyslop. Das 200 perguntas reconheceram 152 respostas como certas e as demais duvidosas, por falta de verificação. 

  Em outro livro narramos 20 casos escolhidos entre os mais comprováveis e aqui estão outros, mais recentes, cujo interesse não é menor porque se referem à Grande Guerra (1914-1918)* e se classificam entre os fenómenos de visão e de audição. 

  O primeiro é tirado dos Annales des Sciences Psychiques, número 1, p. 44, de 1918. 

  A revista inglesa London publicou, no seu número de Outubro de 1917, a narração de Richard Wilkinson, que a redacção afirma ser um agente de negócios bem conhecido em Londres e que antes era muito céptico em relação a qualquer fenómeno supranormal. 

  O desejo de Wilkinson, publicando tal artigo, foi apresentar factos que o confortaram na sua dor e podem consolar igualmente milhares de outras pessoas. 

  “O meu filho foi gravemente ferido quando se encontrava à frente de seus homens, no combate de Beaumont-Hamel e, poucos dias depois morreu, aos 19 anos de idade, em Novembro de 1916. Eu e a minha esposa pudemos assistir aos seus últimos momentos, em um hospital da França. Ele era o nosso único filho e o sentimento que o ligava a nós era de franca camaradagem e afeição filial. 

  Assim que voltamos para a Inglaterra, uma amiga de minha mulher, penalizada com a sua situação, remeteu-lhe o livro de Sir Oliver LodgeRaymond. Eu tinha prevenções contra tais investigações e pedi à minha mulher que não o lesse, mas vendo que isso a contrariava muito, não insisti, dizendo energicamente que não me queria envolver com tamanho absurdo. 

  Ela se impressionou de tal modo com a leitura, que recorreu a todos os argumentos possíveis para combater o meu preconceito e fazer-me ler aquela obra. Acabei por ceder, mas essa leitura não foi suficiente para me convencer, embora eu admirasse a beleza da doutrina e reconhecesse a minha insensatez por tê-la condenado antecipadamente. 

  A minha mulher escreveu a Sir Lodge para se aconselhar. Ele não nos conhecia, porém, a afinidade de nosso infortúnio comum levou-o a nos apresentar uma amiga que organizou para nós uma sessão com o médium Vout Peters

  Na primeira tentativa disseram-nos que o nosso filho, ao passar para o Além, tinha sido recebido por João, Isabel, Guilherme e Eduardo. 

  Desses nomes, os três primeiros eram os de meu pai, minha mãe e de meu irmão, há muito tempo falecidos, porém o de Eduardo me era desconhecido. Impressionado com a exactidão dos três primeiros nomes, escrevi ao meu irmão mais velho perguntando sobre um irmãozinho que eu sabia ter morrido antes do meu nascimento e ele me respondeu que essa criança, de nome Eduardo, morrera com 12 semanas de idade. 

  Naquela mesma sessão, o meu filho, sabendo de minha incredulidade, disse que desejava vivamente provar-me a sua presença e se referiu a um acontecimento íntimo, apenas sabido por mim e a minha esposa. Era uma coisa tão secreta que não posso narrá-la aqui. 

  Outro facto: embora o nome do meu filho não fosse Roger, ele assim era chamado, menos por sua mãe que só o chamava Poger. 

  O médium começou a soletrar um nome, “Ro...” e nos afirmou, sem poder dar as letras seguintes, que a última era “R”. 

  Respondi: “É o nome de meu filho; queres dizer Roger” e o médium respondeu: “O rapaz diz que não devo dizer Roger, porém Poger”

  Deslumbrado com esses fenómenos, eu quis ir mais adiante e fomos a outro médium: a senhora Osborne Leonard

  Evitamos dizer-lhe quem éramos e o objectivo de nossa visita. 

  A primeira coisa que ela nos disse foi uma descrição exacta e minuciosa de nosso filho e bem assim o nome de Poger, acrescentando que Isabel, João e Guilherme ali se encontravam e lhe davam protecção. 

  Por outro lado, minha esposa estava preocupada com o facto de não encontrar as cartas que enviara ao filho, entre as roupas, papéis e outros objectos de uso dele, porém não me dissera qualquer palavra a esse respeito. 

  O médium afirmou que Roger lhe mostrava um saquinho com fecho, que estava entre os tais objectos e, que não fora visto na busca. “Nele – falou a senhora Leonard – a sua mãe encontrará as cartas que está à procura”. Quando regressamos a casa, verificamos que a afirmativa estava certa. 

