Educar
Na maneira de conduzir a obra da educação, está a chave do
problema cuja solução o momento actual da Humanidade reclama.
Não há duas correntes de opinião, quanto ao valor da
educação. Todos a reconhecem e a proclamam como medida salvadora. Porém, há
divergência no que respeita ao modo de educar. Existem dois processos de
educação: um falso, que mascara a ignorância; outro, verdadeiro, que realmente
conduz ao saber. Um, que age de fora para dentro, outro que actua de dentro
para fora. Um, artificial, ora maquiavelicamente (i) empregado
para confundir; outro, natural, cujo alvo é esclarecer, libertar e aperfeiçoar
o homem.
O ensino por autoridade, impondo princípios e doutrinas,
avilta o carácter e neutraliza as melhores possibilidades individuais. Cria a
domesticidade e a escravatura espiritual, regímen ignóbil onde se estiolam as
mais nobres aspirações e onde se oficializam a hipocrisia, o vício e o crime.
O ensino por autoridade é a educação às avessas: oblitera a
mente, ofusca a inteligência, ensombra a razão, atrofia a vontade, mecaniza e cristaliza a
alma do educando.
O ensino que se funda no processo de despertar os poderes
latentes do Espírito é o único que realmente encerra e resolve o problema da
educação.
Baseando-se o ensino no apelo constante à razão e ao
bom senso, gera-se a confiança própria, estimula-se a vontade, esclarece-se a
mente — numa palavra — consegue-se que o educando faça a independência
própria em todo o terreno, o que representa a verdadeira nobreza de
carácter.
A educação, segundo o processo natural, conduz fatalmente o
educando à liberdade, faz dele um homem que pensa, sente e age por conta
própria. O educando, orientado como deve de ser, não será um
repositório de conhecimentos acumulados na memória; há de ser um poder
aquisitivo capaz de se enfronhar prontamente em qualquer assunto ou matéria
consoante requeiram as necessidades do momento. Nada o embaraçará, nenhuma
pedra de tropeço o mobilizará no carreiro da vida. Não sendo um armazém de
teorias e de regras estreitas hauridas de oitiva, é uma potência dinâmica
capaz de penetrar todos os meandros do saber e de solucionar os mais
intrincados problemas da vida, desde que a questão o afecte e lhe desperte
interesse.
A educação normal cria capacidades, enquanto que a
artificial gera marionetas que
vivem a repetir o que ouvem, sem consciência do que fazem. Tais indivíduos são
sempre dependentes, imitadores vulgares, parasitas, estratificados.
A educação real organiza sociedades dignas, onde
a ciência, a filosofia, a moral e as artes vicejam francamente sob atmosfera
favorável; onde há campo vasto para todas as actividades do Espírito e onde
todas as aspirações elevadas da alma encontram possibilidades de realização.
A falsa educação promove conglomerados amorfos de indivíduos
incapazes, medíocres em tudo, verdadeiros rebanhos que se agitam monotonamente
ao sinal do cajado que os tange segundo alheios caprichos.
A educação, tal como deve de ser, prepara o indivíduo para a
vida como realmente ela é: para os destinos altaneiros que Deus
concebeu e tracejou para o Espírito. A educação falsa amolda o
indivíduo ao sabor de outrem, prepara-o para certas escolas político-sociais ou
para servir a determinadas organizações sectárias. Em quaisquer desses meios, a
liberdade é um mito em
que muito se fala para iludir a boa fé alheia, e
onde a escravidão é um facto com todo o seu cortejo de ignomínias.
A submissão incondicional à autoridade, como base de ensino,
é ultraje à dignidade humana contra o qual se revolta o nosso século. A geração
nova, que ora desponta, jamais poderá tolerá-la, em que pese aos reaccionários
e ultramontanos (i) de
todos os matizes e calibres.
É tempo de se estabelecer a verdade neste particular de tão
subida importância. É preciso salvar o mundo, apontando os meios conducentes à
realização desse ideal de amor.
A missão do Espiritismo é educar para salvar.
Enquanto este facto não penetrar a mente e o coração da maioria dos espíritas,
a luz não estará no velador, e o Paracleto (i) ver-se-á
embaraçado na tarefa de reivindicar os direitos do divino Redentor, restaurando
o Cristianismo de Jesus, desse Jesus que foi mestre, teve discípulos e
proclamou a liberdade do homem mediante a educação racional do
Espírito.
Educar: eis o rumo a seguir, o programa do momento.
