Manifestações depois da morte ~
(por Léon Denis)
Acabámos de seguir o espírito do homem através das
diferentes fases do desprendimento: o sono ordinário, o sono magnético, o
sonambulismo, a transmissão do pensamento e a telepatia, em todas as suas
formas. Vimos a sua sensibilidade e os seus meios de percepção aumentarem na
razão do afrouxamento dos laços que o prendem ao corpo. Vamos agora vê-lo no
estado de liberdade absoluta, isto é, depois da morte, manifestando-se ao mesmo
tempo física e intelectualmente aos seus amigos da Terra. Não há solução de continuidade
entre estes diferentes estados psíquicos. Quer estes fenómenos se dêem durante
a vida material ou depois, são idênticos nas suas causas, nas suas leis e nos
seus efeitos; produzem-se segundo modos constantes.
Há continuidade absoluta e graduação entre todos estes
factos, desvanecendo-se assim a noção de sobrenatural, que por muito tempo os
tornou suspeitos à Ciência. O antigo adágio: “A Natureza não dá saltos”
verifica-se mais uma vez. A morte não é um salto: é a separação e não a
dissolução dos elementos que constituem o homem terrestre; é a passagem do
mundo visível ao mundo invisível, cuja delimitação é puramente arbitrária e
devida simplesmente à imperfeição dos
nossos sentidos. A vida de cada um de nós no Além é o prolongamento natural e
lógico da vida actual, o desenvolvimento da parte invisível do nosso ser.
Há concatenação no domínio psíquico, como no domínio
físico.
Nas duas ordens de aparições, quer dos vivos exteriorizados,
quer dos defuntos, é sempre, como vimos, a forma fluídica, o veículo da alma, a
reprodução ou, antes, o esboço do corpo físico, que se
concretiza e se torna perceptível para os sensitivos. A Ciência, depois dos
trabalhos de Becquerel, Curie, Le Bon,
etc., familiariza-se de dia para dia com os estados subtis e invisíveis da
matéria, numa palavra, com os fluidos utilizados pelos Espíritos nas suas
manifestações, e que os espíritas bem conhecem. Graças às descobertas recentes,
a Ciência se pôs em contacto com um mundo de elementos, de forças, de
potências, cuja existência nem sequer imaginava, e mostrou-se-lhe afinal a
possibilidade de formas de existência durante muito tempo ignoradas.
Os sábios que estudaram o fenómeno espírita, Sir William Crookes, Russel
Wallace, Robert Dale Owen, Aksakof, Oliver Lodge, Paul Gibier, Myers,
etc., verificaram numerosos casos de aparições de pessoas mortas. O
Espírito Katie
King, que durante três anos se materializou (i) em
casa de Sir W. Crookes, membro da Academia Real de Londres, foi fotografado em
26 de Março de 1874, na presença de um grupo de experimentadores. (ii)
Sucedeu o mesmo com os Espíritos Abdullah e John King,
fotografados por Aksakof. O académico R.
Wallace e o Dr. Thompson obtiveram a fotografia espírita de suas
respectivas mães, falecidas havia muitos anos. (iii)
Myers fala de 231 casos de aparições de pessoas
mortas. Cita alguns tirados dos Phantasms. (iv) Assinalemos
nesse número uma aparição anunciando uma morte iminente: (v)
“Um caixeiro viajante, homem muito saudável, teve certa
manhã a visão de uma sua irmã que falecera havia nove anos. Quando contou o
caso à família, foi ouvido com incredulidade e cepticismo; mas, ao descrever a
visão, mencionou a existência de uma arranhadura na face da
irmã. Essa particularidade de tal maneira impressionou sua mãe, que ela caiu
desmaiada. Depois que voltou a si, contou que fora ela que, sem querer, fizera
essa arranhadura à filha, no momento em que a depunha no caixão; que, em
seguida, para disfarçar, cobrira-a com pós, de modo que
ninguém no mundo estava a par dessa particularidade. O sinal que o seu filho
vira, pois, prova a veracidade da visão e ela viu nele ao mesmo tempo o
anúncio da sua morte que, efectivamente, sobreveio algumas semanas
depois.” (vi)
Devem ser citados igualmente os casos seguintes: o de um
