Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo X

Considerações Políticas e Sociais  O papel da Mulher  A influência Céltica  As Artes  A Liberdade e o livre-arbítrio ~
(II de II)

 Os nossos antepassados, dizíamos, tinham feito do princípio da liberdade a base das suas instituições sociais e, ao mesmo tempo, o coroamento da sua filosofia, visto que a liberdade social ocasiona, logicamente, a liberdade moral, a da alma na Terra e no espaço. Aqui aparece a questão, tão controvertida, da liberdade e do livre-arbítrio, duas palavras para uma mesma ideia, porque o livre-arbítrio é a aplicação individual do princípio da liberdade.

 A liberdade é a condição essencial do desenvolvimento, do progresso e da evolução do homem. A lei da evolução, deixando-nos o cuidado de edificarmos, através dos tempos, a nossa personalidade, a nossa consciência e, portanto, o nosso destino, deve dar-nos os meios para isso, assegurando-nos o exercício da nossa livre escolha entre o bem e o mal, visto que os méritos adquiridos constituem o preço da nossa elevação.

 O mesmo acontece quanto à consequência dos actos, o encadeamento das causas e dos efeitos que recaem sobre nós. Daí a nossa responsabilidade, inseparável do nosso livre-arbítrio, sem o qual o ser não seria mais do que um joguete, uma espécie de marionete nas mãos de uma potência externa, por consequência, um ser desprovido de originalidade e sem grandeza.

 Tendo em vista a imensa trajectória que a alma deve realizar através do tempo e do espaço, ela deve possuir o livre-exercício das suas faculdades, a inteira disposição das energias que Deus nela colocou, com os meios de as desenvolver. Que confiança poderíamos ter no futuro, se nós nos sentíssemos joguetes cegos de uma força desconhecida, sem vontade, sem energia moral?

 Eis por que os druidas afirmavam o princípio de liberdade desde a primeira Tríade e, mais explicitamente, nas Tríades 22, 23 e 24:

22 – Três primeiras coisas simultaneamente criadas: o homem, a liberdade, a luz.

23 – Três necessidades do homem: sofrer, renovar-se (progredir), escolher.

24 – Três alternativas do homem: “Abred” e “Gwynfyd”, necessidade e liberdade, mal e bem, todas as coisas estando em equilíbrio, e o homem tendo o poder de se ligar a uma ou a outra, conforme a sua vontade.

 Vão-me contrapor, certamente, a diferença das faculdades nos homens; das vontades, dos caracteres, a força moral de uns e a fraqueza de outros. Em face de um acto desleal, mas vantajoso, ou perante a sedução das paixões, um homem poderá deixar-se seduzir enquanto que o outro ficará inabalável, firme. Como medir a parte da liberdade atribuída a cada um, como conciliar o problema do livre-arbítrio com as teorias do determinismo?

 Neste assunto, como em tudo o que se relaciona com a natureza íntima do ser, é preciso elevar-se acima dos horizontes estreitos da vida presente e considerar as enormes perspectivas da evolução da alma. É o que os druidas souberam fazer com a sua doutrina, e o que, a seu exemplo, repetem os espiritualistas modernos, pelo menos os da escola de Allan Kardec.

 O círculo estreito dos conhecimentos, a exiguidade do nosso campo de observação, a ignorância geral das origens e dos fins, são obstáculos à solução dos grandes problemas. É preciso, para resolvê-los, elevar-mo-nos bem alto pelo pensamento e considerar o conjunto das vidas da alma, a sua lenta ascensão através dos séculos; então, tudo o que parecia confuso, obscuro, inexplicável, se dissipa, se aclara.

 Compreendemos como a nossa personalidade se engrandece, pouco a pouco, pelas relações sucessivas das nossas vidas; como a experiência e o julgamento se desenvolvem, e como a nossa liberdade se afirma, cada vez mais, à medida que a nossa evolução se acentua e que participamos mais intimamente na comunhão universal.

 No início da sua imensa trajectória, o ser ignorante, inexperiente, é submetido firmemente às leis universais que lhe comprimem e limitam a acção. É o período inferior. Mas, à medida que ele se eleva na escala dos mundos, o seu livre-arbítrio adquire uma amplitude sempre maior, até que, tendo atingido as alturas celestes, o seu pensamento, a sua vontade e as suas vibrações fluídicas se encontram em harmonia perfeita, isto é, em sincronismo com o pensamento e a vontade divina; o seu livre-arbítrio é definitivo, ele já não falhará mais.

