Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

o grande desconhecido ~


Acção Espírita na Transformação do Mundo ~ 

Três são os elementos fundamentais de que o Espiritismo se serve para transformar o nosso mundo num mundo melhor e mais belo: 

a) O Amor, 
b) O Trabalho, 
c) A Solidariedade. 

[...] 

(III de III) 

III – A Solidariedade 

A solidariedade espírita manifesta-se particularmente no campo da assistência à pobreza, aos doentes e desvalidos. O grande impulso nesse sentido foi dado, desde o início do movimento doutrinário na França, pelo livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec (i), que trabalhou em silêncio na elaboração dessa obra, sem nada dizer a ninguém. Seleccionou numerosas mensagens psicografadas, procedentes de diversos países em que o Espiritismo já florescia. A sua intenção era oferecer aos espíritas um roteiro para a prática religiosa, baseado no que ele chamava de essência do ensino moral do Cristo. Conhecendo profundamente a História do Cristianismo e as dificuldades com que os originais do Evangelho haviam sido escritos, em épocas e locais diferentes, bem como o problema dos evangelhos apócrifos e das interferências mitológicas nos textos canónicos e as interpolações ocorridas nestes, afastou todos esses elementos espúrios para oferecer aos espíritas uma obra pura, despojada de todos os acessórios comprometedores. O seu trabalho solitário e abnegado deu-nos uma obra-prima, que conta com milhões de exemplares incessantemente reeditados no mundo. Essa obra foi ameaçada com a tentativa de adulteração. Foi o maior atentado que a obra de Kardec já sofreu no mundo, pior que a queima dos seus livros em Barcelona pela Inquisição Espanhola. Muito pior, porque foi um atentado provindo dos próprios espíritas, através de uma instituição doutrinária que tem, por obrigação estatutária, defender, preservar e divulgar a Doutrina Espírita codificada por Kardec. A consequência mais grave desse facto lamentável foi a quebra da solidariedade espírita, a desconfiança e a mágoa provocadas entre velhos companheiros. O ataque das Trevas à vaidade e à ignorância de alguns espíritas invigilantes produziu os efeitos necessários. Sirva o exemplo doloroso para todos os que assumem encargos doutrinários, julgando receber prebendas e consagração. A vaidade excitada leva monges de pedra a se julgarem poderosos na aridez e na solidão dos desertos. 

solidariedade espírita não é apenas interna, entre os adeptos e companheiros. Projecta-se pelo menos em três dimensões: 

a) no plano social geral da comunidade espírita, além dos grupos domésticos e das instituições fechadas; 

b) envolve todas as criaturas vivas, protegendo-as, amparando-as, estimulando-as nas suas lutas pela transcendência, procurando ajudá-las sem nada pedir em troca, nem mesmo a simpatia doutrinária, pois quem ajuda não tem o direito de impor coisa alguma; 

c) eleva-se aos planos superiores para ligar-se a Kardec (i) e à sua obra, a todos os espíritos esclarecidos que lutam pela propagação do Espiritismo no mundo e a Deus e a Jesus na Solidariedade cósmica dos mundos solidários. 

Nessas três dimensões a Solidariedade Espírita realiza, como que apoiada em três poderosas alavancas, o esforço supremo de elevação do mundo, estimulando a transcendência humana. As mentes que ainda não atingiram a compreensão desse processo podem fechar-se em grupos e instituições de tipo igrejeiro, isolando-se nos seus ambientes de furna, onde os espíritos mistificadores (i) e embusteiros se acoitam facilmente. Mas na proporção em que os adeptos assim isolados, ou pelo menos alguns deles, procurarem realmente compreender a doutrina, a situação modifica-se, despertando os indolentes para actividades maiores. 