mancebo que se comprometera, se morresse primeiro, a aparecer a uma donzela,
sem lhe causar grande susto. Apareceu efectivamente um ano depois à irmã dela,
no momento em que ia subir para uma carruagem; (vii) o caso do
Sr. Town, cuja imagem foi vista por seis pessoas; (viii) o
caso da Sra. de Fréville, que gostava de frequentar o cemitério e passear em
volta da campa do marido e aí foi vista, sete ou oito horas depois do seu
falecimento, por um jardineiro que por ali passava; (ix) o de
um pai de família, falecido em viagem e que apareceu à filha com um vestuário
desconhecido que, depois de morto, uns estranhos lhe haviam vestido. Falou-lhe
de uma quantia que ela ignorava estar em seu poder. A exactidão desses
dois factos foi reconhecida ulteriormente; (x) o caso de Edwin
Russell, que se fez visível ao seu mestre de capela com a preocupação das
obrigações e compromissos contraídos durante a vida. (xi) Finalmente,
o caso de Robert Mackenzie. Quando ainda o patrão ignorava a sua morte,
apareceu-lhe ele para se desculpar de uma acusação de suicídio que pesava sobre
a sua memória. Foi reconhecida a falsidade dessa acusação, por ter sido
acidental a sua morte. (xii)
Na memória apresentada ao Congrès International de Psychologie de Paris, em
1900, o Dr. Paul Gibier, director do Instituto Pasteur de Nova Iorque,
fala das “materializações de fantasmas” (xiii) obtidas por ele
no seu próprio laboratório, na presença de muitas senhoras da sua família e dos
preparadores que habitualmente o auxiliavam nos seus trabalhos de biologia. As
ditas senhoras tinham especialmente o encargo de vigiar a médium, Sra. Salmon, despi-la antes da sessão para lhe
examinarem os vestidos, sempre pretos, ao passo que os fantasmas apareciam de
branco. Por excesso de precaução, metiam a médium dentro de uma gaiola metálica
fechada com cadeado e, durante as sessões, o Dr. Gibier não largava a chave.
Foi nessas condições que se produziram, à meia-luz, formas
numerosas, talhes diferentes, desde aparições de crianças até fantasmas de alta
estatura. A formação é gradual, opera-se à vista dos assistentes. As formas
falam, passam de um lado para o outro, apertam as mãos dos experimentadores.
“Interrogadas – diz Paul Gibier –, declaram todas ser entidades, pessoas
que viveram na Terra, Espíritos desencarnados, cuja missão é nos mostrarem a
existência da outra vida.”
A identidade de um desses Espíritos foi estabelecida com
precisão: a de uma entidade chamada Blanche, uma familiar falecida de duas
senhoras que assistiam às sessões, as quais puderam abraçá-la repetidas vezes e
conversar com ela em francês, língua ignorada da médium.
No congresso espiritualista realizado no mesmo ano em Paris,
na sessão de 23 de Setembro, o Dr. Bayol, senador das Bocas
do Ródano, ex-governador de Dahomey, expunha verbalmente os fenómenos de
aparição dos quais foi testemunha em Arles e Eyguières. O fantasma de Acella,
donzela romana, cujo túmulo está em Arles, no antigo cemitério de
Aliscamps, materializou-se ao ponto de deixar uma impressão do
seu rosto em parafina fervente, não em entalhe, como se produzem
habitualmente as moldagens, mas em relevo, o que seria impossível a qualquer
ser vivo. Essas experiências, cercadas de todas as precauções necessárias,
efectuaram-se na presença de personagens tais como o prefeito das Bocas do
Ródano, o poeta Mistral,
um general de Divisão, médicos, advogados, etc. (xiv)
Numa acta, com a data de 11 de Fevereiro de 1904, publicada
pela Revue des Études Psychiques, de Paris, (xv) o
Prof. Milèsi, da Universidade de Roma, “um dos campeões mais estimados da nova
escola psicológica italiana”, conhecido na França pelas suas conferências na
Sorbonne sobre a obra de Auguste Comte,
deu testemunho público da realidade das materializações (i) de
Espíritos, entre outras a de sua própria irmã falecida em Cremona havia três
anos.
