A grande lição ~
De todos os prismas e aspectos sob os quais Jesus é visto
e estudado, o de Mestre é, a nosso ver, aquele que de mais perto nos interessa
e que melhor define a sua missão junto da Humanidade.
De facto, Jesus se apresenta no cenário terreno como mestre.
Por isso teve discípulos e se ocupou em ensiná-los pela palavra e pelo exemplo.
Segundo as suas categóricas afirmativas, em tal se resumia e se condensava a
suprema razão de sua passagem por este orbe.
Mas, que teria ele vindo ensinar aos homens? Que matéria,
que disciplina seria aquela que justificou e determinou a encarnação do Verbo
divino?
A propósito de tão magno assunto, assim se exprime o
padre Vieira:
“A Sabedoria divina descendo do céu à Terra a ser Mestre dos
homens, a nova cadeira que instituiu nesta grande universidade do mundo e a
ciência que professou foi só ensinar a ser santos e, nenhuma outra. A retórica,
deixou-a aos Túlios e aos Demóstenes; a filosofia, aos Platões e aos
Aristóteles; as matemáticas, aos Ptolomeus e aos Euclides; a médica, aos Apolos
e aos Esculápios; a jurisprudência, aos Solões e aos Licurgos; e para si tomou
só a ciência de ensinar o homem a ser bom e justo, honesto e amorável.”
Diz bem o grande tribuno lusitano. Na realidade, Jesus veio
ensinar aos homens a ciência do bem. Esta matéria, porém, como, aliás, todas as
disciplinas, deve ser ensinada mediante determinado método, obedecendo às leis
ou aos princípios pedagógicos que regem a arte e a ciência de educar.
Assim como a alfabetização é a primeira etapa de toda a
instrução, da mesma forma a ciência do bem tem o seu ponto inicial, a sua
primeira fase, sem cujo conhecimento não se pode prosseguir.
Esse primeiro passo chama-se humildade. É por isso que o Verbo divino, ao baixar à
Terra, deu, desde logo, com o seu nascimento no estábulo de Belém, o mais
frisante exemplo daquela virtude.
Mais tarde, iniciando as suas predicações com o Sermão da
Montanha, o ensinamento preliminar transmitido foi o seguinte: Bem-aventurados
os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos Céus.
Seguindo as suas pegadas, vamos encontrá-lo admoestando os
seus discípulos, entre os quais havia surgido a ideia de supremacia, com as
seguintes palavras:
“Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes humildes como uma criança, não entrareis no reino dos
céus... Sabeis que entre os gentios há príncipes e vassalos e, entre eles os
grandes exercem autoridade sobre os pequenos. Não é assim entre vós: mas, quem
quiser tornar-se grande no vosso meio, será esse o que vos sirva; e quem quiser
ser o primeiro, seja o servidor de todos, tal como o próprio Filho do homem,
que não veio para ser servido, mas para servir.”
Logo depois, ei-lo a destacar o mesmo ensino, através desta
tocante exclamação: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração. Só assim encontrareis descanso
para as vossas almas.” (Mateus, 11:29.)
Percutindo na repisada tecla, encontramo-lo a urdir a
parábola do fariseu e do publicano, ambos orando no templo. O primeiro da
seguinte maneira: “Meu Deus, graças te dou porque não sou como os demais
homens, que são ladrões, injustos, adúlteros; nem mesmo como aquele publicano; jejuo
duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, porém,
estando a alguma distância, não ousava nem mesmo levantar os olhos ao céu, mas
batia no peito, dizendo: “Ó Deus, sê propício a mim pecador.” Digo-vos que este
desceu justificado para a sua casa e, não aquele; porque todo aquele que se
exalta será humilhado, mas todo aquele que se humilha, será exaltado." (Lucas, 13:12 a 15.)
Insistindo ainda no mesmo ensinamento, vemos o Mestre, nas
vésperas de seu sacrifício, prosternado diante dos discípulos, na atitude de
servo, lavando-lhes os pés e fazendo-lhes esta solene observação: “Compreendeis
o que vos tenho feito? Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o
sou. Se eu, pois, sendo Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis
lavar os pés uns dos outros; porque vos dei o exemplo, a fim de que, como eu
fiz, assim façais vós também.” (João, 13:12 a 15.)
