Psicologia da Morte
Na dramática História da Psicologia, em que tantos caminhos
e descaminhos foram trilhados, surgiu neste século de novidades violentas
a psicologia da Morte, resultante das ressurreições clínicas produzidas nos
hospitais, através das técnicas médicas de restabelecimento das pulsações
cardíacas em pessoas vitimadas por morte súbita. Nos Estados Unidos, a Dra. Ross,
tornou-se famosa, com as suas investigações minuciosas sobre as sensações e
visões ocorridas durante o estado de quase-morte (EQM) e
descritas pelos pacientes ressuscitados. A Psicologia voltou à fase da
introspecção, dependendo dos relatos dos pacientes, mas agora já apoiada em
longas e profundas pesquisas instrumentais. Os relatos dos pacientes podem ser
comparados com as observações e as sondagens clínicas. A verdade é que estes
factos sempre aconteceram, em todo o mundo, mas só agora estão a ser submetidos
à pesquisa científica. A técnica da mecânica de ressurreição, com massagens e
ginástica dos braços, deu tranquilidade ao materialismo científico. Mas a inquietação provocada
pelos relatos orais dos pacientes criou alguns problemas, impedindo a
explicação simplória da
vida como efeito de mecanismos orgânicos. A morte perderia com isso
o seu prestígio e a vida se transformaria numa questão de relojoaria. Bastaria
accionar o pêndulo parado para se pôr o defunto a prumo e restabelecer o seu
tic-tac. Mas a vida e a morte não se mostraram assim tão dóceis, não quiseram
satisfazer os biólogos e os químicos empenhados em produzir vida em
laboratório. Não obstante, neste caso, não apareceram as intervenções de
poderes extracientíficos, à maneira do que fizeram os clérigos no passado, ao
interromperem as pesquisas com anátemas e maldições. Menos felizes que os
psicólogos da morte foram os pesquisadores soviéticos que, na Universidade de
Kirov, conseguiram provar a existência do corpo bioplásmico dos seres vivos, o
que lhes custou a excomunhão estatal, reforçada fora da URSS pelas condenações
das Igrejas através de instituições científicas por elas controladas. O mesmo
já havia acontecido nos Estados Unidos com o problema da reencarnação e
o das pesquisas parapsicológicas. O Prof. Rhine, da
Universidade de Duke, teve de reagir contra os psicólogos que o criticavam,
mostrando que usavam contra as suas pesquisas métodos anti-científicos, com os
simples argumentos, sem a contra-prova experimental. Mas tudo isso pertence ao
processo de desenvolvimento das Ciências, que é uma luta incessante contra os
preconceitos e as crendices institucionalizadas. A verdade é que, de todas
estas lutas, restou o facto inegável da possibilidade de elaboração da
Psicologia da Morte. A pesquisa no homem vivo reintegra a morte na sua natureza
psico-biológica, tirando-lhe os
aspectos misteriosos e o sentido de sobrenatural que teólogos e gurus lhe deram
através dos séculos. Toda a mitologia igrejeira da morte, da ressurreição e do
renascimento ou reencarnação caem por terra com os seus arranjos e adereços,
para que a Morte, como a Verdade, possa sair do fundo do poço com a sua nudez
clássica.
Ao mesmo tempo, no precioso filão das explorações da morte,
de que tanta gente tem vivido à tripa-forra, surgiram as tentativas
de manutenção da morte em conserva, com os cadáveres de milionários congelados,
em catalepsia forçada,
na manutenção precária de uma sub-vida sem nenhuma perspectiva. Faltam-nos os
recursos básicos para uma experiência realmente científica nesse campo, que são
o frio absoluto e um soro mágico que impedisse as queimaduras do gelo absoluto,
que Barnayll inventou em Nas Noites dos Tempos, em termos de ficção
científica. Mas como a esperança é a última a morrer e os milionários podem
pagar todas as esperanças, é evidente que essas tentativas prosseguirão
livremente.
As pesquisas parapsicológicas provaram a existência da
percepção extra-sensorial nos animais. Nas pesquisas espíritas, mais antigas e mais
profundas, as manifestações físicas de animais foram amplamente verificadas.