Damos aqui um extracto dessa acta:
“O que de mais maravilhoso houve nessa sessão foram as
aparições, que eram de natureza luminosa, posto que se produzissem na meia
claridade. Foram em número de nove; todos os assistentes as viram... As três
primeiras foram as que reproduziram as feições da irmã do Prof. Milèsi,
falecida havia três anos em Cremona, no convento das Filhas do Sacré-Coeur, com
a idade de 32 anos. Apareceu sorridente, com o esquisito sorriso que lhe era
habitual. Do mesmo modo o Sr. Squanquarillo viu uma aparição, na qual reconheceu
a sua mãe. Foi a quarta. As cinco restantes reproduziam as feições dos dois
filhos do Sr. Castoni. Este afirma ter sido abraçado pelos filhos. Ter
conversado com eles várias vezes, ter recebido respostas suas e apertos de
mãos; sentiu-os, mesmo, sentarem-se nos seus joelhos.” Assinaram J. B. Milèsi,
P. Cartoni, F. Simmons, J. Squanquarillo, etc.
No seu artigo do Figaro de 9 de Outubro de
1905, intitulado: Par delà la Science, Charles
Richet, da Academia de Medicina de Paris, dizia, a propósito de outros
fenómenos da mesma ordem: “O mundo oculto existe. Correndo embora o risco de
ser tido pelos meus contemporâneos como insensato, creio que há fantasmas.”
O célebre Prof. Lombroso,
da Universidade de Turim, no número de Junho de 1907 da revista italiana Arena,
expõe o resultado das suas experiências com Eusápia
Paladino: fenómenos de levitação, transportes de flores, etc. e acrescenta:
“O leitor vai interpelar-me com compaixão e perguntar-me:
“Não se deixou simplesmente ludibriar por farsantes vulgares?” O facto
indiscutível é que com Eusápia se
tomaram as medidas de precaução mais absolutamente rigorosas contra a
possibilidade de qualquer fraude, ligavam-se-lhe as mãos e os pés, ficando uns
e os outros cercados por um fio eléctrico que, ao menor movimento, accionava
uma campainha. O médium Politi foi, na Sociedade de psicologia de Milão, metido
nu em pêlo, num saco, e a Sra. d’Espérance ficou
imobilizada numa rede como um peixe e, não obstante, os fenómenos
produziram-se.
Depois de tudo isso assisti ainda a sessões em que Eusápia
Paladino em transe dava respostas exactas e muito sensatas em línguas
que ela não conhecia, como, por exemplo, o inglês. Juntando a esses factos
pessoais tudo o que soube das experiências de Crookes com Home e Katie
King, das do médium alemão que fazia às escuras as mais curiosas
pinturas, adquiri a convicção de que os fenómenos espíritas se
explicam, em grande parte, por forças inerentes ao médium e também, por outro lado, pela intervenção de
seres supraterrestres, que dispõem de forças das quais as propriedades
do radium podem
dar uma ideia, por analogia.
...Um dia, depois do transporte, sem contacto, de um objecto
muito pesado, Eusápia, em estado de transe, disse-me: “Por que estás a
perder o tempo com bagatelas? Sou capaz de fazer com que vejas a tua mãe; mas é
necessário que penses nisso com veemência.” Impulsionado por essa promessa, ao
fim de meia hora de sessão, tomou-me o desejo intenso de vê-la cumprir-se e a
mesa, levantando-se com os seus movimentos habituais e sucessivos, parecia dar
a sua anuência ao meu pensamento íntimo. De repente, na meia obscuridade, à luz
vermelha, vi sair dentre as cortinas uma forma um tanto curvada, como era a de
minha mãe, coberta com um véu. Contornou a mesa para chegar até mim, murmurando
palavras que muitos ouviram, mas que a minha meia-surdez não me permitiu
escutar. Como, sob a influência de uma viva emoção, eu lhe suplicava que as
repetisse, ela me disse: “Cœsar, fiol mio!” o que, confesso,
não era costume seu, visto que, sendo de Veneza, dizia mio fiol;
depois, afastando o véu, deu-me um beijo.”
