as harmonias do Espaço (II)
As relações harmónicas que regem a situação dos planetas no
Espaço representam, como o estabeleceu Azbel, (i) a
extensão do nosso teclado sonoro e se encontram conforme a lei das distâncias e dos
movimentos. O nosso sistema solar representa uma espécie de edifício
de oito andares, isto é, oito oitavas, com uma escadaria formada de 320
degraus ou ondas harmónicas, sobre a qual os planetas estão colocados,
ocupando “patamares indicados pela harmonia de um acorde perfeito e
múltiplo”.
As dissonâncias são apenas aparentes ou transitórias. O acorde encontra-se no fundo
de tudo. As regras da nossa harmonia musical parecem ser apenas
consequência, aplicação muito imperfeita da lei da harmonia soberana que
preside à marcha dos mundos. Podemos, pois, crer, logicamente, que a
melodia das esferas seria inteligível para o nosso Espírito, se os
nossos sentidos pudessem perceber as ondas sonoras que enchem o Espaço. (ii)
A regra geral, embora absoluta, não é, entretanto, estreita
e rígida. Em certos casos, no de Neptuno, a harmonia relativa parece afastar-se
do princípio; nunca,
entretanto, de maneira a sair dele. O estudo dos movimentos
planetários fornece a demonstração evidente desse facto.
Nessa ordem de estudos, mais do que em qualquer outra, vemos
manifestar-se, em sua imponente grandeza, a lei do Belo que rege o Universo.
Mal a nossa atenção é dirigida para as imensidades siderais, a sensação estética torna-se
intensa. Essa sensação vai engrandecer-se agora e crescer, à medida
que se precisarem as regras da harmonia universal, à proporção que se
levantar para nós o véu que nos oculta os esplendores celestes.
Por toda a parte encontraremos essa concordância que encanta
e comove; nesse domínio, nenhuma dessas discordâncias, dessas
decepções, tão frequentes no seio da Humanidade.
Por toda a parte se desdobra essa potência de beleza
que leva ao infinito as suas combinações, abrangendo em igual unidade todas
as leis, em todos os sentidos: aritmética, geométrica, estética.
O Universo é um poema sublime do qual começamos a
soletrar o primeiro canto. Apenas discernimos algumas notas, alguns
murmúrios longínquos e enfraquecidos! Já essas primeiras letras do
maravilhoso alfabeto musical nos enchem de entusiasmo. Que será quando,
tornados mais dignos de interpretar a divina linguagem, percebermos,
compreendermos as grandes harmonias do Espaço, o acorde infinito na variedade
infinita, o canto modulado por esses milhões de astros que, na diversidade
prodigiosa de seus volumes e dos seus movimentos, afinam as suas vibrações por
uma simpatia eterna?
Perguntar-se-á, porém: Que diz essa música celeste, essa voz
dos céus profundos?
Essa linguagem ritmada é o Verbo por excelência,
aquele pelo qual todos os mundos e todos os seres superiores se comunicam entre
si, se chamam através das distâncias; pelo qual nos comunicaremos um
dia com as outras famílias humanas que povoam o Espaço estrelado.
É o princípio mesmo das
vibrações que servem para traduzir o pensamento, a telegrafia universal,
veículo da ideia em todas as regiões do Universo, linguagem das almas elevadas, entretendo-se
de um astro ao outro com as suas obras comuns, com o fim a atingir, com os progressos
a realizar.
É ainda um hino que os mundos cantam a
Deus, ora cântico de alegria, de adoração, ora de lamentações e de prece; é
a grande voz das coisas, o grito de amor que sobe eternamente para a Inteligência
ordenadora dos universos.
Quando, pois, saberemos destacar os nossos pensamentos e
elevá-los para os cimos? Quando saberemos penetrar esses mistérios do céu e
compreender que cada descobrimento realizado, cada conquista prosseguida nessa
senda de luz e de beleza, contribui para enobrecer o nosso espírito e para
engrandecer a nossa vida moral e nos proporcionar alegrias superiores a todas
as da matéria?
