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domingo, 6 de abril de 2025

o problema do | ser


(Quem sou... o que faço aqui... de onde vim... para onde vou...)

Estados vibratórios da Alma – A memória

(por Léon Denis)

A vida é uma vibração imensa que enche o universo e cujo foco está em Deus. Cada alma, centelha destacada do Foco Divino, se torna, por sua vez, um foco de vibrações que hão de variar, aumentar de amplitude e intensidade, consoante o grau de elevação do ser. Esse facto pode ser verificado experimentalmente. (ii)

Toda a alma tem, pois, a sua vibração particular e diferente. O seu movimento próprio, o seu ritmo, é a representação exacta do seu poder dinâmico, do seu valor intelectual, da sua elevação moral.

Toda a beleza, toda a grandeza do universo vivo se resume na lei das vibrações harmónicas. As almas que vibram uníssonas reconhecem-se e chamam-se através do espaço. Daí as atracções, as simpatias, a amizade, o amor! Os artistas, os sensitivos, os seres delicadamente harmonizados conhecem essa lei e lhe sentem os efeitos. A alma superior é uma vibração na posse de todas as suas harmonias.

A entidade psíquica penetra com as suas vibrações todo o seu organismo fluídico, o perispírito, que é a sua forma e imagem, a reprodução exacta da sua harmonia pessoal e da sua luz; mas chegada a encarnação (i) e essas vibrações vão reduzir-se, amortecer-se debaixo do invólucro carnal (corpo). O foco interior já não poderá projectar para o exterior senão uma radiação enfraquecida, intermitente. Entretanto, no sono, no sonambulismo, no êxtase, desde que à alma se abra uma saída através do invólucro de matéria que a oprime e agrilhoa, restabelece-se imediatamente a corrente vibratória e o foco torna a adquirir toda a sua actividade. O Espírito encontra-se novamente nos seus estados anteriores de poder e liberdade. Tudo o que nele dormia desperta. As suas numerosas vidas reconstituem-se, não só com os tesouros do seu pensamento, com as reminiscências e aquisições, mas também com todas as sensações, alegrias e dores registadas no seu organismo fluídico. É essa a razão pela qual, no transe, a alma, vibrando as recordações do passado, afirma as suas existências anteriores e reata a cadeia misteriosa das suas transmigrações.

As menores particularidades da nossa vida registam-se em nós e deixam traços indeléveis. Pensamentos, desejos, paixões, actos bons ou maus, tudo se fixa, tudo se grava em nós. Durante o curso normal da vida, essas recordações acumulam-se em camadas sucessivas e as mais recentes acabam por apagar, pelo menos aparentemente, as mais antigas. Parece que esquecemos aqueles mil pormenores da nossa existência dissipada. Basta, porém, evocar, nas experiências hipnóticas (i), os tempos passados e tornar, pela vontade, a colocar o sujet numa época anterior da sua vida, na mocidade ou no estado de infância, para que essas recordações reapareçam em massa. O sujet revive o seu passado, não só com o estado de alma e associação de ideias que lhe eram peculiares nessa época, ideias às vezes bem diversas das que ele professa actualmente, com os seus gostos, hábitos, linguagem, mas também reconstituindo automaticamente toda a série dos fenómenos físicos contemporâneos daquela época. Leva-nos isso a reconhecer que há íntima correlação entre a individualidade psíquica e o estado orgânico.

Cada estado mental está associado a um estado fisiológico. A evocação de um na memória dos sujets traz imediatamente a reaparição do outro. (iii)

Dadas as flutuações constantes e a renovação integral do corpo físico em alguns anos, esse fenómeno seria incompreensível sem a intervenção do perispírito, que guarda em si, gravadas na sua substância, todas as impressões de outrora. É ele que fornece à alma a soma total dos seus estados conscientes, mesmo depois da destruição da memória cerebral. Assim o demonstram os Espíritos nas suas comunicações, visto que conservam no espaço até as menores recordações da sua existência terrestre.

