Certamente os nossos leitores se lembram do artigo que
publicamos no mês de setembro último, sob o título de Uma Família
Espírita. As comunicações seguintes são muito semelhantes. Com efeito, são
conselhos ditados numa reunião íntima, por um Espírito eminentemente superior e
benevolente. Distinguem-se pelo encanto e pela doçura do estilo, a profundidade
dos pensamentos e, além disso, por matizes de extrema delicadeza, apropriados à
idade e ao carácter das pessoas a quem eram dirigidas. O Sr. Rabache,
negociante de Bordeaux, que nos serviu de intermediário, houve por bem
autorizar a sua publicação. Só podemos felicitar os médiuns que obtêm coisas semelhantes. É uma prova de
que gozam de simpatias felizes no mundo invisível.
Castelo de Pechbusque, novembro de 1859.
(Primeira sessão)
Foi perguntado ao Espírito protector da família se
ele podia dar alguns conselhos aos membros presentes; ele respondeu:
Sim. Tenham confiança em Deus e procurem instruir-se nas
verdades imutáveis e eternas que lhes ensina o livro divino da Natureza. Ele
contém toda a lei de Deus e, os que o sabem ler e o compreendem são os únicos a
seguirem o verdadeiro caminho da sabedoria. Que nada do que vejam seja
negligenciado, porquanto cada coisa traz em si mesma um ensinamento e deve,
pelo uso do raciocínio, elevar a alma para Deus e dele aproximá-la. Em tudo
quanto ferir a inteligência, procurem sempre distinguir o bem do mal: o
primeiro, para o praticar; o segundo, para o evitar. Antes de formular um julgamento, voltem sempre o pensamento para o ETERNO, que
os guiará ao bem, E NÃO OS ENGANARÁ NUNCA.
(Segunda sessão)
Boa-noite, meus filhos. Se me amais, procurai
instruir-vos; reuni-vos muitas vezes com este pensamento. Ponde as vossas
ideias em comum: é um excelente meio, pois em geral não comunicamos
senão as coisas que julgamos boas; temos vergonha das más. Assim, são guardadas
em segredo ou só são comunicadas aos que queremos tornar cúmplices. Distinguem-se
os bons dos maus pensamentos, porque os primeiros podem, sem nenhum receio, ser
transmitidos a toda a gente, ao passo que os últimos não poderiam, sem perigo,
ser comunicados senão a alguns. Quando vos vier um pensamento, para
julgar do seu valor perguntai-vos se podeis torná-lo público sem inconveniente
e se não fará mal: se a vossa consciência vo-lo autorizar, não temais, o vosso
pensamento é bom. Dai-vos mutuamente bons conselhos, tendo em vista somente o
bem daquele a quem os dais e, não o vosso. A vossa recompensa
estará no prazer que experimentareis por terdes sido úteis. A união dos
corações é a mais fecunda fonte de felicidades; e, se muitos homens são
infelizes, é que só procuram a felicidade para si mesmos. Ela lhes
escapa precisamente porque julgam encontrá-la somente no egoísmo. Digo a
felicidade e não a fortuna, porquanto esta última só tem servido como
sustentáculo à injustiça e, o objectivo da existência é a justiça. Se a justiça
fosse praticada entre os homens, o mais afortunado seria aquele que realizasse
maior soma de boas obras. Se, pois, quiserdes tornar-vos ricos, meus filhos,
praticai muitas acções boas. Pouco importam os bens do mundo; não é a
satisfação da carne que se deve procurar, mas a da alma. Aquela é efémera; esta
é eterna.
Por hoje é bastante. Meditai estes conselhos e esforçai-vos
por pô-los em prática: aí se encontra o caminho da salvação.
(Terceira sessão)
Sim, meus filhos, eis-me aqui. Tende confiança em Deus, que
jamais abandona os que fazem o bem. Aquilo que julgais um mal, por vezes só o é
em relação às vossas concepções. Muitas vezes, também, o verdadeiro mal vem
apenas de um desânimo ocasionado por uma dificuldade, que a calma de espírito e
a reflexão teriam evitado. Assim, reflecti sempre e, como já vos disse,
reportai tudo a Deus. Quando experimentardes qualquer pesar, longe de vos
abandonar à tristeza, ao contrário, resisti e fazei todos os esforços para
triunfar, pensando que nada se obtém sem trabalho e, que algumas vezes o
sucesso faz-se acompanhar de dificuldades. Invocai em vosso auxílio os
Espíritos benevolentes. Eles não podem, como vos ensinam, fazer boas obras em
vosso lugar, nem obter coisa alguma de Deus para vós, pois é preciso que cada
um ganhe, por si mesmo, a perfeição a que todos estamos destinados; mas podem
inspirar-vos ao bem, sugerir-vos conduta conveniente e ajudar-vos com o seu
concurso. Não se manifestam ostensivamente, mas no recolhimento. Escutai a voz
de vossa consciência, lembrando-vos dos meus conselhos precedentes. Confiança
em Deus, calma e coragem.