Finalmente, chegando o momento supremo, a hora de ser
crucificado, o Verbo Divino deixa-se cravar no madeiro infamante, entre
ladrões, coroando, com esse acto, a série de exemplificações sobre a importante
matéria que constituiu o pivô em torno do qual giram os magistrais ensinamentos
que legou à Humanidade.
Entre a manjedoura e a cruz — o alfa e o ómega do
Cristianismo — vemos refulgir, em caracteres indeléveis, a grande lição que
ainda não aprendemos: Humildade!
O sumo bem ~
Distribuir o pão do Espírito é, incontestavelmente, a
caridade por excelência, o bem excelso que nos é dado fazer à Humanidade.
Não existe outro meio de atendermos às grandes necessidades
do homem. Não há fortuna bastante vultosa para acudir aos reclamos materiais de
todos os indigentes, de todos os sofredores e miseráveis. Demais, o pão do
corpo tem que ser distribuído todos os dias, continuamente, aos mesmos
indivíduos. Só o pão do Espírito, uma vez ingerido, sacia para sempre.
Só a água viva aplaca a sede por completo e se transforma
em fonte interior, manando para a eternidade.
As necessidades do corpo são insaciáveis e complexas. São
insaciáveis, porque quotidianamente se apresentam sob os mesmos aspectos. São
complexas, porque são várias e múltiplas. O pão para a boca é de todos os dias.
O vestuário e o calçado se rompem e consomem, reclamando reformas constantes. O
tecto, que serve de abrigo ao corpo, está sujeito à acção das intempéries,
exigindo reparos de certo em certo tempo. As enfermidades são multiformes:
surgem do interior e vêm também do exterior. A cura de uma, quando possível,
não evita o aparecimento de outra. Se este está farto, aquele está nu. Esta
criança goza de saúde, aquela não tem ninho onde se refugie, nem afectos, nem
aconchegos. Esta mulher tem roupa e pão mas é enfermiça e fraca. É assim, ora o
pão, ora o fato, ora o lar, ora o médico e o remédio. — os reclamos do corpo jamais cessam e nunca se
resolvem.
O pão do espírito soluciona todos os problemas. Quanto mais
o espalhamos, mais se aumenta no nosso celeiro. Esse pão não está sujeito às
contingências do número; não tem peso, nem tem medida. Atira-se às multidões às
mancheias; todos o apanham e dele se servem, segundo as suas necessidades
pessoais. É, ao mesmo tempo, alimento vestuário, calcado, tecto, lar, saúde,
conforto, consolação, coragem, fortaleza. É tudo, porque é luz. Só a luz revela as causas dos nossos males. Sublata
causa, tollitur effectus. Tudo preenche, porque é amor; só o amor encerra em si mesmo a plenitude das
plenitudes.
O pão do Espírito é maravilhoso. Nunca se acaba nas mãos de
quem o recebe; multiplica-se nas mãos de quem o espalha. Com cinco desses
pães Jesus saciou
mais de cinco mil famintos. E não precisava de tantos: bastava-lhe um somente.
Tanto assim, que restaram ainda doze alcofas de sobejos. Este prodígio é a
alegoria do pão do céu, que Ele trouxe ao mundo, para sanar todos os seus males
e flagelos. Da distribuição de semelhante pão é que incumbiu aos seus
discípulos. Quando estes consideraram os milhares de estômagos vazios,
assediando o Mestre no deserto, disseram-lhe: Despede-os, Senhor; já vai o dia
em declínio e, onde acharemos pães para tanta gente? Alimentai-os, respondeu o
Cristo de Deus. Eles, porém, não perceberam de que espécie de pão Jesus
falara.
Por isso, está o mundo até hoje cheio de famintos, de nus, de enfermos, de órfãos, de
viúvas, de indigentes e de miseráveis. Ainda não se deu conta do único meio de
atender e assistir a todos esses carecentes. Já não há hospitais, nem médicos,
nem remédios para tantos enfermos. Não há asilos para tanta orfandade e para
tantos desamparados. Não há pão para tantos famélicos, nem há tectos para tantos desabrigados, nem há
fatos para tanta nudez, nem há consolação para tantos aflitos, precisamente
porque escasseiam os distribuidores do pão espiritual, precisamente porque os
despenseiros do Cristo ainda não compreenderam a ordem do Mestre e julgam que o
emprego de outros processos possam conjurar os males do século.
Só o pão do Espírito soluciona efectivamente os problemas da
vida, neste e noutro plano. Só o pão do Espírito pode acabar com as misérias do
mundo, é por isso que os males que afectam a matéria têm origem na alma.