Esse registo automático parece efectuar-se em forma de agrupamento, ou zonas, dentro de nós, que correspondem a outros tantos períodos da nossa vida, de maneira que, se a vontade, por meio da auto-sugestão ou da sugestão estranha, o que é a mesma coisa, pois que, como vimos, a sugestão, para ser eficaz, deve ser aceite pelo paciente e transformar-se em auto-sugestão, se a vontade, dizemos, faz reviver uma lembrança pertencente a um período qualquer do nosso passado, todos os factos de consciência que têm ligação com esse mesmo período se desenrolam imediatamente numa concatenação metódica. Gabriel Delanne comparou esses estados vibratórios com as camadas concêntricas observadas nas secções de uma árvore e que permitem se lhe calcule o número de anos.

Isso tornaria compreensíveis as variações da personalidade de que falamos. Para observadores superficiais, esses fenómenos se explicam pela dissociação da consciência. Estudados de perto e analisados, representam, pelo contrário, aspectos de uma consciência única, correspondentes a outras tantas fases de uma mesma existência. Esses aspectos revelam-se desde que o sono é bastante profundo e o desprendimento perispiritual (i) suficiente. Se se tem podido acreditar em mudanças de personalidade, é porque os estados transitórios, intermediários, faltam ou se apagam.

O desprendimento, dissemos atrás, é facilitado pela acção magnética. Os passes feitos num sensitivo relaxam pouco a pouco e desatam os laços que unem o Espírito ao corpo. A alma e a sua forma etérea saem da ganga material e essa saída constitui o fenómeno do sono. Quanto mais profunda for a hipnose, tanto mais a alma se separa e se afasta, recobrando a plenitude das suas vibrações. A vida activa concentra-se no perispírito, enquanto que a vida física fica suspensa.

A sugestão aumenta também o ritmo vibratório da alma. Cada ideia contém o que os psicólogos chamam a tendência para a acção e essa tendência transforma-se em acto pela sugestão. Esta, com efeito, não é mais do que um modo da vontade. Levada à mais alta intensidade, torna-se força motriz, alavanca que levanta e põe em movimento as potências vitais adormecidas, os sentidos psíquicos e as faculdades transcendentais.

Vê-se então produzirem-se os fenómenos da clarividência, da lucidez, do despertar da memória. Para essas manifestações se tornarem possíveis, o perispírito deve ser previamente impressionado por um abalo vibratório determinado pela sugestão. Esse abalo, acelerando o movimento rítmico, tem por efeito restabelecer a relação entre a consciência cerebral e a consciência profunda, relação que está interrompida no estado normal durante a vida física. Então as imagens e as reminiscências armazenadas no perispírito podem reanimar-se e tornar-se novamente conscientes; mas, ao despertar, a relação cessa logo, o véu torna a cair, as recordações longínquas apagam-se pouco a pouco e voltam a entrar na penumbra.

A sugestão é, pois, o processo que se deve empregar, de preferência, nessas experiências. Para reconduzir os sujets a uma época determinada do seu passado são eles adormecidos por meio de passes longitudinais, depois se lhes sugere que têm tal ou qual idade. Assim, se faz que remontem a todos os períodos da sua existência; podem obter-se fac-similes da sua letra, que variam segundo as épocas e são sempre concordantes, quando se trata das mesmas épocas evocadas no curso de diferentes sessões. Por meio de passes transversais faz-se com que voltem depois ao ponto actual, tornando a passar pelas mesmas fases.

Pode também – e nós assim o temos feito – sugerir-se ao sujet uma data determinada do seu passado, ainda o mais remoto, e fazê-lo renascer nele. Se o sujet for muito sensível, vê-se então desenrolarem-se cenas de cativante interesse com pormenores sobre o meio evocado e as personagens que nele vivem, pormenores que são às vezes susceptíveis de verificação. “Tem-se podido reconhecer – diz o Coronel de Rochas – que as recordações assim avivadas eram exactas e que os sujets tomavam sucessivamente as personalidades correspondentes à sua idade.” (iv)