  Na mesma reunião, o médium estendeu a mão e nos mostrou um objecto parecido com um pedaço de moeda, cuja natureza real ele ignorava. A minha esposa sugeriu que podia ser um botão militar de cobre que havia sido transformado em uma medalha, mas a médium insistiu, afirmando que encontraríamos, entre os pertences de nosso filho, um objecto de bronze. 

  Roger queria que se fizesse nele um orifício para que a sua mãe pudesse levá-lo consigo como lembrança. Na realidade, encontramos em casa, numa caixinha, uma moeda de um penny, encurvada por uma bala que a atingira. 

  Algum tempo depois, minha esposa, viu perto dela, em Brigthon, o nosso filho e nada a convenceu que se tratasse de uma auto-sugestão ou de uma alucinação. Retornando a Londres ela, a princípio, não falou disso a ninguém, porém a médium Annie Brittain logo lhe declarou: “O seu filho deseja falar-lhe, foi exactamente ele que a senhora viu; não foi sonho, permitiram que o véu por um instante se levantasse”

  Nessa reunião a Sra. Brittain disse-nos coisas maravilhosas. Médium nenhum jamais chamaria a atenção de minha mulher com a frase que o nosso filho usava. Ela se alegrou quando ele lhe disse: “Até mais ver, meu anjo!”, a frase com que se alegrava dirigir-lhe. 

  Se alguém, há apenas um ano, afirmasse que eu viria dizer e escrever semelhantes coisas, responderia que era impossível.” 

~*~ 

  O senhor H. Méron, cônsul-geral da França em São Francisco, actualmente em Thonon (Haute-Savoie) e cujo filho, um jovem oficial, teve, na última guerra, uma morte gloriosa, escreveu na Revue Spirite, de Outubro de 1917, os seguintes dados sobre manifestações que obteve por meio de uma faculdade que o filho morto descobriu e desenvolveu nele. 

  “No estado de vigília, na escuridão da noite, vejo de olhos fechados ou abertos, formarem-se diante de mim, com claridade e intensidade iguais, letras fluídicas de variadas cores. Essas letras se alinham e formam mensagens assinadas pelos espíritos que as produzem. 

  Essa mediunidade vidente me foi revelada por mensagens de nosso filho, cerca de quatro meses depois de sua morte, em Outubro de 1916. 

  Ele assina sempre as suas mensagens, tal como escrevia nos seus telegramas que nos mandava da linha de combate e, com o seu número de matrícula do regimento a que pertencia. 

  Todas as manhãs, com raras excepções, recebo uma mensagem, geralmente acompanhada de flores, principalmente de uma que tanto ele como nós admiramos: a papoula amarela, chamada “copa de ouro” da Califórnia. Durante o dia, também recebo mensagens que são precedidas por uma pancada no ar e que a minha companheira também ouve distintamente. Fecho os olhos e, após a assinatura e o número de matrícula, que nunca faltam, leio a mensagem. Às vezes, a minha mulher dirige, em voz alta, a palavra ao filho e logo obtenho a resposta, escrita em letras fluídicas, no fundo escuro criado ao se fechar os olhos. 

  Tive muitas outras visões, em várias ocasiões, de pessoas no momento da morte ou até de pessoas vivas. Algumas dessas visões só se explicariam por aquilo que os nossos adversários costumam chamar de alucinações. Realmente vi tais aparições em épocas ou com trajes que a minha imaginação não poderia produzir. Assim, uma jovem com quem falei apenas uma vez, seis meses antes que ela falecesse e, cuja morte deixou a sua mãe inconsolável, apareceu-me três vezes: uma, na hora da morte (que eu ignorava), ela se mostrou como eu a havia conhecido, isto é, alegre, viva e risonha. De outra vez apareceu tal como se encontrava representada num retracto, que só vim a conhecer dois ou três meses depois da aparição; nele ela estava penteada de modo especial e vestia-se de forma diferente do normal. A terceira vez, apareceu-me toda de branco. 

  Sem dúvida foi o nosso filho que provocou essas visões para o nosso bem, a fim de que, sem medo, pudéssemos declarar a nossa profunda fé, o que fazemos abertamente, pois consideramos isso o nosso dever absoluto. 

  Não vacilamos em proclamar abertamente que a nossa crença tem sido para nós um manancial de consolações.” 

  Pode ser que se coleccionem muitos factos desse tipo relativos à guerra. As provas da sobrevivência da alma, depois da morte, aumentam diariamente e já constituem um respeitável conjunto; os casos de identidade se multiplicam, abrangendo todas as espécies de fenómenos na sua enorme variedade. 