Jesus, o Mestre
Jesus curou cegos de nascença, surdos-mudos, epilépticos,
hidrópicos, doidos e lunáticos, paralíticos, reumáticos e leprosos; sarou,
finalmente, enfermos de toda a casta que a ele recorreram em busca do maior bem
temporal — a saúde. No entanto, jamais o Senhor pretendeu que o dissessem
médico, ou clínico.
Jesus frequentava o templo e as sinagogas onde atendia aos
sofredores e ensinava ao povo as verdades eternas, mas nunca se
inculcou levita ou sacerdote.
Jesus predisse com pormenores e particularidades o cerco, a
queda e a ruína de Jerusalém; como essa, fez várias outras profecias de alta
relevância. Penetrava o íntimo dos homens, devassando-lhes os arcanos mais
secretos, porém não consta que pretendesse as prerrogativas de vidente ou de
profeta.
Jesus realizou maravilhas, tais como: alimentar mais de
cinco mil pessoas com três pães e dois peixes; acalmar a tempestade, impondo
inconcebível autoridade às ondas revoltas do oceano. Ressuscitou a filha de
Jairo, o filho da viúva de Naim e, também, Lázaro, sendo que este último já
estava sepultado havia quatro dias. Transformou a água em vinho nas bodas de
Cana da Galileia, e muitos outros prodígios operou não pretendendo,
apesar disso que o considerassem milagreiro ou taumaturgo.
Jesus aclarava as páginas escriturísticas, fazendo realçar
da letra que mata o espírito que vivifica, mas não se apresentou como exegeta
ou, ministro da palavra.
O único título que Jesus reclamou para si, fizesse jus às
mais excelentes denominações honoríficas que possamos imaginar, foi o
de “mestre”. Esse o título por ele reivindicado, porque realmente Jesus é o
Mestre excelso, o Educador incomparável.
A sua fé na obra da redenção humana, mediante o
poder incoercível da educação, acordando as energias espirituais, é
inabalável, é absoluta. Tão firme é a crença na regeneração dos pecadores, na
renovação da nossa vida, que por esse ideal se ofereceu em holocausto.
Educar é redimir (i). O Filho de Deus deu-se em
sacrifício pela causa da liberdade humana. A cruz plantada no cimo do Calvário
não representa somente a sublime tragédia do amor divino: representa também o
símbolo, o atestado da fé viva que Jesus tem na transformação dos corações, na
conversão das nossas almas. "Quando eu for levantado no madeiro,
atrairei todos a mim..." assegurou ele. Todos, notemos bem; não uma
parcela mas a totalidade. Vemos por aí como é radical a sua confiança, a sua
crença na reabilitação dos culpados, através da educação.
Sim da educação, dizemos bem, porque só um título Jesus
reclamou, chamando-o a si, e o fez sem rodeios sem rebuços, nem perífrases,
antes com a máxima franqueza e toda a ênfase: o título de mestre. Dirigindo-se
aos seus discípulos, advertiu-os desta maneira: "Um só é o vosso mestre,
a saber — o Cristo Portanto, a ninguém mais chameis mestre senão a mim".
(Mateus, 23:8.)
Jesus rejeitou o ceptro, o trono, a realeza, alegando que o
seu reino não é deste mundo. Dispensando igualmente, a glória e as honras
terrenas; um só brasão fez questão de ostentar: ser mestre, ser
educador. É significativo!
"Eu sou a luz do mundo, sou a verdade, sou o pão que
desceu do céu" — proclamou o Senhor. Esparzir Luzes revelar a verdade, distribuir o
pão do Espírito — tal a obra da educação, tal a missão do Redentor da
Humanidade.
Que dúvida poderá restar a nós, neo-cristãos, sobre o rumo
que deve tomar a nossa actividade, uma vez que o advento do Espiritismo é
o do Consolador prometido? Que outra forma poderemos dar ao nosso
trabalho, que seja tão eficaz, tão profícua e benéfica à renovação social, como
aquela que se prende à educação, no seu sentido lato e amplo?
Trabalhemos, pois, com ardor e entusiasmo pela causa da
educação da Humanidade, começando pela infância e pela juventude desta terra de
Santa Cruz.
/...
"Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se em sua doce e encantadora magia, dedico esta obra" Pedro de Camargo “Vinícius”
Pedro de Camargo “Vinícius” (i), Em torno do
Mestre, Primeira Parte /
Seixos e Gravetos, – Educar, – Jesus, o Mestre, 1º fragmento desta
obra.
(imagem de contextualização: Pedro de Camargo
“Vinícius”, o homem)
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