Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Hippolyte Léon Denisard Rivail


~~ Conselhos de Família ~

Certamente os nossos leitores se lembram do artigo que publicamos no mês de setembro último, sob o título de Uma Família Espírita. As comunicações seguintes são muito semelhantes. Com efeito, são conselhos ditados numa reunião íntima, por um Espírito eminentemente superior e benevolente. Distinguem-se pelo encanto e pela doçura do estilo, a profundidade dos pensamentos e, além disso, por matizes de extrema delicadeza, apropriados à idade e ao carácter das pessoas a quem eram dirigidas. O Sr. Rabache, negociante de Bordeaux, que nos serviu de intermediário, houve por bem autorizar a sua publicação. Só podemos felicitar os médiuns que obtêm coisas semelhantes. É uma prova de que gozam de simpatias felizes no mundo invisível.

Castelo de Pechbusque, novembro de 1859.

(Primeira sessão)

Foi perguntado ao Espírito protector da família se ele podia dar alguns conselhos aos membros presentes; ele respondeu:

Sim. Tenham confiança em Deus e procurem instruir-se nas verdades imutáveis e eternas que lhes ensina o livro divino da Natureza. Ele contém toda a lei de Deus e, os que o sabem ler e o compreendem são os únicos a seguirem o verdadeiro caminho da sabedoria. Que nada do que vejam seja negligenciado, porquanto cada coisa traz em si mesma um ensinamento e deve, pelo uso do raciocínio, elevar a alma para Deus e dele aproximá-la. Em tudo quanto ferir a inteligência, procurem sempre distinguir o bem do mal: o primeiro, para o praticar; o segundo, para o evitar. Antes de formular um julgamento, voltem sempre o pensamento para o ETERNOque os guiará ao bem, E NÃO OS ENGANARÁ NUNCA.

(Segunda sessão) 

Boa-noite, meus filhos. Se me amais, procurai instruir-vos; reuni-vos muitas vezes com este pensamento. Ponde as vossas ideias em comum: é um excelente meio, pois em geral não comunicamos senão as coisas que julgamos boas; temos vergonha das más. Assim, são guardadas em segredo ou só são comunicadas aos que queremos tornar cúmplices. Distinguem-se os bons dos maus pensamentos, porque os primeiros podem, sem nenhum receio, ser transmitidos a toda a gente, ao passo que os últimos não poderiam, sem perigo, ser comunicados senão a alguns. Quando vos vier um pensamento, para julgar do seu valor perguntai-vos se podeis torná-lo público sem inconveniente e se não fará mal: se a vossa consciência vo-lo autorizar, não temais, o vosso pensamento é bom. Dai-vos mutuamente bons conselhos, tendo em vista somente o bem daquele a quem os dais e, não o vosso. A vossa recompensa estará no prazer que experimentareis por terdes sido úteis. A união dos corações é a mais fecunda fonte de felicidades; e, se muitos homens são infelizes, é que só procuram a felicidade para si mesmos. Ela lhes escapa precisamente porque julgam encontrá-la somente no egoísmo. Digo a felicidade e não a fortuna, porquanto esta última só tem servido como sustentáculo à injustiça e, o objectivo da existência é a justiça. Se a justiça fosse praticada entre os homens, o mais afortunado seria aquele que realizasse maior soma de boas obras. Se, pois, quiserdes tornar-vos ricos, meus filhos, praticai muitas acções boas. Pouco importam os bens do mundo; não é a satisfação da carne que se deve procurar, mas a da alma. Aquela é efémera; esta é eterna.

Por hoje é bastante. Meditai estes conselhos e esforçai-vos por pô-los em prática: aí se encontra o caminho da salvação.

(Terceira sessão)

Sim, meus filhos, eis-me aqui. Tende confiança em Deus, que jamais abandona os que fazem o bem. Aquilo que julgais um mal, por vezes só o é em relação às vossas concepções. Muitas vezes, também, o verdadeiro mal vem apenas de um desânimo ocasionado por uma dificuldade, que a calma de espírito e a reflexão teriam evitado. Assim, reflecti sempre e, como já vos disse, reportai tudo a Deus. Quando experimentardes qualquer pesar, longe de vos abandonar à tristeza, ao contrário, resisti e fazei todos os esforços para triunfar, pensando que nada se obtém sem trabalho e, que algumas vezes o sucesso faz-se acompanhar de dificuldades. Invocai em vosso auxílio os Espíritos benevolentes. Eles não podem, como vos ensinam, fazer boas obras em vosso lugar, nem obter coisa alguma de Deus para vós, pois é preciso que cada um ganhe, por si mesmo, a perfeição a que todos estamos destinados; mas podem inspirar-vos ao bem, sugerir-vos conduta conveniente e ajudar-vos com o seu concurso. Não se manifestam ostensivamente, mas no recolhimento. Escutai a voz de vossa consciência, lembrando-vos dos meus conselhos precedentes. Confiança em Deus, calma e coragem.

