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sábado, 7 de outubro de 2023

metapsíquica | humana


~~~ a propósito da “Introdução à Metapsíquica Humana”

Não me deterei em analisar o excelente tratado de metapsíquica publicado pelo Sr. René Sudre. Limitar-me-ei em notar que o autor conseguiu sintetizar, em um volume de proporções normais, uma exposição completa, erudita e bem feita de todas as categorias de fenómenos metapsíquicos. Pode mesmo dizer-se que o trabalho não só atinge o fim que o inspirou, senão que constitui também alguma coisa mais do que uma simples “Introdução ao estudo da metapsíquica”.

A sua utilidade torna-se indiscutível, mesmo para os competentes no assunto, que não teriam facilidade de encontrar disposto, com tanta clareza e êxito, o imponente cabedal da fenomenologia examinada.

Quanto à propaganda fecunda que um tratado como este pode exercer nos meios científicos, não lamentarei, sequer, o antiespiritismo superlativamente sofístico do autor, sem o qual a obra perderia, nesse sentido, toda a eficiência naqueles meios ainda dominados pelos preconceitos materialistas.

Sob o ponto de vista pessoal, o meu – que diametralmente diverge daquele em que se coloca Sudre –, é natural, entretanto, me disponha a analisar, discutir e refutar, uma por uma, as principais opiniões e hipóteses antiespíritas, emitidas pelo autor, mormente por me parecer estar ele bem enfronhado no assunto e ser um pensador de talento indiscutível. É, sem dúvida alguma, um valente contendor, com o qual a discussão será de grande proveito, pois que se apresenta na arena terçando as armas mais formidáveis dentre as que são usadas no campo em que milita.

Ernesto Bozzano

I. – O magnetismo animal e os fenómenos espíritas ~

Posto isso, começo, sem preâmbulos, a minha análise crítica, assinalando, desde logo, uma afirmação de natureza histórica feita pelo autor a respeito dos antigos magnetizadores e que é inexacta. Diz ele:

Deleuze e todos os magnetizadores não acreditavam, pois, houvesse comunicação entre os seus sonâmbulos e os seres invisíveis. Não contestavam a realidade das aparições espontâneas, mas as consideravam, em conformidade com a opinião religiosa, como excepcionais e, não acreditavam num intercâmbio possível entre os vivos e os mortos.

Ora, essa descrença geral se transmite aos seus pacientes, que apresentaram todos os fenómenos metapsíquicos completamente desprovidos do carácter espírita.” (pág. 342.)

O grifo do último período é do próprio autor e mostra bem o interesse teórico que ele atribui à circunstância assinalada. Ora, historicamente, essa circunstância é inexacta, ou, melhor ainda, diametralmente contrária ao que supõe Sudre. Se consultarmos os tratados de magnetismo animal, verificaremos, com efeito, as provas evidentes das prevenções que, a tal respeito, dominavam os magnetizadores, prevenções que encontram o motivo principal no medo que o conhecimento de tais manifestações fizesse surgir novos obstáculos à tarefa, que lhes cabia, de e para além disso convencer das curas maravilhosas, conseguidas pelas práticas magnéticas. Mas não é menos verdade que, não obstante tais prevenções, as manifestações de entidades de defuntos se davam repetidamente, pela intervenção sonambúlica. O próprio Deleuze, na sua correspondência (i) com o Dr. Billot, o reconhece e nos seguintes termos:

“Não vejo razão para negar a possibilidade da aparição de pessoas que, tendo deixado esta vida, se ocupam daqueles que aqui amaram e a eles se venham manifestar, para lhes transmitir salutares conselhos. Acabo de ter disso um exemplo, ei-lo...”

E Deleuze expõe o caso de uma sonâmbula, cujo finado pai a ela se manifestou, por duas vezes, a fim de aconselhá-la sobre o esposo que devia escolher; esses conselhos envolviam a realização remota de um facto que se veio a realizar, precisamente, na época indicada. (G. Billot, Correspondencesur le Magnétisme Animal, t. III.)

