Capítulo X
Considerações Políticas e Sociais – O papel da Mulher – A influência Céltica – As Artes – A Liberdade e o livre-arbítrio ~
(II de II)
Os nossos antepassados, dizíamos, tinham feito do
princípio da liberdade a base das suas instituições sociais e, ao mesmo tempo,
o coroamento da sua filosofia, visto que a liberdade social ocasiona,
logicamente, a liberdade moral, a da alma na Terra e no espaço. Aqui aparece a
questão, tão controvertida, da liberdade e do livre-arbítrio, duas palavras
para uma mesma ideia, porque o livre-arbítrio é a aplicação individual do princípio da liberdade.
A liberdade é a condição essencial do desenvolvimento,
do progresso e da evolução do homem. A lei da evolução,
deixando-nos o cuidado de edificarmos, através dos tempos, a nossa
personalidade, a nossa consciência e, portanto, o nosso destino, deve dar-nos
os meios para isso, assegurando-nos o exercício da nossa livre escolha entre o bem e o mal, visto que os méritos adquiridos constituem o preço da nossa
elevação.
O mesmo acontece quanto à consequência dos actos, o
encadeamento das causas e dos efeitos que recaem sobre nós. Daí a nossa
responsabilidade, inseparável do nosso livre-arbítrio, sem o qual
o ser não seria mais do que um joguete, uma espécie de
marionete nas mãos de uma potência externa, por consequência, um ser desprovido de originalidade e sem grandeza.
Tendo em vista a imensa trajectória que a alma deve
realizar através do tempo e do espaço, ela deve possuir o
livre-exercício das suas faculdades, a inteira disposição das energias que Deus
nela colocou, com os meios de as desenvolver. Que confiança poderíamos
ter no futuro, se nós nos sentíssemos joguetes cegos de uma força desconhecida,
sem vontade, sem energia moral?
Eis por que os druidas afirmavam o
princípio de liberdade desde a primeira Tríade e, mais
explicitamente, nas Tríades 22, 23 e 24:
22 – Três primeiras coisas
simultaneamente criadas: o homem, a liberdade, a luz.
23 – Três necessidades do homem:
sofrer, renovar-se (progredir), escolher.
24 – Três alternativas do homem: “Abred” e “Gwynfyd”,
necessidade e liberdade, mal e bem, todas as coisas estando em equilíbrio, e o
homem tendo o poder de se ligar a uma ou a outra, conforme a sua vontade.
Vão-me contrapor, certamente, a diferença das
faculdades nos homens; das vontades, dos caracteres, a força moral de uns e a
fraqueza de outros. Em face de um acto desleal, mas vantajoso, ou perante a
sedução das paixões, um homem poderá deixar-se seduzir enquanto que o outro
ficará inabalável, firme. Como medir a parte da liberdade atribuída a cada um,
como conciliar o problema do livre-arbítrio com as teorias do determinismo?
Neste assunto, como em tudo o que se relaciona com a
natureza íntima do ser, é preciso elevar-se acima dos horizontes
estreitos da vida presente e considerar as enormes perspectivas da evolução da
alma. É o que os druidas souberam
fazer com a sua doutrina, e o que, a seu exemplo, repetem os espiritualistas
modernos, pelo menos os da escola de Allan Kardec.
O círculo estreito dos conhecimentos, a exiguidade do nosso
campo de observação, a ignorância geral das origens e dos fins, são obstáculos
à solução dos grandes problemas. É preciso, para resolvê-los, elevar-mo-nos bem
alto pelo pensamento e considerar o conjunto das vidas da alma, a sua lenta
ascensão através dos séculos; então, tudo o que parecia confuso, obscuro,
inexplicável, se dissipa, se aclara.
Compreendemos como a nossa personalidade se
engrandece, pouco a pouco, pelas relações sucessivas das nossas vidas; como
a experiência e o julgamento se desenvolvem, e como a nossa liberdade se
afirma, cada vez mais, à medida que a nossa evolução se acentua e que
participamos mais intimamente na comunhão universal.
No início da sua imensa trajectória, o ser ignorante,
inexperiente, é submetido firmemente às leis universais que lhe comprimem e
limitam a acção. É o período inferior. Mas, à medida que ele se eleva na escala
dos mundos, o seu livre-arbítrio adquire uma amplitude sempre maior, até que,
tendo atingido as alturas celestes, o seu pensamento, a sua vontade e as suas
vibrações fluídicas se encontram em harmonia perfeita, isto é, em sincronismo
com o pensamento e a vontade divina; o seu livre-arbítrio é definitivo, ele já
não falhará mais.