Quando, pois, compreenderemos que é lá, nesse
esplêndido Universo, que o nosso próprio destino se desenvolve, e estudá-lo é
estudar o próprio meio onde somos chamados a reviver, a evolver sem cessar,
penetrando-nos cada vez mais das harmonias que o enchem? Que em toda a
parte a vida se expande em florescências de Almas? Que o Espaço é povoado de
sociedades sem-número; às quais o ser humano está ligado pelas leis de sua
natureza e de seu futuro?
Ah! Quanto são de lamentar aqueles que desviam os
seus olhares desses espectáculos e o seu Espírito desses problemas! Não há
estudo mais impressionante, mais comovente, revelação mais alta da ciência e da
arte, mais sublime lição!
Não: o segredo da nossa felicidade, do nosso poder, do nosso
futuro, não está nas coisas efémeras deste mundo; reside nos ensinamentos do
Alto, do Além. E os educadores da Humanidade são muito inconscientes ou
muito culpados, porque não cuidam de elevar as Almas para os cimos onde
resplandece a verdadeira luz.
Se a dúvida ou a incerteza nos assediam; se a vida nos
parece pesada; se tateamos na noite à procura do fim; se o pessimismo e a
tristeza nos invadem; acusemos a nós próprios, porque o grande livro do
Infinito está aberto aos nossos olhos, com as suas páginas magníficas, das
quais cada palavra é um grupo de astros, cada letra um sol – o grande
livro onde devemos aprender a ler o sublime ensinamento. A Verdade ali
está escrita em letras de ouro e de fogo; chama solícita aos nossos
olhos – Verdade –, realidade mais bela que todas as lendas e todas as
ficções.
É ela quem nos conta a vida imperecível da Alma, as
suas vidas renascentes na
espiral dos mundos, as estações inumeráveis no trajecto radioso, o
prosseguimento do eterno bem, a conquista da plena consciência, a alegria de
sempre viver para sempre amar, sempre subir, sempre adquirir novas potências,
virtudes mais altas, percepções mais vastas. E, acima da possessão da
eterna Beleza, a felicidade de penetrar as leis, de associar-se mais
estreitamente à obra divina e à evolução das Humanidades.
Desses magníficos estudos, a ideia de Deus se expande mais
majestosa, mais serena. A ciência das harmonias celestes vale um pedestal
grandioso sobre o qual se erige a augusta figura – Beleza soberana cujo
brilho, muito ofuscante para os nossos fracos olhos, fica ainda velado, mas
irradia docemente através da obscuridade que a envolve.
Ideia de Deus – centro inefável para onde
verguem e se fundem, em síntese sem limites, todas as ciências, todas as artes,
todas as verdades superiores –, tu és a primeira e a última
palavra das coisas presentes ou passadas, próximas ou longínquas; tu és
a própria Lei, a causa única
de todas as coisas, a união absoluta, fundamental, do Bem e do Belo, que
reclama o pensamento, que exige a consciência e na qual a Alma humana encontra a
sua razão de ser e a fonte inesgotável de suas forças, de suas luzes, de suas
inspirações.
/…
(i) Azbel, Harmonia dos Mundos, pág. 10.
(ii) “O Sr. Emílio Chizat, diz Azbel (A música no
espaço), verifica que o jogo de órgão, chamado “vozes celestes”, é a aplicação
musical intuitiva do papel importante das “ideias de estrela”. É provável que
manifestações sinfónicas sejam feitas ulteriormente, a esse respeito, que
poderão reservar ao público impressões inesperadas. Que possam elas levar os
nossos músicos “terrestres”, que se extraviam, a noções um pouco mais altas e
reais do sacerdócio da harmonia, que deveriam preencher entre nós.”
Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte /
Deus e o Universo, IV As harmonias do Espaço 2 de 2,
15º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As majestosas e
violentas palavras dos poemas, pintura em acrílico de Costa Brites)
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