Lombroso fala, depois, das casas mal-assombradas e
diz:
“Convém acrescentar que os casos de casas em que, durante
anos, se reproduzem aparições ou barulhos, concordando com a narrativa de
mortes trágicas e observadas sem a presença de médiuns, rivalizam contra a
acção exclusiva destes em favor da acção dos mortos.” (xvi)
No Grupo de estudos que por muito tempo dirigi em Tours,
os médiuns descreviam aparições de defuntos visíveis
apenas a eles, é verdade, mas que nunca haviam conhecido, de quem nunca tinham
visto nenhum retrato, ouvido fazer nenhuma descrição, e que os assistentes
reconheciam pelas suas indicações.
Às vezes os Espíritos materializam-se ao
ponto de poderem escrever, na presença de pessoas humanas e à sua vista,
mensagens numerosas, que ficam como outras tantas provas da sua passagem. Foi o
que se deu com a mulher do banqueiro Livermore, cuja letra foi reconhecida como
idêntica à que ele tinha durante a sua existência terrestre; (xvii) mas,
muito mais frequentes vezes, os Espíritos se incorporam no invólucro (corpo) de médiuns
adormecidos, falam, escrevem, gesticulam, conversam com os assistentes e lhes
fornecem provas certas da sua identidade.
Nesses fenómenos, o médium abandona momentaneamente o corpo;
a substituição é completa. A linguagem, a atitude, a letra e o jogo de
fisionomia são os de um Espírito estranho ao organismo de que dispõe por algum
tempo.
Os factos de incorporação da Sra. Piper, minuciosamente
observados e comprovados pelo Dr. Hodgson e pelos Profs. James Hyslop, William James,
Newbold, Oliver
Lodge e Myers, constituem o complexo de provas mais poderoso em
favor da sobrevivência. (xviii) A personalidade de G. Pelham
revelou-se, post mortem, aos seus próprios parentes, a seu pai, a
sua mãe, aos seus amigos de infância, cerca de trinta vezes, a tal ponto que
não deixou dúvida alguma no espírito deles acerca da causa destas
manifestações.
Sucedeu o mesmo com o Prof. Hyslop,
que, tendo feito ao Espírito do seu pai 205 perguntas sobre assuntos que ele
mesmo ignorava, obteve 152 respostas absolutamente exactas, 16 inexactas e 37
duvidosas, por não poderem ser verificadas. Essas verificações foram feitas no
decurso de numerosas viagens efectuadas através dos Estados Unidos para se
chegar a conhecer minuciosamente a história da família Hyslop, antes do
nascimento do professor, história a que essas perguntas se referiam.
Os Annales des Sciences Psychiques de
Paris, Julho de 1907, lembram o seguinte facto, que igualmente se produziu na
América no ano de 1860:
“O grande juiz Edmonds, presidente do Supremo Tribunal de
Justiça do Estado de Nova Iorque, presidente do Senado dos Estados Unidos,
tinha uma filha, Laura, em quem surgiu uma mediunidade com
fenómenos espontâneos, que se produziram em volta dela e não tardaram a
despertar a sua curiosidade, de tal modo, que começou a frequentar sessões
espíritas. Foi então que ela se tornou médium-falante. Quando nela
se manifestava outra personalidade, Laura falava por vezes diferentes línguas
que ignorava.
Numa noite, em que uma dúzia de pessoas estavam reunidas em
casa do Sr. Edmonds, em Nova Iorque, o Sr. Green, artista nova-iorquino, veio
acompanhado por um homem que ele apresentou com o nome do Sr. Evangelides, da
Grécia. Não tardou a manifestar-se na Senhorita Laura uma personalidade,
que falava, em inglês, ao visitante e lhe comunicou grande número de factos
tendentes a provar que a personalidade era a de um amigo falecido em casa dele,
havia muitos anos, mas de cuja existência nenhuma das pessoas presentes tinha
conhecimento. Por momentos intercalares a donzela pronunciava palavras
e frases inteiras em grego, o que deu ensejo a que o Sr. Evangelides
lhe perguntasse se podia falar em grego. Ele falava efectivamente com
dificuldade o inglês. A conversa continuou em grego da parte de Evangelides e
alternativamente em grego e inglês da parte da Srta. Laura. Momentos houve em
que Evangelides parecia muito comovido. No dia seguinte renovou a sua conversa
com a Srta. Laura, depois explicou aos assistentes que a personalidade
invisível, que parecia manifestar-se com a intervenção da médium, era a de um
dos seus amigos íntimos, falecido na Grécia, irmão do patriota grego Marc
Bótzaris. Esse amigo informava-o da morte de um filho seu, também de
nome Evangelides, que ficara na Grécia e passava bem no momento em que
o seu pai partira para a América.