Àqueles que exigem axiomas ou fórmulas científicas, pode dizer-se: o livre-arbítrio está, para cada um de nós, em relação directa com as perfeições conquistadas; enquanto que o determinismo está na razão inversa para com o progresso da evolução.
Apresentam-nos como oposição a previsão do futuro
entre certas pessoas. Mergulhando-se até às causas do passado; é
possível deduzir-lhe o porvir e predizer os acontecimentos futuros na medida em
que eles são a resultante lógica dos actos livremente cumpridos, o feixe dos
factos anteriores que se desenrolam, através dos tempos, na sua ordem lógica e
implacável. Ora, a reconstituição do passado pode ser obtida nos
fenómenos de exteriorização, (i) como também nas revelações
dos espíritos, bastante evoluídos para reencontrar, na memória subconsciente
dos pacientes, o encadeamento das suas vidas anteriores.
É assim que o espiritualismo experimental nos
demonstra, por factos, a existência do livre-arbítrio e nos fornece a prova de
que, sobre este ponto, como em tantos outros, os nossos antepassados não se
enganaram.
Entretanto, é preciso reconhecer que, com o nosso
planeta ocupando um grau pouco elevado na escala da evolução, o ser humano –
ainda que desfrutando de uma parte de liberdade suficiente para lhe ocasionar a
responsabilidade dos seus actos – não saberia possuir um livre-arbítrio
absoluto. É isso que os druidas definiram nestes
termos, desde a primeira Tríade, fazendo figurar entre as três unidades primitivas: “Um ponto de liberdade, onde se equilibram todas as
oposições.”
Esta fórmula exprime a acção das leis universais que
comprimem e restringem os nossos meios de acção. Nenhum ser está
abandonado a si mesmo; a influência providencial age sobre ele de duas
maneiras: pela consciência ela nos comunica as inspirações, as intuições
necessárias, tanto mais claras e precisas quanto mais aptos estivermos para
recebê-las pela orientação do nosso pensamento e da nossa vida; em
seguida, pela acção dos invisíveis, que se estende sobre nós, às vezes,
intensamente, para que se possa dizer que são os mortos que governam os vivos.
Cada um de nós pertence a um grupo espiritual, uma
família de almas em que todos os membros são solidários e evoluem em comum.
Todos estes espíritos, encarnados ou desencarnados (i),
desempenham, uns para com os outros, alternadamente, a função de protectores ou
de protegidos. Os que permanecem no espaço ajudam, inspiram, sustentam
aqueles que vivem e sofrem na Terra. Se os homens soubessem quanta assistência
lhes vem do Alto e quanta doce solicitude os envolve, eles teriam mais
segurança, mais confiança na lei superior de justiça e de harmonia que rege os
seres e os mundos. Eles dariam mais atenção às sugestões benéficas das quais
eles são objecto, em vez de permanecerem insensíveis e indiferentes a elas, por
efeito de uma liberdade mal empregada. Estas sugestões foram tais que se pode
afirmar que, por intermédio da nossa consciência, entrámos em contacto com as
coisas divinas.
Cada grupo de almas é dirigido e inspirado por um ou
mais espíritos eminentes cujos méritos os fizeram chegar às alturas celestes,
ao círculo de “Gwynfyd”,
de onde a irradiação de sua sabedoria e de sua experiência se estende, através
das distâncias, até aos membros de sua família ainda atrasados nos mundos da
matéria.
Noutra parte descrevemos, conforme as lições dos
nossos guias, as condições da vida celeste, as grandes tarefas e as missões
nobres que ela comporta; o crescimento gradual das percepções e das
sensações, a participação sempre mais intensa na obra eterna de poder e de
beleza que é o Universo e as felicidades obtidas ao preço de numerosas
existências de trabalho, de estudo e de provas.
Deus, dizem as Tríades, atribui a cada
alma nova o “Awen”, uma parcela
do génio que ela é chamada a desenvolver, na sequência dos tempos, de modo a
transformar, pouco a pouco, essa centelha primitiva num foco radiante que dote
o espírito de uma luz imperecível.
/…
(i) Ver O Problema do Ser e do Destino,
capítulo XIV.
LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Segunda parte, Capítulo X Considerações políticas e sociais, o
papel da mulher, a influência céltica, as artes, a liberdade e o
livre-arbítrio (II de II), 33º fragmento e o último
desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da liberdade; Ossian, Desaix, Kléber, Marceau, Hoche, Championent, pintura de Anne-Luis Girodet-Trioson)
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