Todo o trabalho espírita é exigente e penoso, porque faz parte de uma grande batalha – a da Redenção do Mundo, iniciada pelo jovem carpinteiro Jesus, filho de Maria e José. Essa batalha não é a de Deus contra o Diabo, o estranho anjo de luz que se revoltou para fundar o Inferno. Essa ingénua concepção das civilizações agrárias e pastoris teve o seu tempo e a sua função, o seu efeito de controlo em fases de barbárie, mas não passa de uma alegoria inadequada ao nosso tempo. Tudo no Evangelho, como Kardec demonstrou, desde que afastado do clima mitológico, se torna claro e demonstra a posição evidentemente racional do Cristo. O jovem carpinteiro não pertencia à Era Mitológica e encerrou essa era com a sua passagem pela Terra e a propagação dos seus ensinos. O mito vingou-se dele, pois transformou-o também num mito. Por muito tempo, até aos nossos dias, a figura humana de Jesus figurou na nova mitologia, na fase romana do Renascimento Mitológico, em que se destacou a figura do Imperador Juliano, o Apóstata, que depois de aceitar o Cristianismo se apostatou e se empenhou na salvação dos seus deuses antigos. Os resíduos da mentalidade mitológica das civilizações arcaicas, particularmente a Grega e a Romana, reagiram, como era natural, contra o racionalismo cristão. Dessa maneira, na mente das populações bárbaras do Império Romano decadente, Jesus foi transformado num mito da Era Agrária. Os padres e bispos do Cristianismo nascente, todos impregnados pela carga mitológica de um longo passado de ignorância e superstições, não foram capazes de compreender o racionalismo (i) das proposições cristãs. Pelo contrário, cheios de medo e de espanto, contribuíram para a deformação do Cristianismo. Antes e depois da queda do Império, os cristãos fizeram concessões necessárias aos povos bárbaros para absorvê-los no seio da Religião Redentora. Onde quer que os cristãos se impusessem pela força do número e das armas, as igrejas pagãs eram transformadas em templos cristãos, conservando-se cautelosamente as tradições mitológicas mais arraigadas. O exemplo clássico e mais conhecido dessa táctica romana é a Catedral de Notre Dame, em Paris, que ainda guarda nos seus subterrâneos os restos do templo pagão da Deusa Lutécia (i). A Deusa pagã foi conservada no templo, mas com o nome de Nossa Senhora, para que o povo ingénuo aceitasse assim o culto cristão a Maria sob o prestígio secular da deusa pagã. Blavatsky (i) lembra que a Deusa Céres (i), divindade da fecundação e em muitas regiões, mais especificamente, deusa dos cereais, forneceu ao Cristianismo nascente uma das mais conhecidas imagens de Nossa Senhora, em que ela é representada com o manto estrelado do Céu, em pé sobre o globo terreno: Céres cobrindo a Terra com o seu manto celeste para fecundá-la. Esse mesmo processo de transposição acontece hoje no Sincretismo Religioso Afro-Brasileiro e nas formas de sincretismo (i) de outros países da América, onde os ritos e as figuras dos deuses ou santos católicos são absorvidos pelas religiões africanas transladadas pelo tráfico negreiro de escravos para o novo continente. Jesus (virou) Oxalá, Nossa Senhora passou a ser Iemanjá, São Jorge passou a chamar-se Ogum (deus da guerra), São Sebastião passou a chamar-se Oxum (deus da caça e, assim por diante). 

Basta lermos o Livro de Actos dos Apóstolos, no Evangelho e, as epístolas de Paulo (anteriores aos Evangelhos) para termos a confirmação dessa verdade histórica. Na primeira epístola de Paulo aos Coríntios, no tópico referente aos Dons Espirituais, temos uma descrição viva do chamado culto pneumático (do Grego: Pneuma, sopro, espírito), as sessões mediúnicas realizadas pelos primeiros cristãos e nas quais, segundo as pesquisas históricas modernas, que confirmam os dados da Tradição, manifestavam-se espíritos inferiores cheios de ódio a Cristo. Essas manifestações assustadoras foram consideradas como diabólicas, reforçando a imagem tradicional do Diabo na mente ingénua dos adeptos. 

