Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 1 de setembro de 2015

| o grande enigma ~

as harmonias do Espaço (II)

As relações harmónicas que regem a situação dos planetas no Espaço representam, como o estabeleceu Azbel, (i) a extensão do nosso teclado sonoro e se encontram conforme a lei das distâncias e dos movimentos. O nosso sistema solar representa uma espécie de edifício de oito andares, isto é, oito oitavas, com uma escadaria formada de 320 degraus ou ondas harmónicas, sobre a qual os planetas estão colocados, ocupando “patamares indicados pela harmonia de um acorde perfeito e múltiplo”.

As dissonâncias são apenas aparentes ou transitórias. O acorde encontra-se no fundo de tudo. As regras da nossa harmonia musical parecem ser apenas consequência, aplicação muito imperfeita da lei da harmonia soberana que preside à marcha dos mundos. Podemos, pois, crer, logicamente, que a melodia das esferas seria inteligível para o nosso Espírito, se os nossos sentidos pudessem perceber as ondas sonoras que enchem o Espaço. (ii)

A regra geral, embora absoluta, não é, entretanto, estreita e rígida. Em certos casos, no de Neptuno, a harmonia relativa parece afastar-se do princípionunca, entretanto, de maneira a sair dele. O estudo dos movimentos planetários fornece a demonstração evidente desse facto.

Nessa ordem de estudos, mais do que em qualquer outra, vemos manifestar-se, em sua imponente grandeza, a lei do Belo que rege o Universo. Mal a nossa atenção é dirigida para as imensidades siderais, a sensação estética torna-se intensa. Essa sensação vai engrandecer-se agora e crescer, à medida que se precisarem as regras da harmonia universal, à proporção que se levantar para nós o véu que nos oculta os esplendores celestes.

Por toda a parte encontraremos essa concordância que encanta e comove; nesse domínio, nenhuma dessas discordâncias, dessas decepções, tão frequentes no seio da Humanidade.

Por toda a parte se desdobra essa potência de beleza que leva ao infinito as suas combinações, abrangendo em igual unidade todas as leis, em todos os sentidos: aritmética, geométrica, estética.

O Universo é um poema sublime do qual começamos a soletrar o primeiro canto. Apenas discernimos algumas notas, alguns murmúrios longínquos e enfraquecidos! Já essas primeiras letras do maravilhoso alfabeto musical nos enchem de entusiasmo. Que será quando, tornados mais dignos de interpretar a divina linguagem, percebermos, compreendermos as grandes harmonias do Espaço, o acorde infinito na variedade infinita, o canto modulado por esses milhões de astros que, na diversidade prodigiosa de seus volumes e dos seus movimentos, afinam as suas vibrações por uma simpatia eterna?

Perguntar-se-á, porém: Que diz essa música celeste, essa voz dos céus profundos?

Essa linguagem ritmada é o Verbo por excelência, aquele pelo qual todos os mundos e todos os seres superiores se comunicam entre si, se chamam através das distâncias; pelo qual nos comunicaremos um dia com as outras famílias humanas que povoam o Espaço estrelado.

É princípio mesmo das vibrações que servem para traduzir o pensamento, a telegrafia universal, veículo da ideia em todas as regiões do Universo, linguagem das almas elevadas, entretendo-se de um astro ao outro com as suas obras comuns, com o fim a atingir, com os progressos a realizar.

É ainda um hino que os mundos cantam a Deus, ora cântico de alegria, de adoração, ora de lamentações e de prece; é a grande voz das coisas, o grito de amor que sobe eternamente para a Inteligência ordenadora dos universos.

Quando, pois, saberemos destacar os nossos pensamentos e elevá-los para os cimos? Quando saberemos penetrar esses mistérios do céu e compreender que cada descobrimento realizado, cada conquista prosseguida nessa senda de luz e de beleza, contribui para enobrecer o nosso espírito e para engrandecer a nossa vida moral e nos proporcionar alegrias superiores a todas as da matéria?

Quando, pois, compreenderemos que é lá, nesse esplêndido Universo, que o nosso próprio destino se desenvolve, e estudá-lo é estudar o próprio meio onde somos chamados a reviver, a evolver sem cessar, penetrando-nos cada vez mais das harmonias que o enchem? Que em toda a parte a vida se expande em florescências de Almas? Que o Espaço é povoado de sociedades sem-número; às quais o ser humano está ligado pelas leis de sua natureza e de seu futuro?

Ah! Quanto são de lamentar aqueles que desviam os seus olhares desses espectáculos e o seu Espírito desses problemas! Não há estudo mais impressionante, mais comovente, revelação mais alta da ciência e da arte, mais sublime lição!

Não: o segredo da nossa felicidade, do nosso poder, do nosso futuro, não está nas coisas efémeras deste mundo; reside nos ensinamentos do Alto, do Além. E os educadores da Humanidade são muito inconscientes ou muito culpados, porque não cuidam de elevar as Almas para os cimos onde resplandece a verdadeira luz.

Se a dúvida ou a incerteza nos assediam; se a vida nos parece pesada; se tateamos na noite à procura do fim; se o pessimismo e a tristeza nos invadem; acusemos a nós próprios, porque o grande livro do Infinito está aberto aos nossos olhos, com as suas páginas magníficas, das quais cada palavra é um grupo de astros, cada letra um sol – o grande livro onde devemos aprender a ler o sublime ensinamento. A Verdade ali está escrita em letras de ouro e de fogo; chama solícita aos nossos olhos – Verdade –, realidade mais bela que todas as lendas e todas as ficções.

É ela quem nos conta a vida imperecível da Alma, as suas vidas renascentes na espiral dos mundos, as estações inumeráveis no trajecto radioso, o prosseguimento do eterno bem, a conquista da plena consciência, a alegria de sempre viver para sempre amar, sempre subir, sempre adquirir novas potências, virtudes mais altas, percepções mais vastas. E, acima da possessão da eterna Beleza, a felicidade de penetrar as leis, de associar-se mais estreitamente à obra divina e à evolução das Humanidades.

Desses magníficos estudos, a ideia de Deus se expande mais majestosa, mais serena. A ciência das harmonias celestes vale um pedestal grandioso sobre o qual se erige a augusta figura – Beleza soberana cujo brilho, muito ofuscante para os nossos fracos olhos, fica ainda velado, mas irradia docemente através da obscuridade que a envolve.

Ideia de Deus – centro inefável para onde verguem e se fundem, em síntese sem limites, todas as ciências, todas as artes, todas as verdades superiores –, tu és a primeira e a última palavra das coisas presentes ou passadas, próximas ou longínquas; tu és a própria Lei, a causa única de todas as coisas, a união absoluta, fundamental, do Bem e do Belo, que reclama o pensamento, que exige a consciência e na qual a Alma humana encontra a sua razão de ser e a fonte inesgotável de suas forças, de suas luzes, de suas inspirações.

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(i) Azbel, Harmonia dos Mundos, pág. 10.
(ii) “O Sr. Emílio Chizat, diz Azbel (A música no espaço), verifica que o jogo de órgão, chamado “vozes celestes”, é a aplicação musical intuitiva do papel importante das “ideias de estrela”. É provável que manifestações sinfónicas sejam feitas ulteriormente, a esse respeito, que poderão reservar ao público impressões inesperadas. Que possam elas levar os nossos músicos “terrestres”, que se extraviam, a noções um pouco mais altas e reais do sacerdócio da harmonia, que deveriam preencher entre nós.”


Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte / Deus e o Universo, IV As harmonias do Espaço 2 de 2, 15º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As majestosas e violentas palavras dos poemas, pintura em acrílico de Costa Brites)

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