O Dr. Billot responde a Deleuze, relatando um facto maravilhoso, com ele próprio ocorrido: o do “transporte” de uma planta medicinal, que veio cair sobre os joelhos da sua sonâmbula, pela intervenção de uma “rapariga” que, repetidas vezes, se manifestava por intermédio da mesma sonâmbula.

Lembro, além disso, o facto do Barão Du Potet – que, pelo Journal du Magnétisme, provocava constantes polémicas com aqueles dos seus confrades que ousavam publicar qualquer episódio, sobre a manifestação de pessoas falecidas – haver confessado as suas íntimas convicções nesse sentido, quando, em carta particular a Alphonse Cahagnet e, por este último inserta na sua obra, assim se exprimiu: “Tratais, com uma antecipação de vinte anos, destas questões; a Humanidade não está ainda preparada para compreendê-las.”

Torna-se claro o fim oculto da sua pretendida incredulidade; temia que, não estando os homens de ciência absolutamente dispostos a levar a sério as manifestações dos mortos, pela intervenção sonambúlica, viessem as divulgações dessas manifestações criar grave obstáculo à tarefa, já de si tão difícil, de convencer o mundo científico das propriedades terapêuticas do “magnetismo animal”.

Acrescentarei que o Barão Du Potet, quando do seu encontro, anos mais tarde, em Londres, com o Rev. William Stainton Moses, ao mesmo confiou, sem reservas, as suas convicções espíritas, nascidas de factos por ele próprio verificados, sem qualquer provocação de sua parte.

Nessa mesma ocasião, aconteceu-lhe ter, juntamente com Stainton Moses, a visão de um homem, que se havia suicidado algumas horas antes, atirando-se debaixo das rodas de uma máquina a vapor.

Lembrarei, ainda, que o magnetizador Alphonse Cahagnet obteve, com a sonâmbula clarividente Adèle Maginot, longa série de verdadeiros episódios de identificação de pessoas mortas, sendo de notar que essas manifestações se revestiram de tal importância, que Frank Podmore resolveu sobre elas fazer um longo estudo, que fez transcrever no Proceedings of the Society for Psychical Research.

Lembrarei, mais, que o Dr. Charpignon, no seu livro Psysiologie, Médecine et Métaphysique du Magnétisme, na página 120, escreveu:

“A doente se encontra – quero dizer, parece encontrar-se – em comunicação com uma entidade que ninguém vê, ninguém ouve, ninguém toca e que, no entanto, somos quase levados a crer que fala e responde. O primeiro desses factos é extraordinário, o segundo, atordoante!”

E na página 363:

“O primeiro paciente magnético que observámos nunca respondia a qualquer das nossas perguntas sem primeiro dizer: “Vou consultar o outro.” Perguntámos quem era esse outro e foi-nos respondido: “É o Espírito encarregado de me guiar, de me esclarecer.” E de facto esse paciente adquiria, em estado de sonambulismo, faculdades e conhecimentos que lhe eram inteiramente estranhos, quando em estado normal e, que não podiam provir senão de uma entidade superior.”

Dr. Ricard, no seu Traité du Magnétisme Animal, pág. 275, diz:

“A sonâmbula que primeiro me ofereceu alguma coisa digna de nota, nesse género, foi Adéle Lefrey. Atingira ela o termo de sua cura, quando, por entre novas indicações terapêuticas, me disse, em tom de chamar à atenção:

– Ouvis bem, o que ele me ordena.

– Mas quem? – perguntei-lhe. – Quem o ordena?

– Ele, não o ouvis?

– Não, nada oiço, nem vejo.

– Também é natural – retorquiu – dormis; quem está acordada sou eu...”

E na página 282, o Dr. Ricard pergunta à sonâmbula:

“– Recordai-vos do que ontem me dissestes?

– Sim.

– Mas quem é essa personagem misteriosa?

– É o meu anjo da guarda... Vede, ele conversa agora com o vosso...