Continuamos a tratar desses fenómenos, cuja análise projecta uma luz viva sobre o mistério do ser. Todos os aspectos variados da memória, a sua extinção na vida normal, o seu despertar no transe e na exteriorização, tudo se explica pela diferença dos movimentos vibratórios que ligam a alma e o seu corpo psíquico ao cérebro material. A cada mudança de estado as vibrações variam de intensidade, fazendo-se mais rápidas, à medida que a alma se desprende do corpo. As sensações são registadas no estado normal, com um mínimo de força e duração; mas a memória total subsiste no fundo do ser. Por pouco que os laços materiais se afrouxem e a alma seja restituída a si mesma, ela torna a encontrar, com o seu estado vibratório superior, a consciência de todos os aspectos da sua vida, de todas as formas físicas ou psíquicas da sua existência integral. É, como vimos, o que se pode verificar e reproduzir artificialmente no estado hipnótico. Para bem nos orientarmos no labirinto desses fenómenos é preciso não esquecer que esse estado comporta muitos graus. A cada um desses graus se vincula uma das formas da consciência e da personalidade; a cada fase do sono corresponde um estado particular da memória; o sono mais profundo faz surgir a memória mais extensa. Esta restringe-se cada vez mais, à medida que a alma reintegra o seu invólucro (corpo). Ao estado de vigília, ou acordado, corresponde a memória mais restrita, mais pobre.

O fenómeno da reconstituição artificial do passado faz-nos compreender o que se passa depois da morte, quando a alma, livre do corpo terrestre, torna a encontrar-se na presença de sua memória aumentada, memória-consciência, memória implacável que conserva a impressão de todas as suas faltas, tornando-se o seu juiz e, às vezes, o seu algoz; mas, ao mesmo tempo, o “eu” fragmentado em camadas distintas, durante a vida deste mundo, reconstitui-se na sua síntese superior e na sua magnífica unidade. Toda a experiência adquirida no decorrer dos séculos, todas as riquezas espirituais, fruto da evolução, muitas vezes latentes ou, pelo menos, amortecidas, apoucadas nesta existência, reaparecem no seu brilho e frescura para servir de base a novas aquisições. Nada se perde. Às camadas profundas do ser, juntam-se os desfalecimentos e as quedas, proclamam também os lentos e penosos esforços acumulados no decorrer das idades para constituírem essa personalidade, que irá sempre crescendo, sempre mais rica e mais bela, na feliz expansão das suas faculdades adquiridas, as suas qualidades e as suas virtudes.
/…

(ii) Os doutores Baraduc (i) e Joire construíram aparelhos registadores que permitem medir a força radiante que se escapa de cada pessoa humana e varia segundo o estado psíquico do sujet.
(iii) Essa lei é reconhecida em psicologia com o nome de Paralelismo psicofísico. Wundt (i), nas suas Léçons sur l'Ame (2ª edição, Leipzig, 1892), já dizia: “A cada facto psíquico corresponde um facto físico qualquer.” As experiências dos próprios materialistas fazem sobressair a evidência dessa lei. É assim, por exemplo, que M. Pierre Janet (i), quando faz voltar o seu sujet Rosa, a dois anos antes, no curso da sua vida actual, vê reproduzirem-se nela todos os sintomas do estado de gravidez em que se encontrava naquela época. (P. Janet, professor de psicologia na Sorbonne, L'Automatisme Psychologique, pág. 160.) Ver também os casos assinalados pelos doutores Bourru e Burot, Changements de la Personnalité, pág. 152; pelo Dr. Sollier, Des Hallucinations Autoscopiques (Bulletin de l'Institut Psychique, 1902, págs. 30 e segs.) e os relatados pelo Dr. Pitre, decano da Faculdade de Medicina de Bordéus, no seu livro Le Somnambulisme et l'Hystérie.
(iv) Annales des Sciences Psychiques, Julho de 1905, página 350.


Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira Parte O Problema do Ser, VIII – Estados vibratórios da Alma – A memória, 9º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe), de uma pintura atribuída a Josefina Robirosa)