Evangelides voltou a estar com o Sr. Edmonds várias vezes
ainda e, dez dias depois da sua primeira visita, informou-o de que acabava de
receber uma carta participando-lhe a morte do seu filho. Essa carta devia vir a
caminho quando se realizou a primeira conversa do Sr. Evangelides com a Srta.
Laura.
“Estimaria – disse o juiz Edmonds a esse respeito – que me
dissessem como devo encarar este facto. Negá-lo é impossível; é demasiado
flagrante. Também então podia negar que o Sol nos ilumina.”
Isto passou-se na presença de oito a dez pessoas, todas
instruídas, inteligentes, discretas e também todas capazes de fazerem a
distinção entre uma ilusão e um facto real.” (xix)
O Sr. Edmonds informou-nos que a sua filha não tinha ouvido
até então uma única palavra em grego moderno. Acrescentou que noutras ocasiões
ela chegou a falar mais de treze línguas diferentes, entre as quais o polaco e
o indiano, quando, no seu estado normal, apenas sabia inglês e francês, este
último como se pode aprender na escola. É preciso notar que o Sr. J. W. Edmonds
não é uma personalidade qualquer. Nunca lhe puseram em dúvida a perfeita
integridade do seu carácter e as suas obras provam a sua luminosa inteligência.
Fenómenos da mesma ordem foram muitas vezes obtidos na
Inglaterra. Citemos, neste número, uma manifestação do célebre Prof. Sidgwick
pelo organismo da Sra. Thompson, adormecida. Figura nos Proceedings.
O Sr. Piddington, secretário da Sociedade, testemunha do facto, redigiu um
relatório que foi lido na sessão de 7 de Dezembro de 1903. Fez circular de mão
em mão, entre os assistentes, diferentes escritos automáticos, nos quais os
amigos e parentes de Sidgwick, o eminente psicólogo que foi o primeiro
presidente da Sociedade, reconheceram a sua letra. Ao menos uma vez
Sidgwick ter-se-ia esforçado por falar pela boca da Sra. Thompson. O
Senhor Piddington descreveu esta cena como a experiência mais realista e
impressionante que se encontra em todo o curso das suas investigações. “Não
era, diz ele, como se tivesse sido Sidgwick; era ele realmente, ao que se podia
julgar.” A personalidade de Sidgwick fez alusão, entre outras coisas, a um
incidente que se dera numa das reuniões do Conselho de direcção da Society,
“e do qual, se pode dizer com certeza quase absoluta, a Sra. Thompson não podia
ter conhecimento”. Uma das pessoas que assistiam à sessão, membro do Conselho
de direcção, o Sr. Arthur Smith, levantou-se para dizer que se lembrava muito
bem daquela circunstância. (xx)
Relataremos ainda um fenómeno de comunicação durante o sono,
obtido pelo Sr. Chedo Mijatovitch, ministro plenipotenciário da Sérvia, em
Londres, e reproduzido pelos Annales des Sciences Psychiques, de 1 e 16 de Janeiro
de 1910.
“A pedido de espíritas húngaros, para que se pusesse em
relação com um médium, a fim de elucidar um ponto da História a respeito
de um antigo soberano sérvio, morto em 1350, dirigiu-se à casa do Sr. Vango, de
quem muito se falava nessa época e a quem nunca tinha visto até então.
Adormecido, o médium anunciou a presença do Espírito de um jovem,
ansioso por se fazer ouvir, mas de quem não compreendia a linguagem.
No entanto, acabou conseguindo reproduzir algumas palavras.
Elas eram em sérvio, sendo esta a tradução: “Peço-te
escrevas à minha mãe Nathalie, dizendo-lhe que imploro o seu perdão.”
O Espírito era o do rei Alexandre.
Chedo Mijatovitch não duvidou, ainda mais quando novas
provas de identidade logo se juntaram à primeira: o médium fez a descrição do defunto e este mostrou o seu
pesar por não ter seguido um conselho confidencial que lhe havia dado, dois
anos antes de ser assassinado, o diplomata consultante.”