(Quarta sessão)
Boa-noite, meus filhos. Sim, é preciso continuar as sessões,
até que um médium se manifeste, para substituir o que deve
deixar-vos. O seu papel de iniciador entre vós está cumprido: continuai o que
começastes, porque também servireis um dia à propagação da verdade que, neste
momento, é proclamada no mundo inteiro pelas manifestações espíritas. Persuadi-vos,
meus filhos, de que, em geral, o que se entende na Terra por Espírito, não é
Espírito senão para vós. Depois que esse Espírito, ou alma, se separa
da matéria grosseira que o envolve, para vós já não tem corpo, porque os vossos
olhos materiais já não o vêem. Mas é sempre matéria, relativamente aos que são
mais elevados que ele. Para vós, crianças, vou fazer uma comparação muito imperfeita, mas
que, no entanto, poderá dar-vos uma ideia da transformação a
que chamais, impropriamente, de morte. Imaginai uma lagarta, que vedes
diariamente. Quando se esgota o tempo de sua existência nesse estado ela
se transforma em crisálida; passa ainda algum tempo como tal e
depois, chegado o momento, despoja-se do seu invólucro grosseiro e dá origem a
uma borboleta, que voa. Ora, a lagarta, ao deixar a sua natureza inferior,
representa o homem que morre; a borboleta simboliza a alma que
se eleva. A lagarta arrasta-se no chão, a borboleta voa para o céu;
mudou de matéria, mas ainda é material. Se a lagarta raciocinasse não
veria a borboleta que, entretanto, teria saído da carapaça apodrecida da
crisálida. Portanto, o corpo não pode ver a alma, mas a alma,
envolvida pela matéria, tem consciência de sua existência e o próprio
materialista por vezes o sente interiormente. Então o seu orgulho o impede de
concordar e fica com a sua ciência sem crença, sem se elevar, até que
finalmente lhe chegue a dúvida. Nem tudo, porém, está acabado,
porque nele a luta é maior. Será apenas uma questão de tempo, porque, meus
amigos, lembrai-vos de que todos os filhos de Deus foram criados para a
perfeição. Felizes os que não perdem tempo pelo caminho. A eternidade
compõe-se de dois períodos: o da prova, que poderia chamar-se de incubação e, o
da eclosão, ou entrada na vida verdadeira, que chamais a felicidade dos
eleitos.
(Quinta sessão)
Meus Caros filhos, vejo com satisfação que começais a
reflectir nos avisos e conselhos que vos dou. Sei que para o actual
desenvolvimento de vossa inteligência, há, simultaneamente, muito assunto para
reflexão; contudo, devo aproveitar a ocasião que se apresenta,
porquanto, dentro de alguns dias esse meio já não estará à minha disposição e,
era necessário ferir a vossa imaginação de maneira a vos sugerir o desejo de
continuar as vossas sessões, até que algum de vós pudesse substituir o médium actual. Espero que essas poucas
sessões, sobre as quais vos incito a meditar demoradamente, terão bastado para
vos despertar a atenção e o desejo de aprofundar mais esse vasto campo de
investigações. Tomai por regra nunca buscar a satisfação da vã
curiosidade e, sim, de vos instruir e de vos aperfeiçoar. É inútil
preocupardes-vos com a diferença que possa existir entre o que vos ensinarei e
o que sabeis ou julgais saber. Cada vez que vos for dada uma instrução,
perguntai se é justa e se responde às exigências da consciência e da equidade.
Quando a resposta for afirmativa, não vos inquieteis por saber se concorda com
o que vos tiver sido dito. Que vos importa isso! O importante é o justo, o
consciencioso e o equitativo: tudo quanto reúne essas condições é de Deus. Obedecer
a uma boa consciência, não fazer senão coisas úteis, evitar todas quanto, não
sendo más, não tenham utilidade – eis o essencial; porque fazer algo de inútil
já é fazer o mal. Evitai escandalizar, mesmo pelo vosso aperfeiçoamento: há
situações em que a simples vista de vossa mudança pode produzir um mau efeito;
assim, por exemplo, a luz do dia não poderia, sem perigo, ferir de súbito a
vista de um homem encerrado num cárcere escuro. Que o vosso progresso,
então, não seja entregue à investigação, senão conforme vos aconselhar a
sabedoria. Aperfeiçoai-vos sempre; só o vereis quando for tempo. Aqueles
para quem escrevo este conselho o compreendem, sem que eu tenha de ser mais
explícito. A sua consciência lhes dirá.
Coragem, pois, e perseverança! São as únicas leis do sucesso.
Observação – O último conselho não poderia ter
aplicação geral. Evidentemente o Espírito teve um objectivo especial, como ele
próprio o disse; do contrário, poderíamos enganar-nos quanto ao sentido e ao
alcance de suas palavras.
/…
Allan Kardec (i),
aliás, Hippolyte Léon Denisard Rivail, Conselhos de Família, (da
Primeira à Quinta sessões, inclusive; Comunicações medianímicas recebidas
no Castelo de Pechbusque, em novembro de 1859), publicadas no Jornal
de Estudos Psicológicos, Paris, Janeiro de 1860, 21º fragmento da Revista objecto
do presente titulo desta publicação.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965
– Óleo sobre tela, de Noêmia
Guerra)