Animais domésticos mortos foram materializados,
comprovando a sua sobrevivência ao fenómeno da morte. Em São Paulo, no famoso
Grupo Espírita de Odilon Negrão, deu-se a manifestação ectoplásmica inesperada
de um cachorro de raça, pertencente à família de um amigo. Três médiuns de
materialização participaram na reunião: a D. Hilda Negrão, o Dr. Urbano de Assis
Xavier, cirurgião-dentista, e o Dr. Luis Parigote de Sousa, médico. Nenhum
dos presentes pensava no cachorro, que tinha morrido na Fazenda da família, em
São Manuel. Foram os espíritos controladores do trabalho que anunciaram a
presença do animal, pelo fenómeno de voz-directa (a voz do espírito vibrando no
ar, sem intermediário mediúnico). O Dr. António, presente, foi quem reconheceu
o animal, que, materializando-se, se dirigiu a ele, festejando-o. O prof. Ernesto Bozzano,
famoso cientista e pesquisador espírita de Milão (Itália), verificou e estudou
vários casos desta natureza. Os anais das Sociedades de pesquisas Psíquicas de
Inglaterra e dos Estados Unidos registam numerosos casos destes espontâneos. Conan Doyle, o
famoso escritor e historiador inglês, médico e pesquisador psíquico, obteve
fotografias de fenómenos semelhantes. Kardec foi o
primeiro a constatar esta realidade, hoje na pauta das pesquisas
parapsicológicas. John Gunter, famoso repórter e ensaísta alemão, no seu livro Nestes
Tempos Tumultuosos, nas vésperas da II Guerra Mundial, relata uma curiosa
manifestação de um cachorro de raça, de grande porte, que assombrava um Hotel
de Luxo da Baviera. A manifestação deu-se à sua frente, na escadaria do Hotel.
Estes factos puseram por terra as teorias cartesianas sobre os animais-máquina,
movidos apenas por instintos e, as doutrinas religiosas que atribuem alma exclusivamente aos
seres humanos. Esse antropocentrismo, bem ao gosto da vaidade dos homens, já
foi também abalado pelas pesquisas da Psicologia Animal e pelas pesquisas
parapsicológicas. Com isso, reafirma-se o princípio espírita da evolução
geral dos seres através das espécies, sustentadas por Roussell Wallace,
o cientista inglês que se opôs ao materialismo das teorias de Darwin. Os resultados
de pesquisas e factos espontâneos demonstram que a lógica da natureza é superior
à lógica pretensiosa dos homens.
A Psicologia Sem Alma, de Watson, nos Estados
Unidos, negou a própria alma humana, baseando-se nas teorias do reflexo russo
de Betcherev e Pavlov,
mas acabou reduzida a um sistema mecanicista de interpretação do homem.
Freud não
era espiritualista, mas foi obrigado a penetrar nas profundezas da alma nas
suas pesquisas do inconsciente. A complexidade do dinamismo anímico por ele
revelada contraditava flagrantemente com a simplicidade não raro ingénua das
suas conclusões negativistas. Contrariando Descartes, que
descobriu na sua própria alma a ideia de Deus e elevou esse facto à condição de
lei universal, Freud perdeu-se nos subterrâneos da libido e considerou a ideia
de Deus como simples introjecção do mito fálico no inconsciente. Carl Jung, seu discípulo,
insurgiu-se contra o mestre, formulando a teoria dos arquétipos, em que o
arquétipo Supremo é a ideia de Deus, que Kant considerou
como o supremo conflito formulado pela mente humana. No seu livro O
Homem Descobre a Sua Alma, Jung sustenta a impossibilidade
ontológica de excluirmos a alma da realidade ôntica da pessoa humana.
Nesse livro, Jung declara, em 1944, estar convencido de que “o estudo
científico da alma é a Ciência do Futuro". No campo da Parapsicologia a
contribuição de Jung foi a mais importante, com a sua teoria das coincidências
significativas, com a qual superou as grosseiras comparações da mente com as
emissões radiofónicas, demonstrando que não há emissão de energias físicas no
processo telepático, mas coincidências mentais num plano de afinidade
supra-sensível. Nas suas memórias, Jung relata factos paranormais de que foi
participante e até mesmo produtor, certa vez quando discutia o problema com
Freud, tendo este se negado a analisar a questão, que lhe parecia fora do seu
campo de estudos.
Para Rhine, a Psicologia
não pode desviar-se do seu objecto, que é a alma. Por isso acusou a Psicologia
actual de haver perdido o seu objecto, transformando-se numa ecologia,
como ciência do comportamento humano, das relações do sujeito com o meio em que
vive. A Psicologia da Alma abrange necessariamente o novo ramo das Ciências
Psicológicas, que revela a dinâmica essencial das relações corpo-alma durante a
vida e no momento da morte, quando a alma ou espírito se liberta do seu
condicionamento carnal. Já dizia o padre Vieira: “Quereis
saber o que é alma? Vede um corpo sem alma.” A morte é o momento em que a alma
e o seu instrumento de
manifestação material, o corpo carnal, se mostram separados. Neste
estado de separação o corpo material imobiliza-se e o corpo bioplásmico dos
pesquisadores russos da Universidade de Kirov continua em
actividade, desprendendo-se do
corpo carnal. O corpo espiritual da tradição cristã, que Kardec chamou de perispírito,
pois se apresenta como um envoltório semimaterial do espírito propriamente
dito, foi considerado pelos russos como da vida. A designação científica de
bioplásmico define-o na sua natureza e nas suas funções. Bio,
porque é vida, corpo vital e, plásmico porque é constituído
por um plasma físico, elemento formado de partículas atómicas livres, não
ligadas a nenhuma constelação atómica, a nenhum átomo. Este corpo, que foi
fotografado pelos russos, através das câmaras Kirlian de
fotografias paranormais, apresenta-se brilhante e transparente como se fosse de
vidro. As pesquisas com vegetais e animais, em Kirov, provaram que este corpo
rege todas as funções do corpo carnal e oferece uma visão total do estado de
saúde, doença ou aproximação de estados mórbidos do corpo carnal.