Na França, entre um certo número de casos, assinalaremos o
do abade Grimaud, director do asilo dos surdos-mudos de Vaucluse. Por meio dos
órgãos da Sra. Gallas, adormecida, recebeu, do Espírito Forcade, falecido havia
oito anos, uma mensagem pelo movimento silencioso dos lábios, de acordo com um
método especial para surdos-mudos, que este Espírito inventara, comunicado ao
abade Grimaud, venerável eclesiástico, que era o único dos assistentes que
podia conhecê-lo. Há pouco tempo que publicámos a acta dessa notável sessão com
as assinaturas de doze testemunhas e o atestado do abade Grimaud. (xxi)
O Sr. Joseph Maxwell, advogado geral no Tribunal de Apelação de
Bordéus e doutor em Medicina, na sua obra Phénomènes
Psychiques (xxii) estuda o fenómeno das incorporações,
que observou em casa da Sra. Agullana, esposa de um estucador, e assim se
exprime:
“A personalidade mais curiosa é a de um médico falecido há
cem anos. A sua linguagem médica é arcaica. Dá às plantas os nomes medicinais
antigos. O seu diagnóstico é geralmente exacto; mas, a descrição dos sintomas
internos que ele vê é bem própria a causar admiração a um médico do século
XX... Há dez anos que observo o meu colega do além-túmulo. Não tem variado e
apresenta uma continuidade lógica surpreendente."
Eu mesmo observei frequentes vezes este fenómeno. Pude, como
noutra obra expus; (xxiii) conversar por intermédio de
diversos médiuns, com muitos parentes e amigos falecidos, obter
indicações que estes médiuns não conheciam e que, para mim, constituíam outras
tantas provas de identidade. Se levarmos em conta as dificuldades que comportam
a comunicação de um Espírito a ouvintes humanos, por meio de um organismo e,
particularmente, de um cérebro que ele não apropriou, a que não deu
flexibilidade mediante uma longa experiência; se considerarmos que, em razão da
diferença dos planos de existência, não pode exigir-se de um desencarnado todas
as provas que a um homem material se pediria, é preciso reconhecer que o
fenómeno das incorporações é um dos que mais concorrem para
demonstrar a espiritualidade e o princípio da sobrevivência.
Não se trata, nestes casos, de uma simples influência à
distância. Há um impulso a que o sujet não pode resistir e que na maior parte das
vezes se transforma na tomada de posse do organismo inteiro. Este fenómeno é
análogo ao que verificamos nos casos de segunda personalidade. Neste, o “eu”
profundo substitui o “eu” normal e toma a direcção do corpo físico, com um fim
de fiscalização e regeneração. Mas, aqui é um Espírito estranho que desempenha
esse papel e substitui a personalidade do médium adormecido.
As palavras possessão ou posse,
de que acabamos de nos servir, foram muitas vezes tomadas em sentido
lamentável.
Atribuía-se no passado aos factos que elas designam um
carácter diabólico e terrificante, como muito bem disse Myers: (xxiv) “O
diabo não é uma criatura desconhecida pela Ciência. Nestes fenómenos
encontramo-nos somente na presença de Espíritos que foram outrora homens
semelhantes a nós e que estão sempre animados dos mesmos motivos
que nos inspiram.”
A esse propósito Myers faz
uma pergunta: “É a possessão algumas vezes absoluta?”... e responde nestes
termos: “A teoria que diz que nenhuma das correntes conhecidas da personalidade
humana esgota toda a sua consciência e que nenhuma das suas manifestações
conhecidas exprime toda a potencialidade do seu ser, pode
igualmente aplicar-se aos homens desencarnados.” (xxv)
Com isso abordaríamos o ponto central do problema da vida
humana, a mola secreta, a acção íntima e misteriosa do Espírito sobre um
cérebro, quer sobre o seu, quer, nos casos de que nos ocupamos, sobre um
cérebro estranho.
Considerada sob esse aspecto, a questão toma importância
capital em Psicologia. Myers acrescenta: (xxvi)
“Com o auxilio destes estudos, as comunicações cada vez se
tornarão mais fáceis, completas, coerentes, e atingirão níveis mais elevados de
consciência unitária. Grandes e numerosas devem ter sido as dificuldades; mas
nem de outro modo pode ser quando se trata de reconciliar o espírito com a
matéria e de abrir ao homem, do planeta onde está encarcerado, uma fresta para
o mundo espiritual...