Espalhando, portanto, o pão da terra, não esqueçamos o pão
do céu. Este sintetiza o bem dos bens, o bem por excelência, o sumo bem que nos
é dado fazer a outrem.
As milícias do Céu ~
Existem milícias no céu como existem na Terra, embora visando
a alvos diametralmente opostos Ordem, disciplina, aprendizagem, manobras,
arregimentação, planos, estratégias, combates e pelejas porfiadas, batalhões
aguerridos, estado maior, oficiais, soldados, etc. — tudo como na Terra.
O centurião que procurou Jesus para
curar-lhe o fâmulo que se encontrava gravemente enfermo, mostrou compreender
perfeitamente a organização do exército sideral. Respondendo a Jesus que
prometera atendê-lo indo a sua casa, disse: “Senhor, não é preciso que te
incomodes tanto. Nem eu mesmo sou digno de te receber em minha casa. Dize
somente uma palavra e, o meu servo se curará. Eu também sou homem sujeito à
autoridade e, tenho inferiores às minhas ordens e, digo a este: vem cá, e ele
vem; faze isto, e ele faz”. (Mateus, 8:8 e 9.)
Pelos dizeres acima, vemos que o centurião compreendia
perfeitamente aquilo que até hoje muitos ignoram, isto é, a maneira de Jesus
agir através das milícias do céu. A analogia que ele estabeleceu, como chefe de
cem inferiores, entre o seu comando e o comando de Jesus dirigindo os batalhões
celestes, é das mais felizes para aclarar o modo de acção empregado pelo
Redentor do mundo na obra da salvação.
Paulo confirma a ideia do centurião, como se verifica
destas suas palavras: “Não são todos os anjos espíritos ministrantes enviados
para exercer o seu ministério a favor dos que hão de herdar a salvação?”.
A Kardec foi dada a seguinte mensagem com referência aos
soldados da luz:
“Os espíritos do Senhor, que são as virtudes do céu qual
imenso exército que se põe em marcha desde que para isso recebeu ordem,
espalham-se sobre toda a superfície da terra; semelhantes às estrelas que caem
do céu, eles vêm iluminar os caminhos e abrir os olhos dos povos.
Eu vos digo que, em verdade, são chegados os tempos em
que todas as coisas devem ser restabelecidas no seu sentido verdadeiro, a fim
de dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos.
As vozes do céu retinem como o som da trombeta e o coro
dos anjos se reúnem. Homens! nós vos convidamos ao divino concerto; que as
vossas mãos tomem a lira, que as vozes se harmonizem e, em um hino sagrado se
alteiem e vibrem de um extremo ao outro do Universo. Homens! irmãos a quem
amamos, estamos junto de vós. Amai-vos também uns aos outros e, dizei do fundo
de vossos corações: "Senhor! Senhor! e podereis entrar no reino dos
céus."
Há, portanto, exércitos divinos como os há humanos. A
diferença é que aqueles combatem por amor e, estes, por egoísmo. O amor fecunda as almas prodigalizando a vida e
vida em abundância. O egoísmo vai disseminando entre os homens o
luto, a dor e a morte. No combate sustentado pelas milícias celestes não há
vencidos: todos são vencedores. Não se aniquila o adversário, não se humilha o
prisioneiro: são este e aquele convertidos em aliados, compartilhando os louros
da vitória. Combate original, porque é combate de amor. Enquanto os exércitos
terrenos sustentam e multiplicam as causas de separação, fomentando rivalidades
e ódios, os exércitos do céu desfazem os dissídios, confraternizando as raças,
irmanando os povos, conjugando os credos.
Milícias do céu! Geradores da fé, portadores de
esperança, mensageiros do amor! Prossegui na vossa divina tarefa, sob a chefia
de Jesus, actuando nos corações, para que os homens se convertam e se
confraternizem, proclamando em uníssono: Pai nosso que estás nos céus, seja
feita a tua vontade aqui na terra como já é feita nos planos de luz onde reina
a justiça!
/…
“Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu,
comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra.”
Pedro de Camargo
“Vinícius”
Pedro de Camargo “Vinícius” (i), Em
torno do Mestre, 1ª Parte / Seixos e Gravetos; A grande lição
/ O sumo bem / As milícias do Céu, 15º fragmento desta obra. (imagem de contextualização: Jesus em casa de
Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), pintura de Johannes
Vermeer)