Tudo isto corresponde exactamente ao que a pesquisa espírita
já havia revelado sobre o perispírito. O corpo carnal só se cadaveriza quando o
corpo bioplásmico se desligou completamente dele. Então a morte consuma-se. É importante que esta descoberta tenha sido feita na URSS por cientistas materialistas, confirmando plenamente as conquistas da Ciência Espírita, feitas por Kardec e por cientistas do maior renome como Crookes, Richet, Crawford, Zöllner, Scherenck-Notzing, Paul Gibier, Ochorovicz e outros. Tivemos ocasião de ver esse corpo em algumas das nossas experiências
mediúnicas, muito antes das pesquisas de Kirov. As pesquisadoras da
Universidade de Prentice Hall, nos Estados Unidos, que foram à URSS, viram as
fotografias e entrevistaram os cientistas responsáveis pelas pesquisas de
Kirov, mostraram-se deslumbradas com o corpo espiritual do homem. O relato
completo dessa descoberta pode ser lido no livro Experiências Psíquicas
Por Trás da Cortina de Ferro, de Lynn Schroeder e Sheila Ostrander, da
Editora Cultrix, São Paulo. O título inglês não se refere a experiências, mas a
descobertas. A edição original americana é da própria Universidade de Prentice
Hall, mas há edições posteriores da Editore Bentam Books, de Nova York.
A Psicologia da Morte não ficará, certamente, restrita aos
problemas específicos da relação alma-corpo. A morte nasce das entranhas da
vida; por isso, vida e morte caminham juntas, de mãos dadas, ao longo da
existência. Costuma dizer-se que começamos a morrer desde que
nascemos. Buda dizia que a morte nos visita 75 vezes em cada uma das nossas
respirações. A Psicologia da Morte, portanto, deve começar na vida, pesquisando
as diversas formas por que as criaturas em geral encaram a morte, como a sentem
em relação a si mesmas e em relação aos outros, que influências a morte exerce
na vida das pessoas; quais os sentimentos que determinam certas atitudes em
face da morte; como se encara hoje o problema das exigências religiosas na hora
da morte e nos funerais; qual o efeito do terror da morte no comportamento das
criaturas em várias idades; como se poderá mudar tudo isto em favor de
condições melhores e assim por diante. A observação de Heideggard sobre
a nossa tendência de sempre falarmos da morte como sendo dos outros e não
nossa, merece especial atenção nas pesquisas. Vivemos num mundo que só
conhecemos por uma face, embora sabendo que a outra face nos espreita.
Conhecemos a face da vida, sempre voltada para nós, mas nada ou quase nada
sabemos da face da morte. Que efeitos terá essa situação no nosso psiquismo? Os
homens matam-se por coisas mínimas. Quais os impulsos reais que levam os homens
a essa situação brutal e inconsequente? Por que a morte parece não afectar a
maioria das criaturas, que vivem sem preocupação com ela?
Se a Psicologia da Morte não se interessar pela vida,
fracassará na sua tentativa de esclarecer os problemas da morte e de
ajustar-nos conscientemente ao facto de que nascemos para morrer. Só poderemos
compreender a vida depois de compreendermos a morte. Não é estranho que
tenhamos feito tudo ao contrário, até agora, temendo e ao mesmo tempo
desprezando a morte? A morte é certa, dizem com indiferença. Não obstante, a
morte é geralmente incerta, pois não sabemos quando e de que maneira chegará.
Se todos nos interessássemos mais pela morte, não poderíamos viver melhor, com
menos ambições e desespero inúteis? A Psicologia da Morte não surge por acaso.
Na mortalidade massiva do nosso tempo a morte adquire maior importância do que
a vida; porque sabemos que estamos na vida e a conhecemos bem. Mas e a morte?
"As EQM (experiências de quase-morte), vários outros estudos (i)
José Herculano Pires, Educação para a Morte, 18 – Psicologia
da Morte, 23º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: O caranguejo,
pintura de William-Adolphe
Bouguereau)