– Com o meu! Porventura, está o meu anjo assim de vós tão perto?

– Sim, mas ele vos está ainda mais próximo e, apesar de não o verdes, esclarecido sois pelos seus conselhos.”

Lembrarei, enfim, que na La Revue Spirite, número de Outubro, 1925, expus o interessante caso do Dr. Larkin que, tendo levado ao estado de sonambulismo uma jovem camponesa, com o fim de alcançar esclarecimentos sobre o diagnóstico de doentes seus, obteve uma longa série de manifestações da entidade de mortos que, na sua maioria, lhe eram desconhecidos. Delas colheu o Dr. Larkin elementos para ulteriores investigações que, revestidas do maior rigor, lhe trouxeram demonstrações irrefutáveis da autenticidade das personalidades que por essa forma se manifestam. Acabou por se convencer de que a sua sonâmbula recebia comunicações do mundo espiritual.

Não iremos mais adiante. Os exemplos apresentados bastam para destruir a primeira afirmativa do nosso autor, segundo a qual, não acreditando nos antigos magnetizadores em “um comércio possível entre os vivos e os mortos, essa descrença se transmitiu aos seus pacientes, que apresentaram todos os fenómenos metapsíquicos completamente desprovidos do carácter espírita”.

Dado nos foi ver, ao contrário, que não obstante as prevenções dos magnetizadores, os sonâmbulos da primeira metade do século passado viam os Espíritos dos mortos, com eles conversavam e disso produziam provas. Assim, pois, as conclusões pelo autor tiradas da inexacta afirmação feita caem irremissivelmente.

Ora, essas conclusões eram de grande importância, pois delas se podia depreender que, se os primeiros experimentadores do medianimismo moderno não houvessem acreditado nos “Espíritos”, os médiuns, como outrora os sonâmbulos, com os Espíritos nunca se teriam comunicado. Mas o que acabo de mostrar leva-nos, antes, a concluir que os médiuns, apesar de tudo, se comunicam com os “Espíritos”, como já os sonâmbulos da primeira parte do século findo o haviam feito, mau grado as prevenções dos magnetizadores. E se é verdade, como, de facto, é incontestável, que a circunstância assinalada por Sudre tivesse fundamento, viria admiravelmente confirmar o seu ponto de vista, sendo ela de natureza precisamente contrária à que ele lhe empresta, a conclusão se impõe no sentido exactamente oposto àquele a que havia chegado. Precisando melhor: a circunstância por Sudre assinalada, ao contrário de demonstrar que as personalidades medianímicas não passam do produto de uma sugestão combinada com a clarividência do médium (prosopopese-metagnomia), vem justamente provar que os antigos sonâmbulos se comunicavam com os mortos, apesar das prevenções, completamente contrárias, dos seus magnetizadores, o que constitui prova admirável em favor da existência dessas personalidades como seres estranhos aos sonâmbulos, assim como da realidade análoga daqueles que, na actualidade, se manifestam através dos médiuns.

/…

(Nesta obra, de natureza puramente científica, Bozzano faz uma minuciosa análise com o objectivo de refutar a obra anti-espírita de René Sudre, “Introdução ao Estudo da Metapsíquica". Desenvolvendo argumentação insofismável sobre aparições junto ao leito de morte, fenómenos de materialização e outros, o autor demonstra que a “prosopopese-metagnomia”, hipótese fundamental sustentada por Sudre, para explicar as manifestações metapsíquicas de efeitos inteligentes, de modo algum atinge o fim que teve em vista o autor.)


Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A propósito da Introdução à Metapsíquica Humana, Refutação do livro de René Sudre / Título Original em Italiano; Ernesto Bozzano - Per la difesa dello spiritismo (A proposito della "Introduction à la Métapsychique Humaine" di René Sudre) Società Editrice Partenopea, Napoli (1927). – A propósito da “Introdução à Metapsíquica Humana"; I – O magnetismo animal e os fenómenos espíritas, 1º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)

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