A luta entre o Bem e o Mal é simplesmente o processo dialéctico da evolução. O Mal é a ignorância, o atraso, a superstição. O Bem é o conhecimento, o progresso, a adequação da mente à realidade. Essa é a grande luta das coisas e dos seres, figurada na revolta absurda de Luzbel, o anjo de luz que se entregou à inveja e se converteu em adversário de Deus. Esses símbolos de um passado bárbaro e longínquo ainda prevalecem na Terra como resíduos míticos que o tempo desgasta na proporção em que a Cultura se desenvolve. A Ciência incumbiu-se de ajustar a mente humana à realidade terrena, mas os homens envaideceram-se e negaram-se a si mesmos nas ideias materialistas, colocando-se abaixo de tudo quanto existe. Duro castigo que o orgulho humano ainda não reconheceu. A Ciência afirma que nada se perde na Natureza, tudo se transforma. O homem aprova isso com entusiasmo e ri de si mesmo (sem perceber), pois só ele não subsiste, só ele é pó que reverte ao pó. Essa é a verdadeira queda do homem, que se rebaixa ao pó num mundo em que tudo se eleva incessantemente na direcção dos planos superiores. A tentação simbólica de Jesus no deserto assemelha-se à tentação de Buda na floresta. É a tentação dos homens pelas fascinações dos bens terrenos. Quando o homem se apega à terra (com t minúsculo, porque a terra que pisamos e não o Globo Terreno), ele se nega evoluir e é castigado pelas forças da evolução, que o impelem a sair da sua toca de bicho para atingir a condição existencial da espécie. A lei da existência não é o pó, mas a transcendência. Pode o homem andar de joelhos pelas ruas e as estradas, jejuar, mortificar-se, ciliciar-se quanto quiser, mas com isso não se tornará melhor. Voltará às reencarnações (i) difíceis e dolorosas para aprender, no sofrimento e na decepção, que não se busca Deus rastejando, mas elevando-se no amor e na dedicação aos outros. As práticas religiosas de purificação são egoístas, aumentam a miséria humana e o apego do homem a si mesmo. As tentações que sofremos não vêm do Diabo, mas de nós mesmos, da nossa ignorância e do nosso apego hipnótico aos bens perecíveis da vida terrena. O Diabo é o Bicho-Papão dos adultos, o espantalho dos supersticiosos. Giovanni Papini, escritor católico italiano, contemporâneo, no seu livro Il Diavolo, escandalizou o Vaticano, pregando a conversão do Diabo. Não conseguia admitir esse mito impiedoso na sua teologia. O Padre Teilhard de Chardin, nos seus estudos teológicos, negou a condenação eterna do Diabo. O Espiritismo limita-se a mostrar a natureza mitológica do Diabo e a demonstrar, prática e logicamente, a impossibilidade da queda do Anjo Luzbel. A evolução espiritual é irreversível. O espírito que se elevou ao plano angélico não pode regredir, não pode ter inveja e outros sentimentos humanos. O anjo-mau é uma contradição em si mesmo, pois a Angelitude é a condição divina que o espírito busca e atinge na existência. A luta do homem para transformar o mundo é a luta do homem consigo mesmo, pois é ele quem faz o mundo e, o faz à sua imagem e semelhança. Deus criou a Terra e todos os mundos do espaço, mas deu cada mundo aos homens que os habitam, para que eles aprendam o seu ofício paterno de Criador, tentando criar o mundo humano que lhes compete. É evidente que existe o mundo físico, material, em que nascemos, vivemos e morremos. E é também inegável que, sobre esse mundo físico com os seus materiais, os homens construíram um mundo diferente, feito de artifícios humanos. O mundo material e a sua contraparte espiritual (que os cientistas começam a descobrir como antimatéria) constituem o mundo natural. Mas sobre ambas as partes desse mundo natural os homens constroem os seus mundos factícios. Cada Civilização é um mundo imaginário que o homem constrói com o seu trabalho, modelando com a argila e a pedra os seus sonhos e as suas ilusões. Esses mundos artificiais são o reflexo das ideações humanas na matéria. Nós os criamos, alimentamos, desenvolvemos, dirigimos e matamos. Os mundos bárbaros criados na Terra eram ingénuos; os mundos civilizados apresentam uma gradação que reflecte a evolução humana, indo das civilizações agrárias, fantasiosas e alegóricas até às grandes civilizações orientais, massivas e arrogantes e às Civilizações Teocráticas, míticas e supersticiosas; chegando às Civilizações Científicas, politeístas e pretensiosas, que se transformam em Civilizações Tecnológicas, materialistas e conflituais, que morrerão para dar lugar à Civilização do Espírito, na busca cultural da Transcendência. Segundo Toynbee, mais de vinte grandes civilizações já existiram na Terra. Agora está a surgir aos nossos olhos e sob os nossos pés uma Nova Civilização – a do Espírito – que podemos chamar de Cósmica ou Espiritual. É para preparar o advento dessa Civilização do Espírito que o Espiritismo surgiu. Não adianta querermos fazer do Espiritismo uma religião dogmática, carregada de misticismo tolo ou de materialismo alienante. As novas gerações que se encarnam para realizá-la não temem Deus nem o Diabo, simplesmente confiam nos planos irreversíveis de Deus, que se executam segundo as leis da consciência humana em relação telepática permanente com as entidades angélicas ao serviço de Deus. O Espiritismo é a Plataforma de Deus, aprovada pelos Espíritos Superiores para a transformação e elevação da Terra. 

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José Herculano Pires, Curso Dinâmico de Espiritismo, XVII – Acção Espírita na Transformação do Mundo, (III de III) – A Solidariedade, 19º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Somos as aves de fogo por sobre os campos celestes, acrílico de Costa Brites

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