  Realmente, os mortos nos campos de batalha, nos hospitais, nas ambulâncias, enfim todas as vítimas desses acontecimentos espantosos, só desejam revelar a sua presença para aqueles a quem amaram na Terra, proporcionando-lhes consolações. 

  Podemos esperar que isso aconteça logo que se tenha passado o período de perturbação que se segue às mortes repentinas ou violentas, para as quais eles haverão de empregar todos os recursos ao seu alcance. 

  Dos malefícios ocasionados pela guerra surgirá a certeza de que a vida existe em dois aspectos, mas não termina com a morte corpórea. Um raio de luz, atravessando as nuvens negras, aclarará o caminho da humanidade, até agora incerto e obscuro. 

/… 
* Adenda desta publicação. 


Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXV A Experimentação Espírita: Provas de Identidade, 41º fragmento desta obra. 
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), aquando de um cessar-fogo promovido pelos próprios soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes) 

sábado, 10 de setembro de 2022

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~ 

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographiques) (VII) 

Os cometas 🌈 

  Astros errantes, mais ainda que os planetas que mantiveram esta denominação etimológica, os cometas serão os guias (i) que nos ajudarão a ultrapassar os limites do sistema a que a Terra pertence para nos levarem até às regiões longínquas do espaço sideral. 

  Mas antes de explorarmos com ajuda destes viajantes do Universo os domínios celestes, será bom dar a conhecer tanto quanto possível a sua natureza intrínseca e o seu papel na economia planetária. 

  Viram-se muitas vezes nestes astros cabeludos mundos a nascerem, elaborando no seu caos primitivas condições de vida e de existência que são dados em partilha às terras habitadas; outros imaginaram que estes corpos extraordinários eram mundos em fase de destruição e a sua aparência singular foi para muitos tema de apreciações erradas sobre a sua natureza; de tal modo que não foi só a astrologia judicial que fez disso presságios de desgraça enviados por decretos providenciais à Terra espantada e assustada. 

  A lei da variedade é aplicada com uma profusão tão grande nos trabalhos da natureza, que nos questionamos como é que os naturalistas, astrónomos ou filósofos construíram tantas teorias para assimilarem os cometas aos astros planetários e para não verem neles mais do que astros num grau maior ou menor de desenvolvimento ou de caducidade. No entanto, os quadros da natureza deveriam ser amplamente suficientes para afastar do observador a preocupação de procurar relações que não existem e deixar aos cometas o papel modesto mas útil, de astros errantes servindo de exploradores dos impérios solares. Pois os corpos celestes em questão são muito diferentes dos corpos planetários; não têm de maneira nenhuma, como eles, a função de servir de morada às humanidades? Vão sucessivamente de sol em sol, por vezes enriquecendo-se pelo caminho com fragmentos planetários reduzidos ao estado de vapor, colher nos seus domicílios os princípios vivificantes e renovadores que derramam sobre os mundos  terrestres. (Capítulo IX, n.º 12.) 

  Se, quando um destes astros se aproxima do nosso pequeno globo para lhe atravessar a órbita e regressar ao seu apogeu situado a uma distância incomensurável do Sol, nós o seguimos, em pensamento, para visitar com ele as regiões siderais, franquearemos essa vastidão prodigiosa da matéria etérea que separa o Sol das estrelas mais próximas e observando os movimentos combinados deste astro que julgaríamos perdido no deserto do infinito, encontraríamos aí também uma prova eloquente da universalidade das leis da natureza (ique se exercem a distâncias que a imaginação mais fértil mal pode conceber. 

  Aí, a forma elíptica (i) toma a forma parabólica (i) e o andamento abranda ao ponto de só percorrer alguns metros no mesmo tempo em que no seu perigeu percorria vários milhares de léguas. Talvez um sol mais potente, mais importante do que aquele que acaba de abandonar usasse para com este cometa de uma atracção preponderante e o recebesse nas fileiras dos seus próprios súbditos e, então, os filhos espantados da vossa pequena Terra esperariam em vão o regresso que tinham prognosticado através de observações incompletas. Nesse caso, nós, cujo pensamento seguiu o cometa errante a essas regiões desconhecidas, encontraremos então uma nova nação impossível de encontrar pelos olhos terrestre, inimaginável para os Espíritos que habitam a Terra, inconcebível até para a sua mente, pois será teatro de maravilhas inexploradas. 

  Chegámos ao mundo astral nesse mundo deslumbrante dos vastos sóis que brilham no espaço infinito e que são as flores brilhantes do canteiro magnífico da Criação. Aí chegados, saberemos então o que é a Terra. 

                                                                                                            Espírito Galileu  

/… 

(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.) 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – Os cometas (de 28 a 31), 29º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida. 
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).