Assim como, pela clarividência migratória (Myers chama
assim à clarividência dos sonâmbulos), o Espírito muda de centro de percepção,
no meio das cenas do mundo material, assim também há transmissões espontâneas
do centro de percepção para as regiões do mundo espiritual. A concepção do
êxtase, no seu sentido mais literal e sublime, resulta assim, sem esforço,
quase insensivelmente, de uma série de provas modernas.
Em todas as épocas se tem concebido o Espírito como
susceptível de deixar o corpo ou, se não o deixa, de estender consideravelmente
o seu campo de percepção, fazendo nascer um estado que se parece com o êxtase.
Todas as formas conhecidas de êxtase concordam neste ponto e se baseiam num
facto real.”
Vê-se que, graças a experiências, a observações, a
testemunhos mil vezes repetidos, a existência e a sobrevivência da alma saem
doravante do domínio da hipótese ou da simples concepção metafísica, para se
converterem em realidade viva, em facto rigorosamente averiguado. O
sobrenatural tocou o fim dos seus dias; o milagre já não passa de uma palavra.
Todos os terrores, todas as superstições que a ideia da morte sugeria aos
homens se desfazem em fumo. Dilata-se a nossa concepção da vida universal e da
obra divina e, ao mesmo tempo, a nossa confiança no futuro fortifica-se. Vemos
nas formas alternadas da existência carnal e fluídica o progresso do ser,
o desenvolvimento da personalidade a prosseguir e uma Lei Suprema a presidir à
evolução das almas através do tempo e do espaço.
/…
(ii) Ver W. Crookes (i) – Recherches sur les Phénomènes du
Spiritisme.
(iii) Aksakof (i) – Animismo
e Espiritismo, págs. 620 e 621.
(iv) F. Myers (i) – La
Personnalité Humaine, pág. 268.
(v) Idem, pág, 280.
(vi) Há necessidade de fazer notar que o
Espírito quis aparecer com esse “arranhão” somente para dar, por esse meio, uma
prova da sua identidade. O mesmo se dá em muitos dos casos que se vão seguir,
em que Espíritos se mostraram com trajes ou atributos que constituíam outros
tantos elementos de convicção para os percipientes.
(vii) Proceedings, X, 284.
(viii) Idem, X, 292.
(ix) Phantasms of the Living, I, 212.
(x) Proceedings, X, 283.
(xi) Proceedings, VIII, 214.
(xii) Proceedings, II, 95.
(xiii) Ver Compte rendu officiel du IV Congrès
de Psychologle, Paris, F. Alcan, Fevereiro de 1901, reproduzido in extenso
pelos Annales des Sciences Psychiques (i).
(xiv) Ver Compte rendu du Congrès Spiritualiste
International de 1900 (i), pág. 241 e seguintes. Leymarie, editor.
(xv) Número de Março de 1904.
(xvi) Recomendamos a leitura da obra Hipnotismo
e Mediunidade, de Lombroso (i).
(N.E.)
(xvii) Ver Aksakof – Animismo e
Espiritismo, págs. 620 e 631.
(xviii) Ver o caso de Mrs. Piper.
Proceedings, XIII, 284 e 285; XIV, 6 e 49, resumidos na minha
obra No Invisível, cap. XIX.
(xix) Havia, entre outras pessoas, Mr. Green,
artista; o Sr. Allen, presidente do Banco de Boston; dois empreiteiros dos
caminhos de ferro nos Estados do Oeste; Miss Jennie Keyer, sobrinha do juiz
Edmonds, etc.
(xx) Revue des Etudes Psychiques (i), Paris, Janeiro de 1904.
(xxi) Ver No Invisível, cap.
XIX.
(xxii) Phénomènes Psychiques (i), pág.
26.
(xxiii) No Invisível, caps. VIII, XIX e
XX; Cristianismo e Espiritismo, cap. XI.
(xxiv) F. Myers – La Personnalité
Humaine, pág. 369.
(xxv) F. Myers – La Personnalité
Humaine, pág. 297.
(xxvi) Idem, ibidem.
Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira
Parte O Problema do Ser, VII – Manifestações depois da morte,
8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe),
de uma pintura atribuída a Josefina
Robirosa)