(Quarta sessão)

Boa-noite, meus filhos. Sim, é preciso continuar as sessões, até que um médium se manifeste, para substituir o que deve deixar-vos. O seu papel de iniciador entre vós está cumprido: continuai o que começastes, porque também servireis um dia à propagação da verdade que, neste momento, é proclamada no mundo inteiro pelas manifestações espíritas. Persuadi-vos, meus filhos, de que, em geral, o que se entende na Terra por Espírito, não é Espírito senão para vós. Depois que esse Espírito, ou alma, se separa da matéria grosseira que o envolve, para vós já não tem corpo, porque os vossos olhos materiais já não o vêem. Mas é sempre matéria, relativamente aos que são mais elevados que ele. Para vós, crianças, vou fazer uma comparação muito imperfeita, mas que, no entanto, poderá dar-vos uma ideia da transformação a que chamais, impropriamente, de morte. Imaginai uma lagarta, que vedes diariamente. Quando se esgota o tempo de sua existência nesse estado ela se transforma em crisálida; passa ainda algum tempo como tal e depois, chegado o momento, despoja-se do seu invólucro grosseiro e dá origem a uma borboleta, que voa. Ora, a lagarta, ao deixar a sua natureza inferior, representa o homem que morre; a borboleta simboliza a alma que se eleva. A lagarta arrasta-se no chão, a borboleta voa para o céu; mudou de matéria, mas ainda é material. Se a lagarta raciocinasse não veria a borboleta que, entretanto, teria saído da carapaça apodrecida da crisálida. Portanto, o corpo não pode ver a alma, mas a alma, envolvida pela matéria, tem consciência de sua existência e o próprio materialista por vezes o sente interiormente. Então o seu orgulho o impede de concordar e fica com a sua ciência sem crença, sem se elevar, até que finalmente lhe chegue a dúvida. Nem tudo, porém, está acabado, porque nele a luta é maior. Será apenas uma questão de tempo, porque, meus amigos, lembrai-vos de que todos os filhos de Deus foram criados para a perfeição. Felizes os que não perdem tempo pelo caminho. A eternidade compõe-se de dois períodos: o da prova, que poderia chamar-se de incubação e, o da eclosão, ou entrada na vida verdadeira, que chamais a felicidade dos eleitos.

(Quinta sessão)

Meus Caros filhos, vejo com satisfação que começais a reflectir nos avisos e conselhos que vos dou. Sei que para o actual desenvolvimento de vossa inteligência, há, simultaneamente, muito assunto para reflexão; contudo, devo aproveitar a ocasião que se apresenta, porquanto, dentro de alguns dias esse meio já não estará à minha disposição e, era necessário ferir a vossa imaginação de maneira a vos sugerir o desejo de continuar as vossas sessões, até que algum de vós pudesse substituir o médium actual. Espero que essas poucas sessões, sobre as quais vos incito a meditar demoradamente, terão bastado para vos despertar a atenção e o desejo de aprofundar mais esse vasto campo de investigações. Tomai por regra nunca buscar a satisfação da vã curiosidade e, sim, de vos instruir e de vos aperfeiçoar. É inútil preocupardes-vos com a diferença que possa existir entre o que vos ensinarei e o que sabeis ou julgais saber. Cada vez que vos for dada uma instrução, perguntai se é justa e se responde às exigências da consciência e da equidade. Quando a resposta for afirmativa, não vos inquieteis por saber se concorda com o que vos tiver sido dito. Que vos importa isso! O importante é o justo, o consciencioso e o equitativo: tudo quanto reúne essas condições é de Deus. Obedecer a uma boa consciência, não fazer senão coisas úteis, evitar todas quanto, não sendo más, não tenham utilidade – eis o essencial; porque fazer algo de inútil já é fazer o mal. Evitai escandalizar, mesmo pelo vosso aperfeiçoamento: há situações em que a simples vista de vossa mudança pode produzir um mau efeito; assim, por exemplo, a luz do dia não poderia, sem perigo, ferir de súbito a vista de um homem encerrado num cárcere escuro. Que o vosso progresso, então, não seja entregue à investigação, senão conforme vos aconselhar a sabedoria. Aperfeiçoai-vos sempre; só o vereis quando for tempo. Aqueles para quem escrevo este conselho o compreendem, sem que eu tenha de ser mais explícito. A sua consciência lhes dirá.

Coragem, pois, e perseverança! São as únicas leis do sucesso.

Observação – O último conselho não poderia ter aplicação geral. Evidentemente o Espírito teve um objectivo especial, como ele próprio o disse; do contrário, poderíamos enganar-nos quanto ao sentido e ao alcance de suas palavras.

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Allan Kardec (i), aliás, Hippolyte Léon Denisard RivailConselhos de Família, (da Primeira à Quinta sessões, inclusive; Comunicações medianímicas recebidas no Castelo de Pechbusque, em novembro de 1859), publicadas no Jornal de Estudos Psicológicos, Paris, Janeiro de 1860, 21º fragmento da Revista objecto do presente titulo desta publicação.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra)