O espaço e o tempo ~
| Galileu, Espírito
(Études Uranographiques) (X)
Os desertos do espaço 🌈
Um deserto imenso, sem fronteiras, estende-se para lá
do aglomerado de estrelas de que acabámos de falar e envolve-o. Ermos se
sucedem a ermos e as planícies incomensuráveis do vazio estendem-se ao longe.
Encontrando-se os amontoados de matéria cósmica isolados no espaço como ilhas
flutuantes de um imenso arquipélago, se quisermos apreciar de qualquer maneira
a ideia da enorme distância que separa a pilha de estrelas de que fazemos parte
das aglomerações mais próximas, é preciso sabermos que estas ilhas estelares
estão disseminadas e são raras no vasto oceano dos céus e que a extensão que as
separa umas das outras é incomparavelmente maior do que aquela que lhes mede as
dimensões respectivas.
Ora, lembramo-nos que a nebulosa estelar mede, em números redondos, mil
vezes a distância das estrelas mais próximas tomada como unidade, quer dizer
uns cem mil triliões de léguas. A distância que se estende entre elas, sendo
muito mais vasta, não poderia ser expressa em números acessíveis ao
entendimento do nosso espírito; só a imaginação nas suas mais elevadas
concepções é capaz de ultrapassar esta imensidão prodigiosa, os seus ermos
mudos e privados de qualquer aparência de vida e considerar de qualquer maneira
a ideia desta infinidade relativa.
No entanto, este deserto celeste que envolve o nosso Universo sideral e
que parece estender-se como os confins longínquos do nosso mundo astral, é
abarcado pela vista e pelo poder infinito do Altíssimo que, para lá destes céus
dos nossos céus, desenvolveu a trama da sua Criação ilimitada.
Para lá destas vastas solidões, com efeito, os mundos resplandecem
na sua magnificência assim como nas regiões acessíveis às investigações
humanas; para além destes desertos, vogam no límpido éter esplêndidos oásis e
renovam constantemente as cenas admiráveis da existência e da vida. Ali,
desenvolvem-se os longínquos agregados de substância cósmica que o olho
profundo do telescópio entrevê através das regiões transparentes do nosso céu,
essas nebulosas a que chamais irresolúveis e que vos aparecem como leves nuvens
de poeira branca perdidas num ponto desconhecido do espaço etéreo. Ali,
revelam-se e desenvolvem-se mundos novos cujas condições variadas e estranhas
às que são inerentes ao vosso globo lhes dão uma vida que as vossas concepções
não conseguem imaginar nem os vossos estudos constatar. É aí que
resplandece em toda a sua plenitude o poder criador; para quem venha das
regiões ocupadas pelo vosso sistema, ali estão em acção outras leis cujas
forças regem as manifestações da vida e os caminhos novos que trilhamos nesses
países estranhos abrem-nos perspectivas desconhecidas (**).
/…
(*) Este capítulo foi textualmente extraído de
uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e
1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu;
médium M. C. F. (N. do A.)
(**) Dá-se em astronomia o nome de nebulosas irresolúveis àquelas
a que não foi ainda possível distinguir as estrelas que as compõem. Tinham sido
consideradas primeiro como montes de matéria cósmica em vias de condensação
para formar mundos, mas hoje pensa-se geralmente que esta aparência se deve ao
afastamento e que com instrumentos suficientemente fortes todas seriam
resolúveis.
Uma comparação familiar pode dar uma ideia, apesar de muito imperfeita, das
nebulosas resolúveis: são os grupos de faíscas projectadas pelo
fogo-de-artifício no momento da sua explosão. Cada uma das suas faíscas
representará uma estrela e o conjunto será a nebulosa ou o grupo de estrelas
reunidas num ponto do espaço e submetidas a uma lei comum de atracção e
movimento. Vistas a uma certa distância, estas faíscas mal se distinguem e o
seu grupo tem o aspecto de uma pequena nuvem de fumo. Esta comparação não seria
exacta caso se tratasse de matéria cósmica condensada.
A nossa Via Láctea é uma dessas nebulosas; conta com cerca de
trinta milhões de estrelas ou sóis que ocupam nada menos de algumas centenas de
triliões de léguas de extensão e no entanto não é a maior. Suponhamos somente
uma média de vinte planetas habitados circulando à volta de cada sol, o que
faria cerca de seiscentos milhões de mundos só para o nosso grupo.
Se nos pudéssemos transportar da nossa nebulosa para uma outra, estaríamos ali
como no meio da nossa Via Láctea, mas com um céu estrelado com um aspecto
totalmente diferente; e esta apesar das suas dimensões colossais em relação a
nós, aparecer-nos-ia, ao longe, como um pequeno floco lenticular perdido no
infinito. Mas antes de atingirmos a nova nebulosa, seríamos como o viajante que
sai de uma cidade e percorre um vasto país desabitado antes de chegar a outra
cidade; teríamos atravessado espaços incomensuráveis desprovidos de mundos e de
estrelas, aquilo a que Galileu chama
os desertos do espaço. À medida que fôssemos avançando, veríamos a nossa
nebulosa a fugir atrás de nós, diminuindo de extensão à nossa vista ao mesmo
tempo que à nossa frente, se apresentaria aquela para a qual nos dirigíamos,
cada vez mais distinta, semelhante à massa de fagulhas do fogo-de-artifício.
Transportando-nos em pensamento para as regiões do espaço, para além do arquipélago da
nossa nebulosa, veremos à nossa volta milhões de arquipélagos semelhantes e de
formas diversas, contendo cada um milhões de sóis e centenas de mundos
habitados.
Tudo o que nos pode identificar com a imensidão do infinito e com a estrutura
do Universo é útil para o alargamento das ideias tão reduzidas pelas crenças
vulgares. Deus engrandece aos nossos olhos à medida que vamos
compreendendo melhor a grandeza das suas obras e a nossa pequenez. Nós
estamos longe, como se vê, dessa crença implantada pela Génese de Moisés, que
faz da nossa pequena Terra imperceptível a principal criação de Deus e dos seus
habitantes o objecto único da sua solicitude. Compreendemos a vaidade dos
homens que julgam que tudo no Universo foi feito para eles e dos que se atrevem
a discutir a existência do Ente supremo. Dentro de alguns séculos,
espantar-se-ão por uma religião, feita para glorificar Deus o ter rebaixado a
tão mesquinhas proporções e que tenha rejeitado, por ser concepção do Espírito
do mal, as descobertas que só podiam aumentar a nossa admiração pela sua
omnipotência, iniciando-nos nos mistérios grandiosos da Criação; ainda
se admirarão mais quando souberem que foram rejeitados porque deviam emancipar
o espírito dos homens e retirar a preponderância aos que se diziam
representantes de Deus na Terra. (N. do A.)
ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o
Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – Os
desertos do espaço (de 45 a 47), 32º fragmento desta obra. Tradução
portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e
os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).