 Àqueles que exigem axiomas ou fórmulas científicas, pode dizer-se: o livre-arbítrio está, para cada um de nós, em relação directa com as perfeições conquistadas; enquanto que o determinismo está na razão inversa para com o progresso da evolução.

 Apresentam-nos como oposição a previsão do futuro entre certas pessoas. Mergulhando-se até às causas do passado; é possível deduzir-lhe o porvir e predizer os acontecimentos futuros na medida em que eles são a resultante lógica dos actos livremente cumpridos, o feixe dos factos anteriores que se desenrolam, através dos tempos, na sua ordem lógica e implacável. Ora, a reconstituição do passado pode ser obtida nos fenómenos de exteriorização, (i) como também nas revelações dos espíritos, bastante evoluídos para reencontrar, na memória subconsciente dos pacientes, o encadeamento das suas vidas anteriores.

 É assim que o espiritualismo experimental nos demonstra, por factos, a existência do livre-arbítrio e nos fornece a prova de que, sobre este ponto, como em tantos outros, os nossos antepassados não se enganaram.

 Entretanto, é preciso reconhecer que, com o nosso planeta ocupando um grau pouco elevado na escala da evolução, o ser humano – ainda que desfrutando de uma parte de liberdade suficiente para lhe ocasionar a responsabilidade dos seus actos – não saberia possuir um livre-arbítrio absoluto. É isso que os druidas definiram nestes termos, desde a primeira Tríade, fazendo figurar entre as três unidades primitivas: “Um ponto de liberdade, onde se equilibram todas as oposições.”

 Esta fórmula exprime a acção das leis universais que comprimem e restringem os nossos meios de acção. Nenhum ser está abandonado a si mesmo; a influência providencial age sobre ele de duas maneiras: pela consciência ela nos comunica as inspirações, as intuições necessárias, tanto mais claras e precisas quanto mais aptos estivermos para recebê-las pela orientação do nosso pensamento e da nossa vida; em seguida, pela acção dos invisíveis, que se estende sobre nós, às vezes, intensamente, para que se possa dizer que são os mortos que governam os vivos.

 Cada um de nós pertence a um grupo espiritual, uma família de almas em que todos os membros são solidários e evoluem em comum. Todos estes espíritos, encarnados ou desencarnados (i), desempenham, uns para com os outros, alternadamente, a função de protectores ou de protegidos. Os que permanecem no espaço ajudam, inspiram, sustentam aqueles que vivem e sofrem na Terra. Se os homens soubessem quanta assistência lhes vem do Alto e quanta doce solicitude os envolve, eles teriam mais segurança, mais confiança na lei superior de justiça e de harmonia que rege os seres e os mundos. Eles dariam mais atenção às sugestões benéficas das quais eles são objecto, em vez de permanecerem insensíveis e indiferentes a elas, por efeito de uma liberdade mal empregada. Estas sugestões foram tais que se pode afirmar que, por intermédio da nossa consciência, entrámos em contacto com as coisas divinas.

 Cada grupo de almas é dirigido e inspirado por um ou mais espíritos eminentes cujos méritos os fizeram chegar às alturas celestes, ao círculo de “Gwynfyd”, de onde a irradiação de sua sabedoria e de sua experiência se estende, através das distâncias, até aos membros de sua família ainda atrasados nos mundos da matéria.

 Noutra parte descrevemos, conforme as lições dos nossos guias, as condições da vida celeste, as grandes tarefas e as missões nobres que ela comporta; o crescimento gradual das percepções e das sensações, a participação sempre mais intensa na obra eterna de poder e de beleza que é o Universo e as felicidades obtidas ao preço de numerosas existências de trabalho, de estudo e de provas.

 Deus, dizem as Tríades, atribui a cada alma nova o “Awen”, uma parcela do génio que ela é chamada a desenvolver, na sequência dos tempos, de modo a transformar, pouco a pouco, essa centelha primitiva num foco radiante que dote o espírito de uma luz imperecível.

/…
(i) Ver O Problema do Ser e do Destino, capítulo XIV.


LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Segunda parte, Capítulo X Considerações políticas e sociais, o papel da mulher, a influência céltica, as artes, a liberdade e o livre-arbítrio (II de II), 33º fragmento e o último desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da liberdade; Ossian, Desaix, Kléber, Marceau, Hoche, Championent, pintura de Anne-Luis Girodet-Trioson)

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