Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 7 de agosto de 2011

~No Templo da Luz~


"  Assim foi, sem nenhum mal, até ao momento em que, formado o corpo sacerdotal, este, sentindo a necessidade de uma doutrina, impondo-se-lhe uma escolha, teve que tomar uma decisão. Então, pelos fins da 18ª dinastia (3064-1703 a.C.), os sacerdotes muito habilmente, para não ferir nenhuma crença, para chamar a si todas as opiniões, conceberam um sistema em que coubessem todas as hipóteses.

   A pessoa humana foi tida como composta de quatro partes: o corpo, o duplo (ka), a substância inteligente (khou) e a essência luminosa (ba ou baí). Mas, essas quatro partes se reduziam realmente a duas, no sentido de que o duplo, ou ka, era parte integrante do corpo durante a vida, como a essência luminosa, ou ba, se achava contida na substância inteligente, ou khou. Foi assim que, nos últimos tempos da 18ª dinastia, pela primeira vez, o Egipto, embora sem lhe compreender a verdadeira teoria, teve, na realidade, a noção do ser humano composto de uma única alma e de um só corpo. A nova teoria se simplificou ainda mais, com o passarem o corpo e o seu duplo a ser tidos como permanecendo para sempre no túmulo, enquanto que a alma-inteligência, “servindo de corpo à essência luminosa”, ia viver com os deuses a segunda vida. A imortalidade da alma substituía desse modo à imortalidade do corpo, que fora a primeira concepção egípcia.

A China

   Porventura, em nenhum povo o sentimento da sobrevivência foi tão vivo quanto entre os chineses. O culto dos Espíritos se lhes impôs desde a mais remota antiguidade. Cria-se no Thian ou Chang-si, nomes dados indiferentemente ao céu; mas, sobretudo, prestavam-se honras aos Espíritos e às almas dos antepassados. Confúcio respeitou essas crenças antigas e certo dia, entre os que o cercavam, admirou umas máximas escritas havia mais de mil e quinhentos anos, sobre uma estátua de ouro, no Templo da Luz, sendo uma delas a seguinte:

   “Falando ou agindo, não penses, embora te aches só, que não és visto, nem ouvido: os Espíritos são testemunhas de tudo.” 

   Vê-se que, no Celeste Império, os céus são povoados, como a Terra, não somente pelos génios, mas também pelas almas dos homens que neste mundo viveram. A par do culto dos Espíritos, estava o dos antepassados.

   “Tinha por objecto, além de conservar a preciosa lembrança dos avós e de os honrar, atrair a atenção deles para os seus descendentes, que lhes pediam conselhos em todas as circunstâncias importantes da vida e sobre os quais supunha-se que eles exerciam influência decisiva, aprovando-lhes ou lhes censurando o proceder.” 

   Nessas condições, é evidente que a natureza da alma tinha que ser bem conhecida dos chineses. Confúcio não concebia a existência de puros Espíritos; atribuía-lhes um envoltório semimaterial, um corpo aeriforme, como o prova esta citação do grande filósofo:

   “Como são vastas e profundas as faculdades dos Koûci-Chin (Espíritos diversos)! A gente procura percebê-los e não os vê; procura ouvi-los e não os ouve. Identificados com a substância dos seres, não podem ser dela separados. Estão por toda a parte, acima de nós, à nossa esquerda, à nossa direita; cercam-nos de todos os lados. Entretanto, por mais subtis e imperceptíveis que sejam, eles se manifestam pelas formas corpóreas dos seres; sendo real, verdadeira, a essência deles não pode deixar de manifestar-se sob uma forma qualquer.”

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GABRIEL DELANNE in A Alma é Imortal, Primeira parte A observação, Capítulo I Golpe de vista histórico – As crenças antigas (5 de 5)
(imagem de contextualização: Pintura das Aves, pintura de Franz Dvorak)

1 comentário:

palavra luz disse...

O valor cultural, científico e as profundas qualidades espirituais da insígne personalidade de Gabriel Delanne encontram um eco justificado nas páginas deste insígne lugar que se chama @zul, e que tão proveitosamente qualquer um pode (e deve) visitar e ler cuidadosamente.

Estes dois preciosos fragmentos sobre remotas culturas no tempo e no espaço, vêm colocar uma variedade de sugestões abundantemente próximas de concepções que agora nós mesmos sentimos alicerçadas na mais intensa e verídica realidade.

Isto significa que o universo judaico-cristão, com toda a enormidade de complexas atribulações que nos oferece, pode ser - a trechos - bem menos sugestivo que a abrangente luminosidade e transparência de culturas tido como exóticas e fantásticas.
Devo confessar que me sinto apaixonadamente inspirado pela grandeza, pela variedade e pela intensidade espiritual de tais culturas, das quais me sinto tão emocionadamente próximo como - quem sabe? - já por lá tenha passado, não sei quando nem como.

Estive a ler há dias algumas páginas de uma tese de doutoramente de um amigo meu, pessoa muito competente, aliás - de tema inserido no domínio da estética. Filósofo materialista, já se vê, expoente universitário, etc.
Ah como pode ser tão barbaramente inóspito o discurso materialista, tão estreitamente cingido à incapacidade de ver e de sentir a vastidão dos horizontes do espírito!...

Para fechar, apenas mais uma chamada de atenção sobre o importantíssimo perfil de Gabriel Delanne, assíduo frequentador deste magnífico lugar @zul.

Fraternas saudações